Publicado em: 25/11/2025 às 09:30hs
Um estudo conduzido por cientistas da Embrapa Meio Ambiente (SP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aponta que o etanol brasileiro pode alcançar pegada de carbono próxima de zero — ou até negativa — com o uso de tecnologias inovadoras de captura e armazenamento de carbono.
A pesquisa analisou duas soluções principais: a integração de bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS, na sigla em inglês) e a aplicação de biochar (biocarvão) no solo agrícola. Ambas poderiam ampliar os ganhos ambientais do programa RenovaBio, política nacional de biocombustíveis criada em 2017.
Apesar do enorme potencial climático, os pesquisadores destacam que a viabilidade dessas tecnologias depende de incentivos econômicos e de políticas regulatórias específicas.
O BECCS captura o carbono biogênico emitido durante a produção de etanol e energia nas usinas de cana-de-açúcar. O CO₂ gerado na fermentação do caldo e na queima do bagaço pode ser armazenado em formações geológicas subterrâneas, evitando sua liberação na atmosfera.
Já o biochar é obtido a partir do aquecimento controlado de biomassa vegetal, como o bagaço de cana. Aplicado ao solo, o material melhora suas propriedades físicas, aumenta a fertilidade e atua como reservatório de carbono de longo prazo, contribuindo para o sequestro de CO₂.
De acordo com o estudo, a intensidade de carbono (IC) do etanol hidratado brasileiro é de 32,8 gCO₂e/MJ. Se o BECCS fosse aplicado à fermentação, o índice cairia para 10,4 gCO₂e/MJ. Com o uso de biochar em proporção de uma tonelada por hectare, o valor reduziria para 15,9 gCO₂e/MJ.
Em cenários mais ambiciosos, onde também ocorre captura de carbono na combustão da biomassa, seria possível alcançar índices negativos de até –81,3 gCO₂e/MJ, segundo o pesquisador Lucas Pereira, da Embrapa Meio Ambiente.
Essas tecnologias evitam que o carbono volte à atmosfera, tornando o ciclo do etanol climaticamente positivo.
Apesar do avanço científico, nenhuma das mais de 300 usinas certificadas pelo RenovaBio utiliza atualmente o BECCS ou o biochar. O motivo está no alto custo das tecnologias.
Enquanto os créditos de descarbonização (CBIOs) são negociados a cerca de US$ 20 por tonelada de CO₂, o BECCS custa entre US$ 100 e US$ 200/tCO₂, e o biochar chega a US$ 427/tCO₂.
A Usina FS, produtora de etanol de milho, é uma das pioneiras em testar a captura de carbono no Brasil, reforçando o papel dos biocombustíveis na transição energética de baixo carbono.
A pesquisadora Nilza Patrícia Ramos, da Embrapa Meio Ambiente, explica que o estudo avaliou duas frentes de aplicação do BECCS: na fermentação alcoólica e na geração de energia com bagaço e palha.
Segundo ela, a fermentação é a mais viável tecnicamente, pois o CO₂ emitido é mais puro e fácil de capturar, enquanto a captura durante a combustão exige infraestrutura mais complexa e custos muito elevados.
O mapeamento de formações geológicas adequadas para armazenamento permanente e o monitoramento de segurança são etapas essenciais para a implantação da tecnologia em larga escala.
O biochar, produto da pirólise de resíduos agrícolas, como bagaço e palha, também apresentou resultados positivos. Segundo o pesquisador Cristiano Andrade, da Embrapa Meio Ambiente, cada tonelada de biochar aplicada ao solo pode sequestrar até 1,42 tonelada de CO₂ equivalente.
Além de capturar carbono, o biochar melhora a fertilidade do solo e reduz emissões de óxido nitroso (N₂O), gás de efeito estufa mais potente que o CO₂. Contudo, o uso excessivo pode afetar a fertilidade e aumentar as emissões de CO₂ em curto prazo.
Comparando diferentes fontes de energia, os pesquisadores concluíram que, mesmo sem tecnologias de emissão negativa, o etanol de cana já possui intensidade de carbono menor que a gasolina.
Com a adoção de BECCS e biochar, o etanol pode superar até veículos elétricos em desempenho ambiental, considerando a matriz elétrica brasileira, majoritariamente renovável.
O RenovaBio já representa um marco na política de descarbonização ao recompensar usinas com CBIOs, créditos de carbono negociáveis em bolsa. Porém, o estudo indica que novos mecanismos financeiros — como linhas de crédito específicas e integração com o mercado voluntário de carbono (VCM) — serão fundamentais para impulsionar tecnologias de custo elevado.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o crédito tributário 45Q oferece até US$ 180 por tonelada de CO₂ capturada, valor muito superior ao praticado no Brasil.
Se implementadas em larga escala, as tecnologias de captura e biochar poderiam gerar até 197 MtCO₂e em créditos de carbono, o que equivale a 12% das emissões totais do Brasil em 2022.
Um cenário mais realista, com BECCS aplicado apenas à fermentação, permitiria capturar cerca de 20 MtCO₂e por ano, média de 75 mil toneladas por usina.
Esse avanço seria decisivo para o cumprimento das metas de redução de emissões previstas até 2030, que buscam cortar 500 MtCO₂e em relação aos níveis de 2022.
Os autores do estudo reconhecem desafios, como a falta de dados precisos sobre emissões agrícolas e a análise de uso da terra, mas afirmam que o Brasil reúne condições únicas para liderar a transição global para combustíveis de emissão negativa.
Segundo a Embrapa e a Unicamp, o país já se destaca como grande produtor de biocombustíveis e pode avançar ainda mais ao combinar inovação tecnológica, políticas públicas e incentivos econômicos.
“O futuro do etanol brasileiro dependerá menos da tecnologia e mais da capacidade do país em criar incentivos que tornem o carbono negativo um ativo competitivo”, conclui o estudo.
Fonte: Portal do Agronegócio
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