Publicado em: 24/02/2021 às 13:40hs
O otimismo com a vacina acaba puxando boas expectativas para a economia mundial e, obviamente, no Brasil nem poderia ser diferente. Em se tratando do setor do agronegócio em especial, a tendência é a de que pela primeira vez na história o valor da produção agropecuária supere 1 trilhão de reais.
Nesse sentido, será interessante acompanhar a aplicação e as discussões relativas à Lei nº 13.986/20, também chamada de nova lei do agronegócio (Lei 13.986), no momento mais favorável desde sua entrada em vigor, além de projetos no Congresso Nacional a ela relacionados.
A Lei 13.986, em regras gerais, teve o intuito de disponibilizar mais acesso ao crédito ao setor do agronegócio. Referida Lei, por exemplo, trouxe inovações no ordenamento jurídico na medida em que autorizou expressamente a possibilidade de alienação fiduciária de produtos agropecuários e de seus subprodutos, podendo, inclusive, recair sobre bens presentes ou futuros, fungíveis ou infungíveis, consumíveis ou não, cuja titularidade pertença ao fiduciante, devedor ou terceiro garantidor.
Como é sabido, um dos grandes benefícios de constituição da propriedade fiduciária em garantia é o de que, com a entrada em vigor da Lei 11.101/05, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e falência, a propriedade fiduciária não se submete aos efeitos da recuperação judicial.
Nessa esteira, não foram poucas as vezes da constituição dessa garantia para bens fungíveis em razão dos mais diversos assuntos e com fulcro no parágrafo 3º do artigo 66-B da Lei 4.728/65.
Vale lembrar que já houve muita discussão sobre instituições financeiras estrangeiras, cujas atividades não eram autorizadas pelo Banco Central, bem como credores fiduciários que não instituições financeiras ou equiparadas, sendo beneficiárias de garantias fiduciárias sobre bens fungíveis.
Em linhas gerais, muitas dessas discussões se deram em razão de que a propriedade fiduciária, prevista no Código Civil, pode apenas ser constituída sobre bens infungíveis. Já, nos termos do artigo 66-B da Lei 4.728/65 introduzido pela Lei 10.931/04, os bens fungíveis podem ser objeto de garantia fiduciária no âmbito do mercado financeiro e de capitais.
Dessa forma, somente instituições financeiras brasileiras autorizadas pelo Banco Central do Brasil e demais instituições equiparadas poderiam ser credoras beneficiárias de excussão de garantia fiduciária constituída sobre bens fungíveis.
Diante do cenário em que muitos produtores rurais realizam operações de crédito com instituições financeiras estrangeiras, bem como com empresas que não instituições financeiras (isto é, empresas de insumos), o fato de a Lei 13.986 reconhecer alienação fiduciária sobre bens fungíveis garante uma segurança jurídica muito importante, podendo impactar, inclusive, no barateamento do crédito ao setor do agronegócio.
Outro ponto que vale uma atenção especial em 2021 é o trâmite do Projeto de Lei 2.963/2019 que trata da possibilidade de aquisição de imóvel rural por estrangeiros e que, recentemente, foi aprovado pelas Comissões de Agricultura e Assuntos Econômicos do Senado.
Em linha com o referido Projeto, a Lei 13.986 serviu para dar não um, mas alguns passos à frente nesse sentido, trazendo alterações no ordenamento jurídico brasileiro de forma a permitir expressamente que imóveis rurais, incluindo os localizados em faixa de fronteira, sejam dados em garantia e efetivamente excutidos por credores estrangeiros ou empresas equiparadas.
Referida disposição é muito oportuna, pois não raras as vezes enfrentamos situações de clientes estrangeiros com bastante apetite em fomentar o agronegócio brasileiro, sendo desestimulados ou mesmo impedidos pela burocracia exacerbada e leis extremamente restritivas.
Agora, ao menos em se tratando da constituição e excussão das garantias, com a nova Lei 13.986, a discussão sobre a porcentagem de capital social para equiparação de estrangeiro, se titular de maioria do capital ou se controlador de empresas brasileiras por estrangeiros, fica marginalizada para dar abertura às oportunidades adicionais de financiamento para o setor do agronegócio.
Outra grande novidade foi a criação do Patrimônio Rural em Afetação, por meio do qual o proprietário de imóvel rural, pessoa natural ou jurídica, poderá submeter seu imóvel rural ou sua fração ao regime de afetação em garantia de financiamento rural. A constituição Patrimônio Rural em Afetação incluirá os terrenos, as acessões e as benfeitorias fixadas no terreno (exceto as lavouras, os bens móveis e os semoventes).
O patrimônio de afetação não está sujeito aos efeitos da decretação de falência, insolvência civil ou recuperação judicial do proprietário de imóvel rural, bem como não integra a massa concursal. Entretanto, como já esperado, essas características não valem para obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais do proprietário rural.
