Publicado em: 06/05/2025 às 12:30hs
Em um cenário marcado por transformações tecnológicas aceleradas e crescente pressão por sustentabilidade, a ciência e a tecnologia assumem um papel ainda mais central no desenvolvimento socioeconômico e na superação de desafios nacionais e globais. Segundo o professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do INCT/PPED e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), Antônio Márcio Buainain, a aplicação do conhecimento científico em benefício da sociedade exige o fortalecimento do vínculo entre a comunidade científica e o setor produtivo — uma relação que, no Brasil, ainda é frágil e muitas vezes pautada por incompreensões.
Apesar do consenso sobre a importância da ciência, persiste a expectativa equivocada de que o cientista deva atuar como consultor, legitimando decisões previamente tomadas. Essa confusão, segundo Buainain, prejudica tanto o rigor da pesquisa científica quanto a credibilidade de seus resultados. O cientista tem como compromisso a produção de conhecimento novo, por meio de métodos rigorosos e revisão por pares, com liberdade intelectual. Já o consultor atua com foco na aplicação prática de saberes já consolidados, atendendo a demandas específicas de clientes. Ambos os papéis são legítimos, mas precisam ser claramente diferenciados — e reconhecidos como tal pela sociedade e pelo setor produtivo.
Quando essa distinção não é respeitada, seja por cientistas que atuam como consultores sem declarar, seja pela politização da ciência, cria-se um ruído que mina a confiança pública e afasta o setor privado do universo científico. O resultado é um ciclo vicioso: empresas financiam apenas pesquisas que confirmam suas convicções; centros de pesquisa tornam-se dependentes de recursos públicos escassos e sujeitos a pressões políticas.
Essa desconexão prejudica todos os envolvidos. O setor produtivo perde acesso a conhecimento estratégico e inovações; a ciência perde oportunidades de aplicação e financiamento; e a sociedade deixa de receber soluções sustentáveis embasadas em evidências sólidas. “Não há sustentabilidade sem ciência, mas também não há ciência viva sem liberdade e financiamento estável”, pontua o professor.
No Brasil, ainda predomina a visão de que o investimento em ciência é responsabilidade quase exclusiva do Estado. Essa lógica limita o progresso. Em países líderes em inovação, o setor privado contribui substancialmente para a pesquisa básica — aquela que, mesmo sem resultados imediatos, sustenta as soluções do futuro. Nesses países, a ciência é tratada como ativo estratégico, não como despesa, e o retorno se dá em forma de competitividade, eficiência e inovação sustentável.
Buainain destaca exemplos bem-sucedidos no Brasil, como a Embrapa, que revolucionou a agricultura tropical por meio de avanços majoritariamente financiados pelo setor público. Também cita as parcerias público-privadas no setor sucroalcooleiro nos anos 2000, que resultaram em melhorias genéticas da cana-de-açúcar e no desenvolvimento de biotecnologias industriais. No entanto, tais iniciativas ainda são pontuais. A regra, lamenta, é uma postura utilitarista, em que a ciência só é buscada para confirmar crenças ou justificar posicionamentos.
Essa visão prejudica tanto instituições públicas de pesquisa quanto organizações da sociedade civil. Um exemplo é o próprio Conselho Científico de Agricultura Sustentável (CCAS), que reúne cientistas de diversas áreas atuando de forma voluntária, com o objetivo de demonstrar como o conhecimento científico pode alavancar a sustentabilidade e a competitividade do agronegócio nacional. Apesar de sua relevância, a entidade enfrenta dificuldades de financiamento e enfrenta ceticismo do setor privado.
A crise de confiança na ciência, observada também em democracias consolidadas, acentua o problema. Episódios como os ataques a instituições científicas nos Estados Unidos, durante o governo Trump, mostram os riscos de uma ciência fragilizada, instrumentalizada politicamente ou associada a militâncias ideológicas. O avanço do negacionismo em temas como mudanças climáticas, vacinação e saúde pública revela os perigos de um conhecimento desacreditado.
Para o professor, é urgente inverter essa lógica. O setor privado precisa compreender que investir em ciência com liberdade e autonomia não é filantropia ou estratégia de marketing, mas sim uma decisão de visão estratégica. Essa mudança exige confiança mútua, clareza de papéis e disposição para o diálogo. O Brasil conta com capital humano qualificado, instituições científicas reconhecidas internacionalmente e um setor produtivo com ambições globais — mas não haverá protagonismo sustentável sem uma base científica sólida.
“A ciência e a tecnologia não podem continuar sendo tratadas como acessórios. São pilares do desenvolvimento nacional”, reforça Buainain. O momento exige transformar a relação entre ciência e setor produtivo, superando a postura reativa e assumindo um compromisso duradouro com o financiamento, a valorização e a escuta ativa da ciência. Só assim será possível construir uma agenda sólida de inovação, sustentabilidade e inclusão.
Fonte: Portal do Agronegócio
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