Publicado em: 23/01/2012 às 10:18hs
Qual é o potencial de uso dos fundos imobiliários no agronegócio brasileiro? Tendo em vista a relevância da propriedade da terra para o setor, principalmente no estágio de produção agropecuária, faz sentido o questionamento sobre a contribuição que os fundos imobiliários podem oferecer para a captação e alocação eficiente de recursos de investidores, empreendedores ou agentes que já atuam no setor. Neste artigo analisa-se a possibilidade de atração de recursos privados para empreendimentos agroindustriais por meio de fundos imobiliários, que apresentam expressiva expansão no mercado financeiro para viabilizar a construção de imóveis para exploração comercial no Brasil.
Uma introdução ao tema foi apresentada no artigo deste periódico “A propriedade da terra no agronegócio” (Nogueira, 2011), onde sustento que a concentração do risco do mercado de terras por parte do agricultor em suas decisões de investimento pode prejudicar o resultado de sua atividade. O mercado de terras pode favorecer um sub-investimento resultante da alta dos preços da terra ou uma imobilização excessiva de capital neste ativo, se os preços estiverem depreciados. Assim, seria necessário compartilhar esse risco com outros agentes por meio de mecanismos de separação entre a propriedade e a gestão dos empreendimentos, como ocorre com a emissão e negociação de ações. Uma alternativa para o compartilhamento dos riscos de investimentos em imóveis no agronegócio seria o fundo imobiliário.
Fundos de investimento imobiliário são fundos que investem em empreendimentos imobiliários, como edifícios comerciais, shopping centers, hospitais etc. O retorno do capital investido se dá por meio da distribuição de resultados do fundo, por exemplo, o aluguel pago por um shopping center, ou pela venda das cotas do fundo. Como esses fundos são constituídos sob a forma de condomínio fechado, o resgate das cotas ocorre mediante a sua negociação no mercado secundário, de forma similar à venda de uma ação. Os rendimentos distribuídos são isentos de impostos para cotistas que são pessoas físicas. Para aplicar, os investidores devem ter contas em corretoras de valores que operem com o produto.
Os fundos imobiliários vêm ganhando mais espaço no mercado desde 2010, conforme matéria do jornal Valor Econômico. Participantes de peso de capital nacional como Bradesco, Banco do Brasil e Itaú, além de Votorantim, BTG Pactual e Fator passaram a atuar fortemente nesse mercado. Bancos estrangeiros, como Citibank, Morgan Stanley e Santander, além de gestoras de recursos independentes, também parecem encarar a aplicação um segmento interessante (MONTEIRO, 2012).
A reportagem apresenta o depoimento de uma gestora de recursos de um grande banco, para quem a “trajetória em queda da taxa de juros deve levar o investidor a buscar mais diversificação da carteira e os fundos imobiliários têm grande atratividade por conta do benefício fiscal”. Segundo ela, a carteira do primeiro fundo imobiliário do banco deverá ser composta por títulos como Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Letras de Crédito Imobiliário (LCI). Inicialmente, a idéia é distribuir o fundo entre os investidores de alta renda do segmento private (MONTEIRO, 2012).
Um dos aspectos que influencia na rentabilidade do fundo imobiliário é o risco dos ativos e dos locatários dos imóveis em carteira. Neste sentido, fundos baseados em um único inquilino apresentam maior risco de queda no rendimento, no caso de atraso de pagamento do aluguel ou de saída da empresa. A concentração da carteira em apenas um empreendimento ou único inquilino era muito comum nos primeiros lançamentos de fundos imobiliários. Mas isso tem mudado e hoje os gestores têm buscado diversificar o risco da carteira, pulverizando os investimentos em vários imóveis. A ampliação do portfólio, além de diversificar os riscos, tem mostrado um impacto positivo para a rentabilidade das carteiras imobiliárias. O fundo Rio Bravo Corporativo, por exemplo, apresentou uma valorização de 35% das cotas desde 2010 e acumulava ganho de 10% com a distribuição de rendimentos nos últimos 12 meses (ROSA, 2011).
