Gestão

BRF: A receita que vem de fora

De operações internacionais a acordos comerciais, o que há em comum entre as empresas que lideram o ranking das grandes exportadoras do sul


Publicado em: 03/07/2014 às 17:10hs

BRF: A receita que vem de fora

A Brasil Foods não é mais a mesma. Maior exportadora do sul do país, a companhia vem passando por profundas transformações sob o comando do empresário Abilio Diniz (foto), atual presidente do conselho de administração. Descrito como um sujeito ambicioso e competitivo, Diniz não hesitou em deixar sua marca. Quase todos os executivos, incluindo o ex-presidente José Antônio do Prado Fay, foram substituídos. Tudo para“arrumar a casa”, como chegou a justificar durante uma conferência com investidores e analistas de mercado no final de 2013, ao término de mais um trimestre decepcionante – com lucros 60% menores do que os do quarto trimestre de 2012. “A companhia precisava receber um choque de rejuvenescimento, e foi isso que procuramos fazer: colocar as pessoas certasnos lugares certos e reorganizar nossos processos”, afirmou Diniz, de 77 anos. Nos primeiros 100 dias de sua gestão, Diniz montou uma equipe de 70 a 80 executivos para pensar em um projeto de reestruturação – ou, nas suas palavras, para “desentortar” a empresa. Um dos focos era tornar a BRF uma empresa mais comercial e menos industrial. “Antes de Abilio Diniz assumir a presidência do conselho, a BRF era conhecida por seu foco na produção. A meta da nova gestão é mudar esse foco para o mercado, com uma internacionalização cada vez mais forte”, analisa Sandra Peres, analista-chefe da corretora de investimentos Coinvalores. Para dar vida à estratégia, foi instituído um novo cargo, o de presidente executivo internacional, ocupado por Pedro Faria, da agência de investimentos Tarpon, que patrocinou a ida de Abilio ao conselho.

Com a casa arrumada, a BRF entra em 2014 com um foco na expansão de suas operações no exterior – um sinal claro de que deve manter a liderança no ranking dos maiores exportadores do sul. E isso pode levá-la a um retorno às suas raízes – um processo conhecido como reverse takeover. Os executivos remanescentes da Sadia já foram todos embora, mas a BRF vive uma reaproximação com a velha marca, em um processo que já recebeu até nome: “sadização”. “No mercado internacional, a BRF é líder com a marca Sadia em diversas categorias em países do Oriente Médio. A marca tem também grandeforça em países da África”, explica Augusto Ribeiro, vice-presidente de finanças e relações com Investidores da BRF.

A BRF surgiu para desvincular as operações da Sadia e da Perdigão. O reconhecimento internacional da Sadia, no entanto, pode encurtar o caminho do conglomerado para atingir e preservar a liderança das vendas em mercados externos. Nos últimos anos, além da ampliação da equipe de vendas em diversos países, a BRF criou um departamento regional de marketing – que, em 2013, desenvolveu várias campanhas focadas na marca Sadia. “Em Dubai e em outros países árabes, o frango é conhecido pela palavra “sadia”. O foco de internacionalização, por isso, vai ser o fortalecimento da Sadia lá fora”, projeta Sandra, da Coinvalores. “O Brasil já não cresce como antigamente, a inflação compromete a renda da população. A BRF está focando em mercados com maior potencial de crescimento e, no próximo trimestre, deve apresentar resultados mais robustos”, aposta ela. Mesmo com resultados fracos no segundo semestre – em função, principalmente, dos custos operacionais resultantes da reestruturação –, a BRF encerrou 2013 com um crescimento moderado: alta de 7% na receita líquida em relação ao ano anterior. Menos mal que o lucro líquido da empresa atingiu R$ 1,1 bilhão, um acréscimo de 38% em relação ao ano anterior, com um crescimento da margem líquida de 2,7% para 3,5%. O mercado externo absorveu 43,8% das vendas. Foram exportadas, ao todo, 2,5 milhões de toneladas, com um crescimento de 1,5% em relação ao ano anterior. No acumulado do ano, houve melhora tanto em relação ao volume de exportação (19,5%) quanto ao faturamento em dólares (13,6%). Esses números fizeram da companhia catarinense a primeira colocada no ranking das maiores exportadoras do sul (clique aqui para acessar a lista completa).

