Publicado em: 09/09/2014 às 12:40hs
Além de ser conhecida como matéria- prima para a produção de etanol e açúcar e um dos principais produtos agrícolas brasileiros, a cana-de-açúcar é responsável também por movimentar outros setores econômicos, culturais e turísticos do Brasil. Isso porque é a partir dessa cultura que é feito um dos produtos artesanais mais tradicionais do País: a cachaça. Atualmente, são 40 mil produtores espalhados pelo País, sendo que 98% são pequenos e micro-empresários, que contribuem para a criação de 600 mil empregos diretos e indiretos, R$ 7 bilhões de movimento anual na cadeia produtiva e de 2 bilhões de litros por ano, com mais de 4 mil marcas diferentes, de acordo com informações do Centro Brasileiro de Referência da Cachaça (CBRC). Segundo maior produtor de cana-de-açúcar, Goiás tem tudo para ocupar umas das primeiras posições no ranking da produção de cachaça no Brasil. Entretanto, ainda não é essa a realidade, já que são mil produtores, responsáveis por 2,5% da produção nacional de cachaça. A maioria está no Entorno do Distrito Federal e nos municípios da região da Estrada de Ferro. Mas o setor econômico vem construindo e conquistando seu espaço nos últimos anos no cenário nacional, com incentivos de instituições como o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural do Estado de Goiás (Senar Goiás), que oferecem cursos de qualificação profissional, e do governo estadual, que criou o Arranjo Produtivo Local (APL) da Cachaça Goiana e programas como o Pró-Cachaça.
O objetivo dessas iniciativas é de reinventar a cachaça goiana, oferecendo ferramentas, mecanismos e oportunidades para que os produtores locais possam se capacitar e oferecer um produto de qualidade, modernizar as técnicas de produção no campo e nas empresas, além de favorecer a comercialização e a exportação do produto “made in Goiás”.
Quem tem buscado inovar no mercado goiano e nacional para ampliar a distribuição de sua marca é o casal José Afonso Maiochi e Isabela Lopes de Moraes. Responsáveis pela Cachaçaria Vale das Águas Quentes, os dois conseguiram consolidar a cachaça como um dos atrativos turísticos de Caldas Novas e incentivar o setor comercial na região. Ele, técnico mecânico e engenheiro ambiental, e ela, técnica em contabilidade, iniciaram nessa atividade em 1995, oferecendo no mercado quatro tipos diferentes de cachaça, 11 de licores, sorvetes de creme com rapadura, melado, entre outros. Mas por estarem em um dos principais pontos turísticos do Estado – Caldas Novas, que recebe mais de 500 mil turistas por ano -, os empreendedores passaram a investir em produtos regionais, aproveitando o que o cenário local pode oferecer. Após verificarem o interesse do turista pelas frutas características da região Centro-Oeste, pesquisaram sobre o assunto e inovaram no uso desses itens junto com a cachaça. “Dessa forma, a gente valoriza a nossa cultura e estimulamos a economia, pois para abastecer esse público é necessário também terceirizar parte da produção”, revela Isabela. A maioria dos itens do cardápio da Vale das Águas Quentes é produzida em estrutura própria da empresa, com área total construída de aproximadamente 1 mil metros quadrados. O local possui alambique, onde é fabricada a cachaça, adega de envelhecimento, enchedora, fábrica de licores, doces e sorvete. São 200 tonéis de 200 litros e mais dois de 10 mil litros cada para ‘curtir’ a cachaça. Já os produtos são comercializados na loja, localizada na cidade de Caldas Novas. O consumidor tem a opção de escolher quatro tipos – Barril 12, Sênior, Ouro e Prata. Cerca de 60 mil litros de cachaça são produzidos por ano. “Acreditamos no potencial do nosso Estado, por isso investimos cada vez mais para crescer e ampliar o mercado local, incentivando outros setores que fazem parte da cadeia produtiva”, acrescenta.
Capacitar para inovar
Um dos meios mais eficazes para melhorar o rendimento e a produtividade de produtores, além de garantir retorno financeiro à atividade, é por meio da
inovação no campo. É transformar o negócio em algo criativo, que possa oferecer diferenciais que tenham destaque no mercado – hoje tão competitivo. O cenário produtivo da cachaça em Goiás é bastante promissor, por ser o Estado considerado um centro consumidor, além da possibilidade de agregação de valor ao produto e exportação. Para isso, os atuais produtores e os potenciais donos de alambiques precisam de capacitação técnica e de gestão administrativa da propriedade e da produção. A certificação da qualidade culmina na comercialização e na rentabilidade garantida.
