Publicado em: 24/05/2021 às 19:40hs
Embora Bolsonaro faça seguidos acenos a um dos grupos de maior peso em sua base de apoiadores, o presidente não tem espaço no Orçamento para subsidiar a aquisição do combustível, e até mesmo o projeto que enviou para mexer na cobrança de ICMS sobre o diesel está parado na Câmara.
Bolsonaro já responsabilizou diversas vezes os governadores pelo preço elevado dos combustíveis e aponta como problema as alíquotas de ICMS, o principal imposto estadual. Os secretários estaduais de Fazenda, por sua vez, rebatem jogando a conta na política de preços da Petrobrás, que acompanha os preços internacionais do petróleo e reage também ao dólar mais caro ou mais barato.
O próprio presidente já entrou em rota de colisão com a Petrobrás e, em fevereiro, acabou demitindo Roberto Castello Branco, que até então comandava a companhia. Ele foi substituído pelo general Joaquim Silva e Luna, mas a mudança não indicou publicamente nenhuma alteração na política de preços da empresa - que, há três semanas, até reduziu valores na esteira do alívio no preço do dólar.
Uma semana antes de demitir o executivo durante uma live para apoiadores, Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto que altera a cobrança do ICMS sobre combustíveis. Desde então, no entanto, a proposta pouco andou e o próprio governo deixou de tratar o tema como prioridade.
Em 30 de março, Bolsonaro enviou ofício para cancelar a urgência do texto. Apesar disso, o relator, deputado Júlio César (PSD-PI), disse ao Estadão/Broadcast que pretende intensificar as articulações a partir da próxima semana.
O ICMS hoje incide sobre o preço do combustível - o preço médio ponderado ao consumidor final, que é reajustado a cada 15 dias. Cada Estado tem competência para definir a alíquota. No caso do diesel, ela vai de 12% a 25%, segundo dados da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis (Fecombustíveis). Na gasolina, a alíquota varia entre 25% e 34%.
Pela proposta, o imposto passaria a ter um valor fixo por litro do combustível - a exemplo dos impostos federais PIS, Cofins e Cide também incidentes sobre o produto. Se o texto for aprovado, Estados e Distrito Federal deverão regulamentar a nova lei por meio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão que reúne secretários estaduais de Fazenda, no prazo de 90 dias.
Se a mudança receber aval do Congresso Nacional, uma parte dos Estados acabaria tendo aumento de carga tributária, enquanto outros perderiam receitas e teriam que compensar com outro tributo por exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), afirma o secretário estadual de Fazenda do Piauí, Rafael Fonteles. Ele preside o Comitê de Secretários Estaduais de Fazenda (Comsefaz).
Hoje, os Estados arrecadam mais, de forma automática, cada vez que há aumento no preço dos combustíveis. Com a mudança, além de eventuais prejuízos, os governadores teriam que arcar com o desgaste político de elevar a alíquota cada vez que tivessem problemas de arrecadação.
Segundo Fonteles, há consenso entre os Estados de que o projeto, além de prejudicar os governos regionais, não resolve o problema. "A volatilidade de preços não tem a ver com a tributação dos Estados. Com isso, o projeto perde naturalmente a sua função", afirma.
Ele diz que os secretários não se opõem ao debate da tributação sobre combustíveis, desde que ela seja feita no contexto de uma reforma tributária ampla. O governo, porém, tem trabalhado pelo fatiamento da proposta de reforma que vinha sendo discutida no Congresso - movimento ao qual o Comsefaz também se opõe.
O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) quer que o setor participe do debate. Segundo ele, se entre os Estados há resistência em relação ao projeto, a proposta é apontada como solução para as empresas que atuam no setor de combustíveis, já que o texto também concentraria o recolhimento de impostos no início da cadeia e evitaria a sonegação.
"Os entraves para a aprovação do projeto são grandes. De um lado, um governo que abandonou a agenda reformista em nome da própria sobrevivência. Do outro, governadores mais preocupados em manter e aumentar sua arrecadação do que simplificar com a adoção do modelo monofásico e ad rem (valor fixo por litro). No fogo cruzado, a população segue pagando quase R$ 6 por litro de gasolina", diz ele.
Para o presidente da consultoria Datagro, Plinio Nastari, se o governo quer um modelo para amortecer a volatilidade dos combustíveis ao consumidor no curto prazo, o melhor seria usar a Cide como um tributo flexível. Nessa proposta, a Cide funcionaria como um fundo de compensação, cuja alíquota seria elevada quando o preço do petróleo cai e reduzida quando ele sobe.
"Essa era a concepção original da Cide. O mecanismo daria mais estabilidade aos preços e atenuaria também a frequência de reajustes. O que não pode é não corrigir o preço da refinaria conforme a paridade de importação, pois isso destrói o valor de mercado das empresas, desestimula investimentos e traz insegurança aos importadores", diz Nastari.
A resistência a esse tipo de medida vem da área econômica, e o governo chegou a estudar a possibilidade de usar royalties de excedentes de exportação de petróleo e até parte da outorga do pré-sal para abastecer essa conta, mas, até agora, nada saiu do papel.
Para Nastari, o projeto que muda a tributação de ICMS dos Estados tem pouca chance de sucesso no Congresso. "Esse tipo de iniciativa cria conflito e gera uma queda de braço. Cada Estado deve definir a tributação de combustíveis conforme sua condição e política de desenvolvimento. É a forma que alguns usam para privilegiar os biocombustíveis onde há produção. É muito complicado imaginar alíquotas uniformes para todos os Estados", afirma.
O governo federal já adotou medidas temporárias para reduzir o preço do diesel. Nos meses de março e abril, isentou a cobrança de PIS/Cofins sobre o combustível, a um custo de R$ 3 bilhões. A benesse foi revertida em maio, dada a impossibilidade do governo para continuar abrindo mão de receitas - qualquer medida nesse sentido precisaria ser compensada por outro aumento de tributo.
Mais recentemente alas do governo passaram a defender a instituição de um voucher, uma espécie de vale, que poderia ser usado na aquisição de combustíveis e, na prática, reduziria o peso desse custo sobre o bolso dos caminhoneiros. A proposta, porém, enfrenta forte resistência da área econômica, que não vê espaço fiscal para a iniciativa.
Na semana passada, o presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava), Wallace Landim, conhecido como Chorão, disse que "se o pacote (do governo federal) realmente sair do papel será um grande avanço para a categoria, com benefícios imediatos".
A associação pediu ao Ministério de Infraestrutura a a extensão da isenção do PIS e Confins sobre o diesel. "Uma das demandas que reforçamos foi a continuidade da isenção de tributos sobre o diesel, pois, naquela data, o prazo de encerramento da isenção estava próximo. O governo sinalizou que não poderia ser prorrogado em virtude do teto de gastos", relatou. A isenção foi válida até 30 de abril.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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