Para 2014, a grande novidade é a fábrica em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, a primeira construída pela BRF fora do Brasil. “É um dos principais pilares da estratégia de investir em produtos processados, com marca forte, maior valor agregado e rentabilidade, em mercados em franca expansão, como Oriente Médio, norte da África e sudeste da Ásia”, destacou Abilio Diniz em um comunicado aos acionistas. “A BRF quer passar de companhia exportadora a produtora global. Essa transformação deve ser feita, principalmente, com aquisições. Trabalhar a internacionalização será muito positivo para a BRF, pois a empresa irá se desenvolver mais ainda e vai colher experiências de fora para dentro”, diz Augusto Ribeiro. Ele admite que a BRF vem passando por mudanças importantes. Mas se mostra otimista com os contornos que ela começa a tomar – de uma companhia globalizada não só nas vendas, mas também nas operações. “Nosso objetivo é atuar com profundo conhecimento dos consumidores e clientes locais nos mercados definidos como estratégicos, ao mesmo tempo em que replicamos nesses mercados os pilares do modelo de atuação da BRF”, diz Ribeiro.

Cooperativas ganham espaço

No lastro da BRF, outras empresas do ramo de alimentos vêm buscando espaço no mercado externo. O conjunto das exportações da Cooperativa Central Aurora Alimentos cresceu 46,7% e atingiu R$ 1,5 bilhão em 2013. Ásia, Japão, África, Europa e Oriente Médio foram responsáveis por três quartos das vendas. E o grande vetor do crescimento foi a carne de frango, cuja receita se expandiu em mais de 60%. “Ampliamos nosso foco em proteína de frango, com a integração de fábricas à empresa por meio de compra ou locação. O Brasil é um grande exportador de aves, e nós queremos ampliar nossa fatia nesse mercado”, explica Leomar Somensi, diretor comercial da Aurora. Agora, a cooperativa aposta no crescimento dos suínos para continuar galgando postos no exterior. Em julho do ano passado, aconteceu o primeiro embarque de carne suína in natura para o Japão. A novidade foi comemorada pelas empresas do setor. Não é por menos: o Japão é o maior mercado consumidor de suínos do mundo. Logo, a abertura amplia consideravelmente o potencial de exportação das companhias brasileiras. “Nossa expectativa em relação ao Japão é muito grande. Podemos esperar um crescimento expressivo para esse mercado, já que a base ainda é pequena”, analisa Somensi. A contribuição das vendas externas na composição da receita operacional bruta total da Aurora no ano passado (R$ 5,7 bilhões) foi de 18,6%. Para os próximos anos, a meta é ampliar essa fatia para algo entre 25% e 30%. “Nosso grande foco para 2014 é consolidar o processo de ampliação que começou no ano passado. Com isso, projetamos uma receita de R$ 6,5 bilhões até o final do ano, um crescimento de aproximadamente 15% em relação a 2013”, detalha Somensi.

Outra grande cooperativa brasileira, a Coamo (foto), vem aproveitando o embalo das commodities para crescer no exterior. Maior cooperativa agrícola da América Latina, a organização de Campo Mourão (PR) somou, em 2013, 3,5 milhões de toneladas de grãos embarcadas para o exterior, num valor total de US$ 1,2 bilhão. A China desponta como a principal compradora de soja. Já o farelo de soja tem como principal destino a Europa, enquanto o milho é preferência de países do Oriente Médio e da África. O ritmo de crescimento segue forte: em 2012, a expansão da empresa chegou perto dos 20%, com um faturamento de R$ 7,1 bilhões. No ano passado, emplacou mais 11,2%, com vendas de mais de R$ 8 bilhões. Uma das explicações para o sucesso do sistema cooperativista pode ser encontrado na maior participação dos cooperados nos lucros, o que aumenta seu comprometimento com a eficiência das operações. Somente em 2013, as sobras (lucros) da Coamo chegaram a R$ 519,7 milhões. O valor, 15% superior ao de 2012, foi distribuído entre os mais de 26 mil cooperados. “O cooperativismo funciona muito bem, e cada vez mais os produtores estão sendo conscientizados da validade do sistema, que dá um bom suporte econômico por meio do crédito, além de auxílio técnico, armazenagem, industrialização, comercialização e exportação”, garante José Aroldo Galassini, diretor-presidente da Coamo.