Para o Senar Goiás, uma das formas de se reinventar na atividade é pela qualificação profissional frequente. Por esse motivo, a instituição tem desenvolvido a educação profissional e a promoção social das pessoas do meio rural, com o intuito de contribuir para a melhoria da qualidade de vida no agronegócio. “Através de cursos de capacitação atuamos efetivamente para o aumento da renda, bem como na integração e ascensão social das pessoas a partir dos princípios da sustentabilidade, produtividade e cidadania, colaborando também para o desenvolvimento socioeconômico de Goiás”, destaca o coordenador técnico em Agronomia do Senar Goiás, Leonnardo Cruvinel Furquim.
Hoje, a instituição oferece aos produtores e trabalhadores rurais treinamento de fabricação de cachaça, com aperfeiçoamento e carga horária de 32 horas. Durante o curso, os participantes recebem noções e práticas de planejamento para a produção da cachaça, histórico da fabricação, identificação dos equipamentos de preparação, cultivares de cana para a produção, preservação do meio ambiente, segurança do trabalho, controle de qualidade e higiene, corte, colheita, transporte, armazenamento e moagem, entre outros.
De acordo com Leonnardo, em cada curso, em média, se inscrevem 16 produtores ou trabalhadores. Em 2014, até o momento, já foram atendidos 98 pessoas. Desde a criação do curso em Goiás, em novembro de 2012, o treinamento já capacitou 986 pessoas, sendo que a maioria é de produtores interessados na qualificação para produção comercial de qualidade e economicamente viável. As principais regiões que demandam treinamentos na área de produção de cachaça são Orizona, Caldas Novas, Mineiros, Montes Claros de Goiás, Morrinhos e Novo Gama.
O coordenador do Senar Goiás explica que a fabricação de cachaça em Goiás ganha destaque porque ocorre seguindo basicamente os mesmos processos da fabricação do etanol combustível – já em plena expansão no Estado -, com diferenças nas etapas a partir de destilação. “A cana colhida é levada para a moenda para a extração do caldo, que é filtrado e vai para a dorna de decantação com o objetivo de separar impurezas, como bagacilhos, terra e areia. No caso do treinamento, o participante fica responsável pelos materiais instrucionais para a realização das práticas. Todos os equipamentos e matérias-primas utilizadas são de responsabilidade do Senar, dos instrutores e do parceiro local, como Sindicatos dos Produtores e/ou dos Trabalhadores Rurais na maioria dos casos”, reforça. Para alcançar melhor rendimento nos treinamentos e cursos, Leonnardo informa que a maioria dos participantes aproveita para tirar dúvidas sobre a produção e o setor. Ele acrescenta que os inscritos sempre estão interessados na compreensão do processo produtivo e dos parâmetros de qualidade. “Essa qualidade da aguardente de cana-de-açúcar está relacionada às suas propriedades sensoriais, tais como cor, sabor e odor, que são dependentes da qualidade da matéria-prima, do mosto e do fermento utilizados, das condições e do tempo de fermentação, do sistema de destilação, do material de fabricação dos equipamentos e dos processos de envelhecimento e de engarrafamento. Também é utilizado, como padrão de qualidade para a cachaça, o coeficiente de congêneres, chamados de compostos secundários, que representa a soma da acidez volátil, aldeídos, ésteres totais, álcoois superiores e furfural/hidrometilfurfural, além de outros aspectos, como o teor alcoólico. Essas orientações são todas repassadas aos participantes”, relata.
Quando se trata do perfil dos inscritos, Leonnardo revela que é heterogêneo, com produtores agropecuários interessados em diversificar a produção e as fontes de renda. De acordo com ele, isso mostra a criatividade em buscar a inovação e não ficar preso à zona de conforto. Pesquisadores da Universidade Federal de Goiás identificaram que, em Orizona (GO), por exemplo, a cachaça é a principal atividade em 42,9% das propriedades. Entre as outras atividades desenvolvidas nas propriedades visitadas destacam-se a pecuária de leite (38,1%), a pecuária mista de leite e corte (19%) e o milho (14,3%). “Somente 9,5% dos produtores têm, como única fonte de renda, a produção de cachaça”, acrescenta o técnico.
