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Shell e Raízen vão fazer hidrogênio verde de etanol com a USP

A USP (Universidade de São Paulo) anuncia nesta quinta-feira (1º) uma parceria com empresas do setor de combustíveis para desenvolver uma tecnologia capaz de transformar etanol em hidrogênio verde, energia considerada sustentável por sua baixa emissão de carbono.


Publicado em: 05/09/2022 às 12:40hs

Shell e Raízen vão fazer hidrogênio verde de etanol com a USP

O acordo de cooperação foi assinado com a Shell Brasil, Raízen, Hytron e com o braço de inovação em biossintéticos e fibras do Senai (CETIQT), e prevê a instalação de duas fábricas no campus da USP para a produção do hidrogênio renovável, que será testado em ônibus da Cidade Universitária ---atualmente movidos a diesel.

Com início da operação prevista para o primeiro semestre de 2023, a iniciativa pretende viabilizar uma solução de baixo carbono para o transporte pesado e indústrias poluentes, além de inaugurar o primeiro posto de hidrogênio verde a base de etanol do Brasil e do mundo.

Diferentemente de sua versão "comum", produzida a partir de combustíveis fósseis, o hidrogênio verde leva esse nome por ser extraído de fontes renováveis ---geralmente energia solar e eólica. Diante da pressão global por soluções para a crise climática, o produto vem ganhando centralidade devido a seu potencial para descarbonizar setores como siderurgia, indústria química e a própria geração de energia elétrica.

No entanto, transportar o combustível ainda é desafiador, pois exige que o armazenamento seja feito em baixas temperaturas e alta pressão, dificultando a logística. Além disso, as tecnologias de produção ainda não estão 100% consolidadas, o que ajuda a explicar o interesse de diversas empresas nesse mercado.

A Shell, por exemplo, está injetando R$ 50 milhões neste projeto com recursos de pesquisa e desenvolvimento, que são regulados pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Em maio deste ano, a companhia já havia fechado um acordo para a construção de uma planta de hidrogênio verde no Porto do Açu (RJ).

Segundo Alexandre Breda, gerente de tecnologia em baixo carbono da Shell Brasil, o objetivo do acordo com a USP é posicionar o etanol como uma fonte de hidrogênio verde.

O projeto vai desenvolver um equipamento chamado reformador, que quebra a molécula do biocombustível para transformá-la em hidrogênio. A Hytron, empresa do interior de São Paulo que integra a parceria, já possui um protótipo do dispositivo, mas a tecnologia ainda precisa ser melhorada para garantir confiabilidade, escala e eficiência ao processo.

O reformador será instalado na USP, que também receberá um posto de abastecimento de hidrogênio. A ideia, ao fim do projeto, é desenvolver uma solução capaz de driblar os desafios envolvidos na produção, transporte e armazenamento do hidrogênio verde.

"Todo posto de abastecimento do Brasil tem etanol. Então, em vez de transportar o hidrogênio, poderíamos colocar esse reformador dentro do posto para produzir [o combustível] localmente. Por isso, esse desenvolvimento com a USP já vai ser feito num contêiner, para facilitar a instalação futura de maneira distribuída", afirma Breda.

Carlos Gilberto Carlotti Junior, reitor da USP, diz que três ônibus que circulam na Cidade Universitária estão sendo modificados para terem compatibilidade com o hidrogênio. A ideia é que os veículos comecem a usar o combustível sustentável ainda no primeiro semestre de 2023, que é quando as fábricas ficarão prontas.

"Nosso campi tem potencial para ser um grande laboratório. Depois dos estudos sobre o quanto é possível gerar de energia e quais são os custos, podemos transformar [os achados] em políticas públicas, para que as cidades possam incorporar essa tecnologia", afirma.

Na primeira fase do projeto, serão construídas duas fábricas para produção de 5 kg de hidrogênio por hora. Posteriormente, uma unidade com capacidade dez vez maior será inaugurada.

O biocombustível utilizado no processo será fornecido pela Raízen, maior produtora de etanol de cana do mundo. Segundo Ricardo Mussa, CEO da Raízen, a ideia no longo prazo é chegar a um nível de sofisticação tão grande que o reformador poderá incorporado não só aos postos de abastecimento, mas aos próprios veículos elétricos. "No limite, [a ideia é conseguir] transformar o etanol em hidrogênio dentro do próprio carro ou ônibus, se o equipamento for compacto o suficiente", diz.

Mussa lembra que, atualmente, boa parte dos veículos elétricos funcionam a bateria, que tem a desvantagem de ser muito pesada. Uma opção mais leve seriam as células de combustível ---que transformam hidrogênio em eletricidade. Conseguir alimentá-las com etanol, ele diz, seria o ideal.

"Um carro elétrico da Tesla, por exemplo, tem cerca de 600 quilos de bateria. O equivalente que essa bateria possui de energia, você encontra em 27 quilos de etanol", diz. "Se conseguirmos a beleza do motor elétrico, que é muito mais eficiente que o motor a combustão, sem o problema do peso, chegaríamos ao melhor dos dois mundos", acrescenta.

O CEO diz que o projeto de hidrogênio verde dialoga com as metas de longo prazo da Raízen, assim como a recente parceria fechada com a Embraer para estimular a produção de combustível de aviação sustentável (SAF, na sigla em inglês).

O mesmo vale para o caso da Shell, que tem a ambição de ser net-zero (emissões líquidas zero) até 2050 ---embora não planeje sair do mercado de combustíveis fósseis. Segundo Breda, o foco da companhia é reduzir sua pegada ambiental, investindo em biocombustíveis, captura de carbono, energias renováveis e soluções baseadas na natureza. "Produzir óleo e gás vai continuar importante por muito tempo ainda ---e continuamos investindo bastante nesse mercado", diz.

Fonte: Folha de S. Paulo

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