Desindustrialização, onde?

Nos últimos anos, o número de vozes que entoam a crítica à desindustrialização e à falta de competitividade da economia brasileira aumentou consideravelmente. E há razões para isso: as commodities já dominam a pauta de exportações brasileira; o saldo comercial dos produtos industrializados vem apresentando déficits cada vez mais elevados – só em 2013, passou de US$ 100 bilhões; e o Brasil ocupa uma posição pífia entre os países com melhor ambiente de negócios – no ranking Doing Business de 2012, o país aparece como o 130º colocado, uma queda de duas posições em relação a 2011. Como base de comparação, a África do Sul é a 39ª colocada e o Peru, o 43º. Já no Global Competitiveness Report de 2012/2013, o Brasil está em 48º lugar em um ranking de 144 países. O problema é que, nos 12 pilares de competitividade do último relatório, aparece no primeiro quartil apenas nos quesitos “tamanho de mercado” e “sofisticação dos negócios”. Mas há quem contrarie esse ciclo de pessimismo. A Weg (foto), tradicional fabricante de motores elétricos, geradores e transformadores, aparece na nona colocação na lista das 25 empresas brasileiras com maior presença global, elaborada pela revista América Economia. Logo atrás, justamente, da BRF. Vencer essas barreiras exigiu um misto de produção em escala e integração entre as áreas de produção. “Assim como outras indústrias, também sofremos com os gargalos logísticos, a legislação trabalhista ultrapassada e a alta carga de impostos. É difícil ser competitivo arcando com custos que os concorrentes de fora não têm. Mas procuramos contornar isso com ganhos de produtividade”, explica Luis Gustavo Lopes Iensen, diretor corporativo internacional da Weg. Segundo ele, a empresa faz questão de ter suas próprias fundições e verticalizar ao máximo a produção – fabricando até mesmo os fios de cobre que utilizam. “Não somos uma simples montadora: processamos as matérias-primas. Isso explica o número relativamente elevado de funcionários em relação ao nosso faturamento”, explica. Além de ter maior controle sobre os custos da produção, a Weg ganha flexibilidade nos prazos de entrega e, consequentemente, mais competitividade. Ainda que esteja em 13° lugar no ranking dos maiores exportadores do sul, com US$ 740 milhões exportados em 2013, seu faturamento vai além do que é produzido nas 15 plantas industriais no país. Há outras 11 fábricas espalhadas pelos cinco continentes, que produzem de tintas e vernizes a motores elétricos, transformadores, painéis e geradores.

O valor da diversificação

Foi a diversificação de produtos que levou a Weg a uma conquista inédita em 2012: pela primeira vez, as vendas no mercado externo (51% do total) foram maiores do que as do mercado doméstico. Em 2013, o mercado interno equilibrou a balança, com 50% para cada lado. “O ano passado, nossas vendas se mantiveram estáveis, pois houve uma leve retração no mercado internacional. Tivemos um crescimento relativamente bom na área de bens de consumo, mas não na área industrial”, diz Iensen. As aplicações para a indústria são responsáveis pela maior parte das vendas da Weg no exterior, o que explica a leve retração de 1,7% nas exportações em 2013. “Nosso core business na Europa são os motores elétricos para aplicação na indústria. Esse é o carro-chefe das nossas vendas no exterior”, garante Iensen. Já no Brasil, há uma linha residencial, que inclui, por exemplo, bombas e motores para piscinas. Mas a entrada da Weg nesse mercado ainda é pequena fora do país, admite Iensen. O objetivo da empresa, agora, é atingir os R$ 20 bilhões de faturamento em 2020 – em 2013, a empresa fechou com R$ 6,8 bilhões. Traçada em 2011, a meta representa quatro vezes o faturamento da empresa na época. “Há um crescimento orgânico e um planejamento de aquisições e fusões. Temos mapeadas as oportunidades de cada área de negócios no Brasil e no exterior”, afirma Iensen. Para isso, diz ele, a Weg desenvolve seus produtos de olho nas tendências globais de consumo e conta, ainda, com uma área de certificações que aprova (ou não) os produtos de acordo com as normas das entidades reguladoras internacionais e características de cada mercado. “É esse cumprimento dos mais exigentes padrões internacionais que nos coloca como um dos maiores players de motores elétricos do mundo, à altura de qualquer concorrente internacional”, orgulha-se Iensen.

