Publicado em: 16/06/2021 às 08:40hs
A solução impacta diretamente a culinária baiana, visto que a alta acidez do dendê é tida como responsável por distúrbios gastrointestinais, o que afasta muitos apreciadores. O cultivo do híbrido pode contribuir ainda para a sustentabilidade da dendeicultura da região, principalmente de pequenos produtores, por aliar baixo custo de produção e resistência a pragas.
O novo azeite, desenvolvido na Estação Experimental Lemos Maia (Esmai/Ceplac), no município de Una, BA, é resultante do cruzamento entre o dendezeiro de origem africana (Elaeis guineensis) e o caiaué, de procedência americana (Elaeis oleífera), conhecido como HIE OxG híbrido interespecífico (entre o dendê e o caiaué). Batizado de Unaué, foi testado em restaurantes do município baiano, com bastante aceitação tanto pelo sabor como pela qualidade.
O produto herdou a baixa acidez e a alta concentração de ácidos graxos insaturados (bons para o coração) do caiaué, além de ser mais claro e uniforme. Por apresentar alto percentual de oleína, é indicado para moquecas, fritadas de ovo, aipim, frango etc. Já a versão para acarajés vem com certo teor de estearina, pois as baianas produtoras de acarajés preferem um azeite com mais gordura.
Segundo o pesquisador da Ceplac José Inácio Lacerda Moura, o futuro aponta para a estruturação de um trabalho em parceria com a Embrapa voltado à distribuição de mudas do híbrido a produtores, especialmente agricultores familiares, dispostos a produzir e processar o dendê na própria fazenda. Há que se considerar ainda que o híbrido tem porte baixo, o que minimiza os custos de colheita e apresenta resistência moderada a pragas e doenças, notadamente ao Anel Vermelho, doença comum e altamente letal ao dendezeiro de origem africana (Tenera).
O óleo do HIE OxG tem menor quantidade de ácidos graxos livres do que o do dendezeiro e, por isso, apresenta menor acidez e melhor qualidade. É também mais insaturado e com maior teor de vitamina E e carotenos do que o óleo do dendezeiro. Estudos também demonstram que o óleo do híbrido tem potencial para o preparo de alimentos funcionais, rico em polifenóis, com propriedades antioxidantes e impacto favorável sobre os lipídios plasmáticos humanos, relacionados com os fatores de risco cardiovascular. Devido a essas características, o uso desse óleo, principalmente no caso de produtos da culinária tradicional que utilizam o óleo de dendezeiro não refinado, proporcionará produtos de melhor qualidade, sabor, propriedades nutracêuticas e funcionais.
Considerando as características favoráveis do HIE OxG, tanto agronômicas como de qualidade do óleo, vislumbra-se que seu cultivo pode contribuir de forma significativa para a sustentabilidade da dendeicultura baiana, principalmente de pequenos produtores, bem como destacar ainda mais a culinária tradicional baiana.
Na Bahia, onde o óleo bruto (não refinado) de dendê tem amplo uso e importância na culinária, a qualidade do HIE OxG é altamente favorável aos produtores, que poderão obter melhor remuneração pelo produto, e aos consumidores, que terão acesso a produtos de melhor qualidade e mais saudáveis.
O dendezeiro (Elaeis guineenses Jacq.), foto acima, principal fonte mundial de óleo vegetal, conforme o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, sigla em inglês) chegou ao Brasil no século XVI, trazido do continente africano pelos escravos e desembarcando no estado da Bahia, onde encontrou no Recôncavo Baiano plenas condições climáticas e de solo para o seu desenvolvimento, dando origem aos dendezais subespontâneos existentes atualmente na região.
