Publicado em: 18/07/2023 às 08:40hs
O Programa Nacional de Levantamento e Interpretação de Solos do Brasil (PronaSolos) teve nesta semana mais um importante capítulo. O I Workshop do Projeto PronaSolos MCTI/Finep reuniu na Embrapa Solos, no Rio de Janeiro (RJ), entre os dias 4 e 6 de julho, pela primeira vez presencialmente, a equipe do projeto estruturante desenvolvido no âmbito do programa que irá revolucionar o conhecimento sobre os solos brasileiros.
O objetivo principal do projeto é estabelecer uma rede de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) para ampliar a capacidade nacional em assuntos relacionados aos recursos naturais solo, água e biodiversidade, abrangendo diferentes áreas da ciência do solo e de temas afins. Essa ação tornará possível a execução do PronaSolos, um programa de Estado que mobilizará nas próximas décadas centenas de especialistas para investigação, documentação, aquisição de novos dados, inventário e interpretação dos dados de solos brasileiros. O objetivo é ter, até 2048, todo o território nacional mapeado em escalas que vão de 1:25.000 a 1:100.000, que permitem aplicações em âmbitos municipal e local.
O projeto é financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), via Fundo Nacional Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), no âmbito do CT-Agro. O orçamento global do projeto é de R$ 11,9 milhões, com vigência de 2 anos, podendo ser prorrogado. São mais de 150 especialistas envolvidos em 10 metas e 41 atividades e entregas.
Participaram ativamente das discussões do workshop especialistas da Embrapa Solos, Embrapa Cerrados, Embrapa Agricultura Digital, Embrapa Instrumentação, Serviço Geológico do Brasil (SBG), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), Universidade Federal de Viçosa (UFV), Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (SBCS), além de representantes da Finep, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que coordena o PronaSolos.
Além das apresentações técnico-científicas do projeto (veja detalhes no quadro ao final da matéria), foram debatidas questões legais e de governança para a consolidação da rede de PD&I e da criação de um fundo para apoiar o PronaSolos.
Maria de Lourdes Mendonça Santos Brefin, chefe geral da Embrapa Solos e coordenadora geral do projeto PronaSolos MCTI/Finep, conduziu o workshop no Auditório do prédio histórico que abriga a Embrapa Solos, onde foi realizada a reunião que deu origem à Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, ainda em 1947. De acordo com a pesquisadora, o local escolhido tem vocação para eventos determinantes para a ciência do solo no Brasil.
A pesquisadora lembrou que desde a década de 1980 o Brasil não realiza mais levantamentos sistemáticos de solos, e ainda hoje são utilizados dados e informações gerados nas décadas anteriores, em escalas não compatíveis com as necessidades do País.
“Atualmente fazemos agricultura com uma venda nos olhos, pois conhecemos menos de 5% dos nossos solos em escalas de 1:100.000 ou mais detalhadas. Até hoje produzimos conhecimento essencialmente com os dados e mapas produzidos pelo Radam Brasil, em escalas de 1:1.000.000, enquanto os Estados Unidos, nosso concorrente na balança comercial, conhecem seus solos em escalas de 1:25.000 ou 1:20.000. Temos a responsabilidade de deixar, em nome de nossa geração e das gerações passadas de pedólogos do Brasil, o caminho pavimentado e estruturado para o PronaSolos, um programa que vai durar 30 anos e que será continuado pelas novas gerações”, disse Maria de Lourdes à equipe.
A pesquisadora destacou a importância de reunir pela primeira vez presencialmente toda a equipe do projeto, o primeiro com caráter estruturante do PronaSolos desde a sua formalização como programa de Estado, em 2018. “É muito importante para que as equipes co-executoras possam interagir e se conhecer melhor. As interações entre os especialistas proporcionaram ajustes e inclusões de atividades em algumas metas, com compartilhamento de dados, informações e conhecimento, num nível tecnológico e científico altíssimo, em termos de métodos e métricas”, avaliou.
