Agricultura Familiar

Universitários vivenciam experiência da agricultura familiar

O interesse em conhecer práticas agrícolas sustentáveis tem motivado estudantes universitários de todo o país a conhecerem experiências exitosas desenvolvida no meio rural com base na agroecologia


Publicado em: 30/07/2013 às 09:00hs

Universitários vivenciam experiência da agricultura familiar

Um exemplo acontece na Universidade Federal Rural do Semi-Árido, com o Programa de Extensão Vivenciar e Construir Saberes. Ao todo, são 16 estudantes dos cursos de Agronomia, Medicina Veterinária, Zootecnia e Ecologia. Antes, os estudantes passam por formação com temas relacionados à agroecologia.

Para vivenciar a prática cotidiana no campo, nessa penúltima semana de julho, os estudantes da Ufersa passaram seis dias em assentamentos e comunidades rurais dos municípios de Pedra Grande, João Câmara, São Miguel do Gostoso, Apodi e Upanema. As famílias de agricultores hospedaram os universitários que acompanharam o dia a dia deles no campo. O programa é coordenado pelo professor Joaquim Pinheiro.

Além de atuar na lida diária, juntamente com os agricultores, os universitários colhem informações, aprendem com a prática e também repassam orientações para os pequenos produtores rurais num verdadeiro exercício de troca de saberes. São orientações sobre o cultivo de hortaliças e criação de pequenos animais tendo três focos principais: a agroecologia, a soberania alimentar e, a economia solidaria na agricultura familiar. Pela primeira vez a maioria dos estudantes convive com a realidade rural.

MATO GRANDE – Mesmo tendo percorrido mais de 300 km para chegar à região do Mato Grande, os oito universitários que vivenciaram a experiência em assentamentos e comunidades rurais localizadas nos municípios de João Câmara, Pedra Grande e São Miguel do Gostoso, afirmam que a vivência superou todas as expectativas. “Além do vínculo de amizade, o programa proporciona conhecer uma realidade que não vemos na sala de aula”, opinou Keyciane Isabela Fernandes, estudante de Agronomia.

O acadêmico Igor Mendonça, também de Agronomia, constatou que nem sempre a teoria apreendida na universidade se aplica a realidade da agricultura familiar. “Aprendemos muito sobre as tecnologias voltadas para as grandes produções agrícolas, quando é necessário analisar cada ambiente para aplicar as técnicas mais adequadas”, frisou. O estudante salientou ainda que com a vivência ele estará levando muitos questionamentos para serem debatido na universidade.

A relação dos agricultores e agricultoras com a natureza e o comprometimento de todos os membros da família com a produção foram às observações que mais chamaram a atenção do estudante de Agronomia, Guilherme Severo. “Na casa onde fiquei, todos os 5 membros da família são integrados de alguma forma na produção ou comercialização dos produtos”, observou. Os três universitários participaram da vivência no assentamento Canto da Ilha de Cima, localizado no município de São Miguel do Gostoso.

No assentamento Bonsucesso, localizado no município de Pedra Grande, mais três estudantes da Ufersa puderam conviver experiência com produtos agrícolas sem nenhum uso de fertilizantes químicos ou agrotóxicos. “A força de vontade dos assentados e o compromisso com a qualidade dos alimentos nos motivam”, afirmou Telma de Sousa, acadêmica de Medicina Veterinária. Telma, juntamente com as estudantes Luana Rodrigues, de Ecologia e, Sabrina Aiêcha, da Agronomia, entre outras atividades, ajudaram os assentados na construção de um viveiro para o cultivo de mudas.

Ainda no Mato Grande, na comunidade Matão de Jó, em João Câmara, as acadêmicas de Agronomia Paula Aline e Isadora Medeiros tiveram a oportunidade de conhecer de perto a importância do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), voltado para a construção de cisternas de 16 e 52 mil litros. “Estamos aqui não apenas para vivenciar, mas também para propor intervenções que venham melhorar a vida dos moradores”, opinou Isadora Medeiros. As universitárias participaram, inclusive, de entrevista na rádio do município onde abordaram a importância da produção agrícola orgânica para o desenvolvimento sustentável da região.