O primeiro fundo imobiliário do Brasil foi lançado em 1996 e tinha como único locatário a empresa de call center de um grupo de telecomunicações. Entretanto, em 2010, a empresa iniciou a migração das operações para uma nova sede, devolvendo oito dos 25 andares do edifício, o que provocou uma queda temporária na rentabilidade do fundo, até que novos inquilinos fossem encontrados. O risco de fundos com um único inquilino depende, no entanto, da modalidade dos investimentos e que tipo de garantias são oferecidas para mitigar eventuais problemas. Em primeiro lugar é preciso avaliar o risco de crédito do locatário, qual o ramo de atividade da empresa e seu relacionamento com o mercado (ROSA, 2011).
Outra questão é a modalidade do investimento. Imóveis que são construídos sob medida para uma empresa ("built to suit"), geralmente envolvem contratos atípicos de locação de longo prazo, de no mínimo 20 anos. Esses contratos não estão sujeitos à lei do inquilinato, que prevê uma multa equivalente a três meses de aluguel, proporcionais ao tempo restante do contrato, em caso de inadimplência. No caso dos investimentos imobiliários na modalidade "built to suit", a saída do locatário implica no pagamento de uma indenização no valor equivalente ao prazo remanescente do contrato de locação. Se uma empresa encerra antecipadamente, por exemplo, um contrato de 20 anos, restando 10 anos para o vencimento, ela terá que pagar o valor integral do período remanescente (ROSA, 2011).
O desempenho médio dos fundos imobiliários em 2011 foi inferior ao do ano anterior, como já era esperado, em função da extraordinária valorização dos imóveis em 2010. A rentabilidade média da indústria no ano passado ficou em 11,63%, mais ou menos o mesmo que o CDI, contra valorização de 26,7% em 2010. Enquanto os três primeiros colocados daquele ano tiveram rentabilidade superior a 50%, em 2011 apenas o primeiro colocado conseguiu este resultado. Estiveram em alta os fundos passivos que investem em imóveis alugados pela Caixa e pelo Banco do Brasil, sendo os dois primeiros excelentes pagadores de aluguéis aos cotistas. A exceção ficou por conta do BC Fund, que faz a gestão ativa de um portfólio bastante diversificado. O desempenho dos fundos se deveu mais à valorização do valor da cota que ao aumento dos aluguéis - sinal de que os investidores buscaram a segurança dos bons inquilinos. O levantamento é resultante do acompanhamento realizado pela revista Exame de 25 fundos imobiliários com cotas negociadas em Bolsas, no qual a rentabilidade envolve a valorização da cota e o retorno com aluguéis (WILTGEN, 2012).
Aparentemente, existe um enorme potencial para a criação de fundos imobiliários específicos para empreendimentos agropecuários ou agroindustriais. Neste caso, um agente financeiro e um incorporador fariam a captação de recursos para a aquisição da terra para o empreendimento. O fundo seria proprietário do imóvel, que seria alugado para a empresa responsável pelas atividades agropecuárias e agroindustriais do empreendimento. Da mesma forma que ocorre com os fundos de imóveis urbanos, os cotistas seriam remunerados pelo aluguel e pela valorização da área.
Um exemplo de atividade agroindustrial que poderia ser objeto de um fundo imobiliário seria uma fábrica de produtos lácteos com produção pecuária integrada. Neste segmento, a produção industrial do leite tipo A caracteriza-se pela exigência legal de que a produção pecuária leiteira e o processamento industrial sejam conduzidos na mesma propriedade rural, como forma de minimizar os riscos de contaminação ou manejo inadequado durante o transporte para a planta industrial. Outra categoria de produtos que parece adequada a esta produção verticalizada seria a de produtos lácteos diferenciados, como queijos finos, ou com atributos especiais de processo, como o sistema de produção orgânica.