Rodrigo Secioso, superintendente da Área de Inovação 3 da Finep, destacou que a iniciativa do projeto estruturante é o pontapé inicial de muitas outras inovações que terão que ser desenvolvidas a partir da rede e da plataforma de pesquisa que estão sendo criadas. “Esse projeto financiado pela Finep/MCTI é apenas o início. Começamos por essa parte de estruturação, para iniciar o desenvolvimento de tecnologias para caracterizar os atributos do solo, integrar mapeamento digital, construir uma plataforma de mapeamento de solo brasileiro. Isso é crucial para que seja possível desenvolver soluções mais adequadas e eficientes para as culturas brasileiras, para a nutrição de plantas, e assim garantir a segurança alimentar e a sustentabilidade da agricultura brasileira”, pontuou.
O Mapa foi representado no workshop por Gustavo dos Santos Goretti, coordenador-geral de Irrigação e Conservação do Solo e Água, do Departamento de Produção Sustentável e Irrigação (Depros), da Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Sustentável, Irrigação e Cooperativismo (SDI).
Ele destacou que o ministério está buscando unir forças de diversas instituições e parceiros, incluindo os produtores, para iniciar o mais rapidamente possível os trabalhos de campo para o mapeamento das áreas definidas como prioritárias pelo PronaSolos. Em breve devem ser publicados os decretos com a atualização dos membros dos comitês estratégico e executivo do programa.
Goretti também revelou que há a perspectiva de que o mapeamento das áreas prioritárias esteja no Plano Plurianual (PPA) 2024/2027 do ministério, que permitirá que o PronaSolos tenha, a partir do ano que vem, acesso aos primeiros recursos para iniciar os trabalhos de campo, conforme previsto no Programa.
Clenio Pillon, diretor executivo de Pesquisa e Inovação da Embrapa, participou da abertura do workshop, de maneira remota. Ele destacou que o PronaSolos, além de ser um programa estruturante interno da Embrapa, em consonância e alinhamento com os 33 portfólios de PD&I da empresa, é um programa de Estado estratégico para o Brasil.
“Temos a real dimensão do que significa um levantamento sistemático como o que está sendo proposto pelo programa, em termos de mapeamento e caracterização desse recurso natural tão estratégico para a nossa segurança e soberania alimentar. É impensável fazermos a gestão dos nossos recursos naturais sem um conhecimento aprofundado, especialmente dos recursos que são basilares para a produção de alimentos, como solo, água e biodiversidade, que têm um nexus muito forte com as questões climáticas e toda a pauta das mudanças do clima”, ressaltou o diretor.
Ele destacou que o PronaSolos, além de contribuir com dados e informações a partir das plataformas que estão sendo desenhadas pelo programa e pelo projeto, irá subsidiar a formulação de políticas públicas, melhorando a capacidade do País de fazer gestão e ordenamento territorial de forma harmônica e sustentável. “Estamos falando aqui não somente de um programa e de um projeto de PD&I, mas de algo que contribuirá fortemente para futuras políticas públicas, não só na questão da produção de alimentos, mas também relacionada a planejamento ambiental, questões de estrutura e logística, de acesso a crédito.”
Pillon também salientou a importância dos processos de governança, articulação e indução de políticas públicas que estão sendo construídas no âmbito do PronaSolos. “Hoje não há como pensarmos em avançar no conhecimento e na proposição de soluções e novas iniciativas sem termos redes robustas e ambientes de inovação aberta constituídos, com o apoio dos nossos ministérios, dentro de uma agenda que é de interesse não só da Embrapa e parceiros, mas também do País e do planeta”, concluiu o diretor.
Carlos Alberto Valera, promotor de justiça de Minas Gerais, participou do workshop com uma palestra que destacou os aspectos jurídicos da governança de solos no Brasil e a experiência desenvolvida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em parceria com o Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM) e outros parceiros, para a criação do Sistema de Apoio ao Diagnóstico das Pastagens Degradadas (SIPADE). Ele coordena o Núcleo Integrador para Tutela da Água e do Solo (Nutas) do MPMG.