OFICINAS – Além de conhecer a realidade dos assentamentos e comunidades rurais, os universitários da Ufersa mobilizam os agricultores com oficinas educativas. “É uma forma de levar mais conhecimento sobre técnicas voltadas para a produção agroecológica, bem como de preservação ambiental”, explicou Igor Mendonça, que juntamente com Keyciane e Guilherme, ministraram uma oficina de silagem e fenagem, com as técnicas de armazenamento de alimentos para os animais no período da seca.

Na comunidade do Matão de Jó as estudantes optaram por ministrar oficina sobre compostagem que traz procedimentos voltados para a melhoria do solo. Já no assentamento Bonsucesso as oficinas foram direcionadas para a educação ambiental, a soberania alimentar e a economia solidaria.

Durante os seis dias da vivência, os estudantes realizaram ainda diversas reuniões com a população com a proposta de diagnosticar e discutir possíveis soluções para os problemas existentes nas comunidades. “A nossa proposta é participar da rotina dos agricultores, deixando algo em troca”, frisa Guilherme. O estudante assegura que a vivência também proporcionou outros desafios. “Vamos discutir as demandas apresentadas, no sentido de buscar alternativas para o manejo ecológico e a superação de algumas deficiências existentes”, pontuou.

PARCERIAS – A participação das universidades, bem como de outras entidades parceiras tem proporcionado o desenvolvimento e do aumento da produção orgânica. Os assentamentos e comunidades rurais que optaram pela produção sustentável já apresentam resultados positivos. “A transição da produção convencional para a agroecologia tem se configurado como alternativa mais viável para a produção familiar sustentável”, explica o coordenador do Programa Vivenciar e Construir Saberes, o professor da Ufersa Joaquim Pinheiro.

Para o professor, a pluriatividades, ou seja, outras atividades produtivas, não agrícolas, no âmbito dos assentamentos vêm contribuindo para o aumento da renda dos assentados. Um exemplo, a Associação de Mulheres da Agrovila II do Canto da Ilha de Cima, em São Miguel do Gostoso. Lá, 12 associadas produzem pelas íntimas numa pequena confecção.

“Receber os estudantes da universidade é mais uma prova que estamos trabalhando certo”, acredita Gilvan Barbosa, presidente da Associação dos assentados do Bonsucesso. Gil, como é mais conhecido, vê a organização produtiva como saída para a soberania alimentar dos assentados. Ele diz que o excedente da produção é comercializado na Feira Agroecológica de Pedra Grande. O assentamento destina também parte da sua produção para a cesta agroecológica do grupo consumo consciente, em Natal.

Os assentamentos e comunidades rurais do Mato Grande contam com o apoio e assessoria técnica da Rede Pardal, através da Cooperativa de Trabalho Multidisciplinar Potiguar, a TECHNE, que atualmente, entre outras atividades de assessoria, executa o programa de construção de cisternas, beneficiando produtores familiares orgânicos do Mato Grande com cisternas de 16 mil litros, para o armazenamento de água para beber e, de 52 mil litros, voltada para a produção agrícola.

Os próprios assentados reconhecem os avanços na melhoria da qualidade de vida decorrente da produção orgânica. “Dificuldades ainda temos, mas hoje tenho trabalho, moradia digna, alguma criação e posso ofertar produtos de qualidade”, justificou Clemetinho Ferreira, conhecido no assentamento Canto da Ilha de Cima por seu Tiquinho. Ele diz que cada assentado possui renda em torno de R$ 400,00, isso, sem levar em conta o consumo das famílias que não é contabilizado.

APODI – A experiência, apesar de curta, serve para enriquecer a formação dos universitários que observam, colocam em prática e avaliam as atividades desenvolvidas no meio rural. Para a maioria dos universitários a experiência tem proporcionado um primeiro contato com o campo. “Tem possibilitado conhecer experiências fora da cidade”, afirmou o estudante de Zootecnia, Alânio Barros, que vivencia o cotidiano da família da agricultora Rita Rosário da Costa, moradora do assentamento Sítio de Góes, na zona rural de Apodi.

Com 60 famílias, o assentamento existe há mais de 20 anos e pode ser considerado exemplo de prática agroecológica. As famílias vivem da agricultura de subsistência sem nenhum uso de agrotóxicos. Cada família tem seu lote individual, com casa e quintal, onde são produzidas hortaliças e árvores frutíferas das mais diversas espécies, podendo ainda produzir num lote comum a todos os moradores do assentamento. A área possui ainda uma reserva de prevenção ambiental.