APL da Cachaça Goiana
Ao implementar um APL a proposta é que, por meio de uma ação organizada e planejada de um setor em um determinado território, sejam fortalecidas suas redes de relacionamento e de experiências, gerando resultados positivos aos envolvidos. Esse estreitamento de relações acaba por gerar inovações significativas, alavancando também a região. No caso da cachaça goiana, o que motivou o Governo de Goiás, por meio da Secretaria de Indústria e Comércio (SIC) foram fatores como o reconhecimento da cachaça pelos Estados Unidos, que valorizou o produto como genuinamente brasileiro; a realização da Copa do Mundo no Brasil neste ano; a escolha da cachaça como bebida oficial nos eventos oficiais do governo na Copa do Mundo; além de algumas premiações internacionais alcançadas pelas cachaças goianas. Os primeiros passos para a criação do APL da Cachaça Goiana se deram em janeiro de 2012, após visitas técnicas e a identificação, por meio de pesquisa, da alta informalidade (92%), alta carga tributária (83%), clandestinidade e falsificações. A aprovação do Arranjo Produtivo Local e do programa Pró-Cachaça contribuíram para que as unidades de produção passassem a ser fiscalizadas e registradas, sendo feito um incentivo à comercialização e à exportação da cachaça de Goiás. A produção saltou de 500 mil litros por ano para 2.500 milhões por safra/ano, de acordo com dados do Programa Pró-Cachaça. O produto começou também a ser mais visto no mercado nacional e internacional, por meio da participação em feiras e eventos.
Outro resultado para o setor é que foi autorizada neste ano a aquisição de máquinas e equipamentos para montar laboratório que beneficiará produtores da cachaça artesanal de alambique. O laboratório, que está em processo de licitação, será instalado na cidade de Anápolis, no Instituto Tecnológico de Goiás (ex-Centro de Educação Profissional). A Sectec já conta com estrutura física e com profissionais capacitados para o desenvolvimento do trabalho. Inicialmente, cerca de 2 mil microempresários no Estado poderão ser contemplados com a implantação do laboratório que terá o papel de realizar análises das características físico-químicas da cachaça produzida em Goiás. O valor do investimento é de R$ 757.986,00. De acordo com o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação (Sectec), Mauro Faiad, com o investimento o governo viabiliza melhores condições para o aumento da renda dos microempresários deste setor. Nos últimos anos, grande parte da cachaça produzida em Goiás tem sido vendida sem marca para Minas Gerais e Distrito Federal. Lá, o produto é engarrafado, rotulado e vendido novamente para o mercado goiano com preços até três vezes superiores. O objetivo do governo é fazer com que este lucro fique com o produtor goiano.
Economia criativa para estimular o segmento
A cachaça é um dos produtos brasileiros mais conhecidos, dentro e fora de nosso país. É um segmento que pode ser beneficiar constantemente da relação entre economia criativa, cultura e negócios. Quem defende isso é o superintendente executivo da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), Décio Coutinho. Segundo ele, essa relação pode se dar de diversas formas: na certificação de origem e de procedência, agregando valor territorial e cultural; no design de embalagens e rótulos que possam traduzir elementos regionais e globais; na narrativa do processo produtivo e histórico da cachaça, ampliando a percepção do consumidor e sua experiência de consumo; no próprio processo de comercialização e degustação, valorizando seus aspectos simbólicos e culturais, sua estética, aroma, cor, paladar, entre tantas outras possibilidades. Décio acrescenta que o produtor de qualquer setor deve estar sempre antenado com o ambiente em que atua e com as demais mudanças que sempre acontecem, geradoras de inúmeras oportunidades. “A cachaça é um símbolo nacional que está sempre sob forte concorrência de novos entrantes ou dos já existentes.
Uma das formas mais interessantes de se reinventar é trabalhar de forma cooperativa e colaborativa, ampliar seu leque de parceiros e de produtos e serviços prestados, ter a mente aberta e a compreensão clara de sua posição e das suas especificidades que podem diferenciá-lo no mercado onde atua. A economia criativa pode e deve gerar influência em outros setores não essencialmente culturais, criando novos desdobramentos e benefícios para ambos segmentos”, orienta.
Economia criativa. O que é?
Segundo o Ministério da Cultura, economia criativa contempla as dinâmicas culturais, sociais e econômicas construídas a partir do ciclo de criação, produção, distribuição/circulação/difusão e consumo/fruição de bens e serviços oriundos dos setores criativos, cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo gerador de valor simbólico, elemento central da formação do preço, e que resulta em produção de riqueza cultural e econômica.
Fonte: Canal-Jornal da Bioenergia
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