Os pesquisadores da Embrapa Ricardo Lopes e Raimundo Cunha explicam que o híbrido interespecífico entre essas espécies (HIE OxG) tem sido explorado em programas de melhoramento genético com objetivo de associar a alta produtividade em óleo do dendezeiro com a resistência ou tolerância a pragas e doenças, porte baixo e qualidade do óleo do caiaué. Em 2010 a Embrapa lançou a primeira cultivar de HIE OxG desenvolvida no Brasil, denominada BRS Manicoré (foto à direita), obtida a partir do cruzamento de caiaué da origem Manicoré com dendezeiro da origem La Mé.
Os experimentos na Bahia com o dendê americano tiveram início em 2009 e seus resultados foram divulgados em artigo publicado na revista Agrotrópica, em abril de 2019, assinado pelos pesquisadores Ricardo Lopes e Raimundo Cunha (Embrapa Amazônia Ocidental) e Sinval Pinto, Lindolfo Filho e José Moura (Ceplac).
O declínio da dendeicultura baiana, de acordo com José Moura está baseado em vários fatores, tais como: custo com a colheita em razão da altura, baixa produtividade, óleo com alta acidez em virtude do manejo inadequado, falta de assistência técnica e problemas fitossanitários.
Os pesquisadores avaliaram que o híbrido, quando comparado às cultivares de dendezeiro, apresenta como vantagens menor crescimento em altura, melhor qualidade do óleo e resistência a pragas e doenças, com destaque ao Anel Vermelho (AV), causado pelo nematoide Bursaphelencus cocophilus Cobb, que é o principal problema fitossanitário nos dendezais baianos. Portanto, além do potencial produtivo dos HIE OxG, houve interesse em avaliar a resistência desse material à doença.
No estudo foram avaliadas 12 progênies de HIE OxG para produção de cachos de frutos frescos (CFF) e resistência ao Anel Vermelho. O experimento foi implantado em 2009, no campo da Ceplac/Esmai, com o delineamento de blocos ao acaso com cinco repetições e 12 plantas por parcela. As avaliações foram realizadas do quarto ao oitavo ano após o plantio. A mortalidade de plantas devido ao AV foi de 4%. Os HIE OxG apresentaram alta resistência ao AV e alto potencial produtivo, demonstrando grande potencial para cultivo na Bahia.
Moura explica ainda que na região do Baixo Sul da Bahia tem-se uma área de aproximadamente 30 mil ha de dendezeiros subespontâneos explorados comercialmente, sendo muitas dessas áreas consideradas marginais, com predominância de plantas do tipo Dura e com árvores ultrapassando a fase de declínio produtivo. Com a idade avançada das plantas, além do declínio produtivo, como as plantas são muito altas, tem-se baixo rendimento da colheita, resultando em alto custo de produção do óleo. “Destaca-se também que a falta de manejo adequado das populações espontâneas e dos plantios comerciais, tem contribuído para o aumento de doenças nos dendezeiros baianos, entre as quais se destaca o AV”, conta o pesquisador.
Levantamentos realizados pela Ceplac indicaram que o caiaué não é afetado pelo Anel Vermelho, enquanto o dendê é suscetível e o híbrido (HIE OxG) tem resistência moderada. Os resultados se referem a plantios com 25 anos de idade e analisaram a taxa de mortalidade de plantas devido à incidência da doença. Com o HIE OxG, foi verificada taxa de aproximadamente 7% em uma população de 250 plantas, enquanto nos plantios de dendê, durante esse mesmo período, a mortalidade foi alta, 57%, em uma população de 3.853 plantas.
“A resistência ao AV apresentada pelo HIE OxG é transmitida pelo caiaué, visto que, após décadas de plantio da espécie na Esmai, nenhuma morte foi registrada em decorrência da doença. Devido aos grandes prejuízos causados à dendeicultura baiana e à dificuldade para o controle da doença, é de grande interesse o cultivo dos HIE OxG no estado”, explica Moura.
Ele destaca que, além da resistência ao AV, o HIE OxG apresenta crescimento lento em altura, o que reduz o custo de colheita devido ao maior rendimento da mão de obra, bem como prolonga o período de viabilidade da exploração comercial dos plantios.
Fonte: Embrapa Amazônia Ocidental
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