Carros para o mundo

O setor automotivo também vem buscando reverter as tendências negativas da participação da indústria na balança comercial brasileira. No sul, quem desponta nesse sentido é a Renault. O Brasil já é o segundo maior mercado da montadora, atrás apenas da França – o que não é nada desprezível para uma marca presente em 128 países. As três fábricas do Complexo Ayrton Senna, em São José dos Pinhais (PR), receberam em 2013 um investimento de R$ 500 milhões, suficientes para ampliar a capacidade de produção de 280 mil para 380 mil carros por ano. Mas a prioridade não é exatamente exportar. A ideia é abocanhar uma fatia maior de um mercado que continua em expansão: o interno. “Hoje, temos 6,6% do mercado brasileiro de veículos. A ideia é chegar a 8% em 2016. Há espaço para isso, principalmente se analisarmos a proporção de automóveis por habitantes”, explica Caique Ferreira, diretor de comunicação da Renault. No Brasil, diz ele, há apenas um automóvel para cada sete habitantes, em média. Já nos Estados Unidos, a proporção é de um veículo para cada dois habitantes. A Renault é tanto a maior exportadora quanto a maior importadora entre as montadoras do sul do país. Esse volume de comércio externo não vem, necessariamente, da insuficiência de atendimento da demanda do mercado. É uma decisão estratégica da empresa: a produção do Clio ocorre na Argentina, enquanto modelos como Duster, Logan e Sandero, de grande demanda no Brasil, são fabricados no Paraná. Essa espécie de rodízio global, é claro, aumenta o volume comercializado pela empresa com diferentes países – especialmente com a própria Argentina. Dos 63 mil carros que a Renault exportou em 2013, cerca de 50 mil (ou quase 80%) foram enviados para a Argentina, diz Caique.

A Renault não está sozinha nesse modelo de produção. Hoje, a Argentina representa aproximadamente três quartos das exportações brasileiras de veículos. Isso ocorre porque as montadoras fazem questão de manter uma matriz de produção capaz de aproximar os dois mercados. “Temos um acordo de integração produtiva com a Argentina. A produção deles depende de peças brasileiras, assim como o Brasil também depende das peças argentinas. Há também vários modelos brasileiros produzidos na Argentina, e vice-versa. Os dois mercados são interdependentes”, diz Luiz Moan Yabiku Junior, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

O crescimento da produção do setor automotivo, aliás, também contraria os rumores de uma desindustrialização. O setor nunca produziu tanto. Em 2013, foram 3,7 milhões de unidades, o que representou um crescimento de 9,9% em relação a 2012 – e um recorde histórico para o setor. Já as exportações fecharam em 563 mil unidades em 2013. Até o final da década, a meta da Anfavea é praticamente dobrar as vendas externas, com cerca de 1 milhão de unidades enviadas para o exterior todos os anos. Para isso, o país já conta com investimentos de peso anunciados pelas montadoras: a BMW já está se instalando em Santa Catarina, enquanto Mercedes-Benz e Land Rover anunciaram novas plantas nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente. No total, os investimentos chegam a quase R$ 2 bilhões. “O Brasil é o quarto maior mercado automotivo do mundo, mas apenas o sétimo maior produtor.

Precisamos subir no ranking da produção”, atenta Moan, que também é diretor institucional da General Motors no Brasil. Ele diz não ter dúvidas de que as montadoras brasileiras ainda vão se tornar grandes exportadoras de produtos de alto valor agregado. “Temos grau de competitividade e tecnologia para exportar para qualquer lugar do mundo”, afirma. Espera-se que o setor automotivo não se torne uma ilustre exceção.

Fonte: Amanhã

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