Satisfeita com a presença dos estudantes, dona Rita Rosário não esconde a satisfação em receber a dupla de universitários. “Eles dizem que vieram aprender com agente, mas nós é que estamos aprendendo com eles”, opinou. Antes, de conquistar o direito a terra, a agricultura plantava de “meia”, dividindo a produção com grandes latifundiários. Ela diz que no Sítio do Góes “tudo que se planta dá”, exemplificando o cultivo de milho, feijão, melancia, jerimum, hortaliças, entre outras culturas, além da criação de pequenos animais.

Durante os cinco dias de vivência, os estudantes têm a oportunidade de observar os aspectos relacionados ao cotidiano dos agricultores, acompanhando o plantio, o cuidado com os animais, os recursos naturais e materiais disponíveis, entre outras atividades da vida doméstica. “A zona rural na região nordeste é muito abandonada em termos de políticas públicas. Valorizar o trabalho na agricultura é o nosso objetivo”, afirma o coordenador do projeto, professor Joaquim Pinheiro.

Ainda em Apodi, mas nos assentamentos de Nova Descoberta e Milagres, as estudantes Kalianne Aguiar, de Medicina Veterinária e, Janaína Nascimento, de Agronomia, nos dois primeiros dias da vivência já estavam “se sentido em casa”. “O carinho que eles têm com o campo acaba nos contagiando”, confessa Kaliane. Para a futura veterinária, a oportunidade é enriquecedora. “Essa experiência tem valor enorme na minha formação profissional”, avaliou.

Para a futura agrônoma, o projeto de extensão mostra também a ausência de profissionais no campo. “Observamos a não valorização dessa atividade quando as comunidades rurais precisam dos profissionais”, reconhece Janaína, acrescentando que a vivência enquanto atividade de extensão alia os conhecimentos obtidos em sala de aula, com a prática dos agricultores no campo. As estudantes apontam a falta de mobilização comunitária, aliada a falta de infraestrutura e de políticas públicas, como os principais problemas encontrados nas comunidades rurais.

“A vinda das estudantes incentivam os jovens da comunidade, tanto para o estudo, como na valorização dos recursos agrícolas que dispomos”, considerou a agricultura Suely Lira, que acolhe as universitárias da Ufersa. Com apenas três pés de cajarana, a agricultura já chegou a produzir de forma artesanal até cinco mil quilos de polpa da fruta por mês. Transformar de forma artesanal, com moinho manual, o milho em massa de cuscuz, bem como o beneficiamento urucum em colorau e, a produção de polpas de cajarana são algumas experiências vivenciadas pelas estudantes no Assentamento Nova Descoberta, em Apodi.

A vivência possibilita ainda aos universitários realizarem oficinas de formação e atividades práticas junto aos agricultores com a perspectiva agroecológica, além de discussão com a juventude sobre as possíveis contribuições desse segmento com suas comunidades. “A soberania alimentar, a comercialização solidária e a produção orgânica são eixos determinantes do projeto”, reforça o professor Joaquim Pinheiro. No retorno às aulas, os acadêmicos vão elaborar relatórios que serão apresentados no Seminário Narrativas das Vivencias, previsto para acontece nos dias 16 e 17 de agosto, na Ufersa Mossoró. O projeto de extensão conta com o apoio da Rede Pardal, que realiza articulação de entidades de assessoria agroecológica, na qual participam as Ongs: Terra Viva e Cooperviva.

UPANEMA – Um pouco mais de dois hectares e a consciência de que a agroecologia é a saída para a sobrevivência da agricultura familiar foram fatores preponderantes para a permanência da família Rocha nas terras herdadas dos pais e avós. Esse é o início da história do agricultor João Mariano, morador da Comunidade Piracicaba, no município de Upanema – RN.

No total, são 1.100 hectares que foram herdados para a viúva e nove irmãos. Os herdeiros optaram em permanecer no lugar e hoje garantem a sobrevivência de todos os integrantes, totalizando 22 famílias residindo na comunidade. O diferencial é que cada núcleo familiar é responsável por sua parte, mas todos cultivam a terra seguindo os princípios da agroecologia. “São 62 hectares divididos pelos nove irmãos, mais 500 hectares que pertence à matriarca da família”, explicou João Mariano. O diferencial mais importante é que os produtos cultivados não recebem nenhum tipo de fertilizantes químicos, nem agrotóxicos.