O promotor explicou que solo e subsolo são recursos ambientais por força de lei, pelo artigo 3º da Lei Federal nº 6938, de 1981. Logo, eles estão protegidos pelo artigo 225 da Constituição e são direitos fundamentais. “O que nós precisamos, e o PronaSolos dará essa resposta, é conhecer o nosso solo e o nosso subsolo, para que o gestor possa tomar uma decisão efetiva para a proteção e exploração adequada desse recurso. É impossível tomar qualquer decisão em nível de território, seja em qual escala for, sem conhecer os solos”, destacou.
Valera explicou que o MPMG criou, de maneira pioneira, um núcleo específico para tutela integradora da água e do solo, e agora trabalha num software para identificação de pastagens degradadas, o SIPADE. “E por que as pastagens degradadas? Por que são os dados mais superlativos de degradação [de solos] do País. A ideia é que o PronaSolos traga esse conhecimento sobre os nossos solos para que possam ser adotadas políticas públicas que, de um lado, permitam a exploração e a produção, por que nós reconhecemos a importância do agro para o Brasil, mas que também cumpra o requisito ambiental respeitando a capacidade de uso desse recurso fundamental para a nossa soberania”, concluiu o promotor.
A programação do workshop foi fechada, no dia 6 de julho, com uma mesa redonda que discutiu as bases de dados de solos já existentes e os desafios para a interoperacionalidade entre elas. O PronaSolos já possui uma plataforma tecnológica, lançada em dezembro de 2020, que disponibiliza à sociedade, por meio de um sistema de informações geográficas (SIGWeb), uma vasta base de dados e de informações de solos existentes e disponíveis no País - acesse em https://pronasolos.sgb.gov.br/.
Especialistas da Embrapa Agricultura Digital, IBGE e Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UFTPR) apresentaram suas experiências e debateram junto com os pesquisadores participantes do evento sobre como as instituições devem desenvolver a governança dos dados já existentes, originados de trabalhos desenvolvidos desde a década de 1940, e o grande volume de novas informações que o PronaSolos irá gerar ao longo das próximas três décadas.
O pesquisador Stanley Oliveira, chefe geral da Embrapa Agricultura Digital, mostrou como está estruturado o Banco de Dados de Solos (BD Solos), fruto de uma parceria entre Embrapa Solos e Embrapa Agricultura Digital e lançado ao público em 2015, Ano Internacional do Solo. Essa base de dados incorpora amostras e perfis de solos de todo Brasil, apresentando uma descrição detalhada das características morfológicas, físicas, químicas e mineralógicas desses perfis com suas localizações geográficas. O sistema também contempla um módulo para dados de análises de fertilidade de solos e outro para mapas.
Oliveira apontou que o grande desafio do PronaSolos é caminhar na direção de dados padronizados, que sejam fáceis de ser encontrados e acessados, que tenham interoperacionalidade, que possam ser trocados com instituições estrangeiras e que sejam reutilizáveis, seguindo os padrões internacionais. “É um processo irreversível, e com isso irão se beneficiar a academia, a Embrapa e outras instituições de pesquisa e o governo. A Embrapa Agricultura Digital já tem especialistas [em Tecnologia da Informação] com treinamentos prontos que podem ser dados para multiplicadores de todos os parceiros integrados na rede”, revelou.
O IBGE participou das discussões da mesa redonda com diversos especialistas que trabalham diretamente com a Infraestrutura de Dados Espaciais (INDE), instituída em 2008 pelo decreto federal nº 6.666 e gerida pelo instituto. A INDE tem o propósito de catalogar, integrar e harmonizar dados geoespaciais existentes nas diversas instituições do governo brasileiro, produtoras e mantenedoras desse tipo de dado, de maneira que possam ser facilmente localizados, explorados e acessados para os mais diversos usos, por qualquer cidadão que tenha acesso à rede mundial de computadores.
