Análise de Mercado

Perda de safra por variação climática não se enquadra na teoria da imprevisão

O inverno de 2021 foi dos mais rigorosos dos últimos anos. As baixas temperaturas, muito embora tenham trazido alegria para turistas e amantes do frio, trouxeram também preocupação para os produtores rurais, visto que o frio intenso ocasionou perdas consideráveis para as lavouras.


Publicado em: 25/11/2021 às 17:40hs

Perda de safra por variação climática não se enquadra na teoria da imprevisão

Em situações como essa surgem dificuldades e questionamentos sobre como saldar o financiamento, uma vez que não houve produção.

Muito se tem discutido se a questão climática estaria enquadrada nos termos de casos fortuitos ou força maior, possibilitando ao produtor uma revisão, renegociação ou um alongamento de sua dívida com base na Teoria da Imprevisão, ou cláusula rebus sic stantibus - exceção à regra geral que determina o cumprimento dos contratos.

Por essa teoria, prevista nos artigos 478 a 480 do Código Civil, havendo um acontecimento superveniente e imprevisível, que cause um desiquilíbrio, impondo a uma das partes uma onerosidade excessiva, pode haver a revisão ou a resolução do contrato.

Como se sabe, a atividade rural é dentre as atividades humanas uma das que mais depende de fatores climáticos para seu sucesso ou insucesso. Todo agricultor tem conhecimento, ao iniciar o plantio, de que o resultado do que foi plantado dependerá do clima, sendo, portanto, um negócio de risco.

Logo, não se pode considerar a variação climática um fato extraordinário, uma vez que condições climáticas desfavoráveis constituem risco calculável e inerente à atividade produtiva.

Portanto, tendo em vista que, quando da contratação, as partes se obrigam a cumprir o que foi contratado, e a mudança climática é um acontecimento perfeitamente previsível, deve o produtor levar em conta esse tipo de circunstância.

Pensar de forma diferente seria o mesmo que frustrar as legítimas expectativas das partes contratantes, infringindo os princípios da boa-fé e da função social do contrato.

O Judiciário, a quem compete resolver os conflitos colocados pelos jurisdicionados, vem enfrentando a questão de forma quase uníssona, no sentido de que os contratos agrícolas devem ser cumpridos, não cabendo, portanto, nessas circunstâncias, a aplicação da teoria da imprevisão, como se pode comprovar pelos trechos abaixo destacados.

“A jurisprudência desta Corte Superior tem entendimento segundo o qual a Teoria da Imprevisão somente se aplica quando for demonstrada a ocorrência, após a vigência do contrato, de evento imprevisível e extraordinário que onere excessivamente uma das partes contratantes, não se inserindo, nesse contexto, as intempéries climáticas”. (AgInt no AREsp 1.309.282/PR, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 12/8/2019, DJe 15/8/2019).

“Nos contratos agrícolas, o risco é inerente ao negócio, de forma que eventos como seca, pragas, ou estiagem, dentre outros, não são considerados fatores imprevisíveis ou extraordinários que autorizem a adoção da teoria da imprevisão”. (AgInt no AREsp 1027435 / GO Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 2016/0318725-6, DJe 01/09/2020).

“A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que, nos contratos agrícolas, o risco é inerente ao negócio, de forma que eventos como seca, estiagem, pragas, ferrugem asiática, entre outros, não são considerados fatores imprevisíveis ou extraordinários que autorizem a adoção da Teoria da Imprevisão”. (AgInt no AREsp 1233352 / RS Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 2018/0009295-3)

Como se observa, referida matéria se encontra pacificada, não havendo discordância sobre o fato de que, nos contratos agrícolas, o risco é inerente ao negócio, e que eventos climáticos, dentre outros, não são considerados fatores imprevisíveis ou extraordinários ao ponto de autorizar a adoção da Teoria da Imprevisão.

Por essa razão, ao produtor rural, que conhece bem essa realidade da produção agrícola, que exige muito trabalho, dedicação e grandes gastos até se chegar à colheita, e que está sujeita às intempéries, a melhor solução é contratar um seguro rural que o proteja e o indenize por danos decorrentes de fenômenos da natureza, a ter que se socorrer da Justiça que, na maioria das vezes, lhe será desfavorável.

Daniel de Souza - Advogado especializado em Direito Bancário e Cooperativas do escritório Reis Advogados (SP)