Para conhecer essa experiência bem tradicional da agricultura familiar, dois estudantes de agronomia da Universidade Federal Rural do Semi-Árido passaram essa última semana vivenciando a realidade da comunidade. Na ocasião, André Victor Sales Passos e Ítala Tavares Guimaraes, integrantes do Projeto de Extensão Vivenciar e Construir Saberes, observaram de perto o modo de produção, a comercialização e os cuidados que os agricultores têm ao lidar com a terra.

A diversidade na produção, a rotatividade de culturas e a não utilização máquinas pesadas são alguns fatores que caracterizam a agroecologia colocados em prática na propriedade. Além da integração da produção vegetal e animal. “Observamos que o policultivo, com a integração da criação animal, torna-se uma opção viável para os pequenos agricultores familiares”, afirma o estudante que está convicto sobre a importância da agricultura orgânica para a sobrevivência daqueles que tiram o sustento com o trabalho na terra.

HISTÓRICO – Antes de se tornar um centro de produção orgânica, a Comunidade Piracicaba, até os meados da década de 90, tenha como carro chefe a produção de algodão. “Meu pai chegou a tirar mais de mil quilos”, revelou um dos herdeiros Gil Rocha, garantindo que mesmo na época do “ouro branco”, o agrotóxico não era utilizado na propriedade.

João Mariano, que é cunhado de Gil, revela que chegou a trabalhar com a agricultura convencional, tendo sido empregado numa fazenda de melão. “Desse tempo, não sinto nenhuma saudade”, revelou o agricultor, acrescentado que na propriedade dele tudo é aproveitado. A sobra dos vegetais vai para os animais que por sua vez volta à natureza em forma de composto. Além das plantações de hortaliças e árvores frutíferas e nativas, os agricultores criam caprinos e ovinos, galinhas e abelhas. Parte da produção é comercializada na Feira Agroecológica de Upanema. Só com o coentro a média é de 1 mil pés por semana, além da batata, macaxeira, cenoura, mamão, acerola, entre outros produtos como doces caseiros, ovos, galinha caipira e carne de criação.

SUSTENTABILIDADE – “Essa realidade comprova a viabilidade da agricultura orgânica”, opinou a futura agrônoma Ítala Tavares, adiantando que a troca de conhecimento torna a experiência muito rica na sua formação profissional. A reciprocidade é a mesma por parte dos agricultores que acolhem os estudantes da Ufersa. “A vinda dos universitários é muito importante, aprendemos e ensinamos também”, afirmou Ranilson Nunes da Rocha, que hospeda André Victor.

Nos cinco dias da vivência em Piracicaba, os estudantes puderam acompanhar os agricultores em várias atividades no trabalho com a agricultura, inclusive, na apicultura. A comunidade possui mais de 200 colmeias espalhadas pela propriedade e já chegou a produzir até 7 mil litros de mel. “Esse ano, a produção caiu em virtude da seca”, explicou João Mariano. A propriedade é a única de Upanema a possuir certificação de produção orgânica, expedido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

André enfatiza que o estágio de vivência possibilitou com a prática fortalecer a ideia de soberania e segurança alimentar a partir do consórcio de várias culturas. “Aqui comprovamos que cultivar apenas uma cultura não garante a sobrevivência dos agricultores familiares”, revelou. O professor Joaquim Pinheiro, coordenador do Programa Vivenciar e Construir Saberes, complementa afirmando que dentro da concepção orgânica a lógica não é a produção de mercadorias, “eles produzem alimentos num resgate a cultura camponesa”, destacou. Para ser ter uma ideia da diversificação de produção a maior parte do que é consumido pelas famílias são produzidas na propriedade. Basicamente, o que é adquirido fora é o café, o óleo, o açúcar, o sal, o arroz e o macarrão, outra característica da soberania alimentar. “Observamos aqui o autoconsumo com o diferencial de qualidade”, ressaltou André Victor.

A existência de um poço, construído com recursos provenientes da comercialização do mel de abelha italiana, garante que parte da propriedade seja irrigada. Outra vantagem é que os agricultores contam com o apoio técnico da Cooperativa Sertão Verde e do Programa Dom Helder Câmara, entidades que integram a Rede Pardal.

Fonte: Assessoria de Imprensa da UFERSA

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