Os dados geoespaciais são catalogados por meio dos seus respectivos metadados, publicados pelos produtores e mantenedores desses dados. De acordo com os especialistas do IBGE, a plataforma de infraestrutura de dados espaciais da Embrapa (GeoInfo) é um dos cases de sucesso de integração com a INDE.
Marcelo Maranhão, assessor técnico da Diretoria de Geociências do IBGE, destacou que o desafio no âmbito das instituições que integram a rede do PronaSolos é promover a capacitação das equipes que irão cuidar do cadastro dos dados e metadados gerados. “É seguir as normas que hoje já estão estabelecidas no Brasil, pela INDE. O IBGE já conta com uma capacitação permanente tanto para a construção da infraestrutura de dados como para a questão de cadastramento de metatados”, reforçou. Maranhão também expôs sobre a necessidade de financiamento e de pessoas de diversas instituições parceiras para geração das bases cartográficas nas escalas requeridas pelo PronaSolos.
Já o professor da UTFPR Alessandro Samuel Rosa apresentou a experiência da plataforma SoilData, repositório de dados da pesquisa em ciência do solo mantida pela universidade.
Segundo o professor, há um grande volume de dados sendo produzidos pelas instituições de pesquisa e em trabalhos de graduação, mestrado e doutorado, e todos eles têm o seu impacto na resolução de problemas de grupos de pesquisa, pontual ou de longo prazo. Mas quando esses dados são introduzidos de maneira adequada em uma plataforma como o SoilData, abrem-se outras possibilidades, aumentando esse potencial. “Quando trazemos os dados para um outro ambiente de produção, além de dar visibilidade ao trabalho de campo e laboratório, podemos agregá-los a outros dados, abrindo possibilidades que talvez antes não tinham sido pensadas. É fundamental que as universidades e os institutos de pesquisa abracem essa causa”, concluiu.
A construção do programa PronaSolos começou em 2013, a partir de uma articulação iniciada em Berlim, no evento 2º Global Soil Week, entre a chefe geral da Embrapa Solos, Maria de Lourdes Brefin, o então presidente da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, Gonçalo Signorelli, e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Aroldo Cedraz. Na época, o mundo despertava para a importância da ciência do solo para a segurança alimentar e as questões das mudanças climáticas.
Em março de 2015, declarado pela ONU como o Ano Internacional do Solo, as três instituições realizaram a Conferência sobre Governança do Solo, em Brasília, que reuniu autoridades e lideranças brasileiras e internacionais sobre o assunto. O evento evidenciou a falta de dados de solos em escalas compatíveis com a tomada de decisão em nível de microbacias, a dispersão desses dados entre instituições diversas, a falta de uma legislação única que tratasse solo e água em conjunto e a ausência de governança de solos no País, bem como de programas voltados ao conhecimento do solo, sua proteção e conservação.
A conferência produziu o documento intitulado “Carta de Brasília”, que foi publicado e distribuído em diversas instituições brasileiras. O TCU também produziu, no escopo do evento, um levantamento sobre a governança de solos no Brasil, que culminaria meses depois no Acórdão TCU 1942/2015, que trata justamente da governança de solos do País. Este acórdão lançou as diretrizes que orientaram a formulação do Programa Nacional de Levantamento e Interpretação de Solos do Brasil (Pronasolos), por meio de um projeto especial liderado pela Embrapa Solos.
Após mobilização interinstitucional liderada pelo Ministério da Agricultura e pela Casa Civil, que formularam a proposta de um programa nacional apoiados pelas instituições que atuam com base na ciência do solo, a formalização do PronaSolos como programa de Estado aconteceria em 2018, por decreto presidencial. A primeira nomeação dos comitês estratégico e executivo do programa foi publicada em 2020.
Fonte: Embrapa Solos
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