O ponto de partida para o empreendimento seria elaborar o projeto completo, envolvendo a produção pecuária e a planta industrial. Para a parte pecuária devem ser previstos os investimentos iniciais para a instalação de pastos, a aquisição do rebanho, estábulos, sala de ordenha, laboratórios de análise, tratores e equipamentos agrícolas, instalações para produção de silagem e barracões para guarda e manutenção de veículos. Para a parte industrial, deve-se estabelecer as categorias de produtos e capacidade e de produção inicial, assim como o cronograma de expansão no período considerado no projeto. Com esses parâmetros, deve ser realizada a análise financeira do projeto completo, com a estimativa dos indicadores básicos para avaliação de viabilidade financeira, como prazo de pay back e taxa interna de retorno.
Com base em um projeto com essas características considerado viável e atrativo para investidores, deve-se buscar os agentes financeiros especializados em fundos imobiliários para a montagem da engenharia financeira. A princípio, considera-se que o fundo deverá ter um único inquilino, a empresa responsável pela administração da unidade agroindustrial integrada. Outro aspecto relevante é que o conjunto de construções seria do tipo “built to suit”, visto que são específicas para a produção de lácteos. Com isso, seria necessário elaborar e celebrar um contrato de locação de longo prazo.
A rentabilidade esperada de um fundo imobiliário de laticínio a ser oferecida aos cotistas deverá considerar as características do mercado a ser atendido pelo locatário. Assim, quanto melhor for a atratividade e as perspectivas futuras do mercado atendido, maior a possibilidade de valorização das cotas e menor o risco de inadimplência do locatário, ou mesmo de sua saída da atividade. Como o mercado de produtos alimentícios apresenta grande concorrência nas categorias de produtos básicos, a escolha de segmentos que permitam a obtenção de preços premium podem ser mais atrativas para eventuais investidores.
Outra questão a ser considerada na montagem do fundo é a busca de cotistas qualificados que possam sustentar o fundo em seu lançamento. Espera-se que investidores institucionais, empresas ou pessoas físicas que tenham conhecimento e familiaridade sobre o mercado a ser atendido pelo locatário teriam maior propensão a aderir a este tipo de fundo. Além disso, seria desejável evitar uma pulverização excessiva na distribuição inicial das cotas, como forma de facilitar o controle e a prestação de contas na fase inicial do projeto.
A proposta apresentada neste artigo representa um primeiro passo para o início de um debate entre agentes do agronegócio e gestores de fundos imobiliários para a exploração das possibilidades deste mercado. Existem diversas lacunas a serem preenchidas para a configuração e consolidação do segmento de fundos imobiliários para o agronegócio, principalmente com relação às formas de avaliação dos riscos envolvidos. Por outro lado, trata-se da oportunidade de criar uma alternativa de financiamento do agronegócio que pode ser considerada inovadora e consistente com as tendências atuais no mercado financeiro brasileiro.
Referências
NOGUEIRA, A. C. L. A propriedade da terra no agronegócio. Boletim Informações FIPE, v. 355, p.3-5, 2011. Disponível em
MONTEIRO, L. Banco prepara seu 1º fundo imobiliário. Valor Econômico, D3, Jan. 2012. Disponível em
ROSA, Silvia. Concentração em um único inquilino eleva risco da carteira. Valor Econômico, 13 Dez. 2011. Disponível em
WILTGEN, J. Os melhores fundos imobiliários de 2011. Exame, Guia de Imóveis, 11 jan 2012. Disponível em
Antonio Carlos Lima Nogueira - Mestre em administração pela FEA-USP, presidente do ISDAS – Instituto de Sociedades em Desenvolvimento Auto Sustentável, e-mail: aclimano@gmail.com
Fonte: Antonio Carlos Lima Nogueira
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