O imóvel rural em afetação pode ser dado em garantia em duas hipóteses: a primeira, por meio de Cédula de Produto Rural, e a segunda, por meio de operações financeiras contratadas pelo proprietário mediante emissão de Cédula de Imóvel Rural – CIR (outra inovação trazida pela Lei 13.986).
Ressalta-se que a constituição de patrimônio de afetação não pode incidir sobre imóvel gravado por hipoteca, alienação fiduciária de coisa imóvel ou por outro ônus real ou que tenha sido averbada ou registrada em sua matrícula as informações previstas no artigo 54 Lei 13.097/15 (registro de citação, averbação de restrição administrativa etc.).
Ao contrário de outras garantias como a hipoteca, a lei não permite que potenciais interessados, como Fundos de Investimento Imobiliários ou empresas, por exemplo, venham a adquirir a propriedade rural em afetação anuindo com referida situação durante o prazo da dívida principal.
Os imóveis que forem constituídos em situação de patrimônio de afetação também não poderão ser objeto de compra e venda e doação, parcelamento ou qualquer outro ato translativo de propriedade por iniciativa do proprietário.
Dessa forma, pelo texto da Lei 13.986, a parte remanescente do imóvel em situação de patrimônio de afetação também não estará sujeita a qualquer ato translativo por inciativa do proprietário. Se a intenção da Lei 13.986 é a de permitir maior acesso ao crédito pelo produtor rural, dependendo da área do imóvel e da parcela em que foi constituído o patrimônio de afetação, não faz sentido a vedação de ato translativo sobre sua área remanescente. Nesse sentido, uma vez que grandes produtores rurais podem ser beneficiados pela situação de afetação patrimonial em garantia, faz sentido que possam desmembrar ou realizar atos transacionais com o remanescente de imóvel. A nosso ver, poderia ao menos ser permitido o desmembramento do imóvel, mediante anuência do credor e desde que a situação de afetação permaneça intacta.
A Lei 13.986 também não esclarece sobre a possibilidade de o mesmo imóvel possuir a constituição de mais de um patrimônio de afetação. Se por um lado há a possibilidade de constituição de patrimônio de afetação em fração do imóvel, há também vedação de outros atos translativos em sua área remanescente.
Destaca-se que a possibilidade de constituição de mais de um patrimônio de afetação seria benéfica uma vez que resultaria em mais oportunidades de obtenção de créditos pelos produtores rurais.
Por fim, e conforme mencionado acima, a Cédula Imobiliária Rural - CIR foi mais uma das inovações trazidas pela Lei 13.986. A CIR é um título de crédito nominativo transferível e de livre negociação representativa de promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito de qualquer modalidade, emitida pelo proprietário de imóvel rural, pessoa natural ou jurídica, que houver constituído patrimônio rural em afetação (sobre o qual discorremos acima). Pode ser também representativa de obrigação de entregar, em favor do credor, o bem imóvel rural ou fração deste vinculado ao patrimônio rural de afetação, em garantia da referida operação de crédito.
Interessante notar que a Lei 13.986 suprimiu o trecho da Medida Provisória nº 897, de 1 de outubro de 2019, que previa que a operação de crédito originária da CIR deveria ser contratada com instituição financeira. Ao nosso ver, foi acertada excluir referido trecho uma vez que amplia a oportunidade e acesso ao crédito para além de instituições financeiras.
Além disso, a CIR poderá ser garantida por terceiros, inclusive por instituição financeira ou por seguradora. Destaca-se que nos termos do caput do artigo 7º e do artigo 18 da Lei 13.986, o proprietário de imóvel rural, pessoa natural ou jurídica, poderá submeter seu imóvel rural ou fração desse ao regime de afetação (sobre o qual discorremos acima), que será destinado a prestar garantias em operações financeiras contratadas, pelo proprietário do imóvel rural por meio de emissão CIR.
Por mais que a Lei 13.986 possibilite a garantia de terceiros, a garantia da CIR mediante constituição de patrimônio de afetação somente ocorrerá desde que realizada pelo próprio proprietário que contratar operações de crédito. Em outras palavras, o que se interpreta da Lei 13.986 é a vedação de emissão de CIR garantida por patrimônio de afetação constituído em imóvel rural de terceiros, sem prejuízo da possibilidade de constituição de outras formas de garantias por terceiros.
A Lei 13.986 também garante a celeridade na excussão da garantia da CIR já que estabelece que uma vez vencido o prazo de emissão da CIR e não liquidado o crédito, o credor poderá exercer de imediato o direito à transferência da propriedade da área rural que constitui o patrimônio rural em afetação, ou de sua fração, vinculado à CIR no cartório de registro de imóveis correspondente para sua titularidade. Ao encontro disso, como um dos requisitos da CIR, está a previsão de autorização irretratável para que o oficial de registro de imóveis processe, em favor do credor, o registro de transmissão da propriedade do imóvel rural, ou da fração, constituinte do patrimônio rural em afetação vinculado à CIR.
Como se nota de todo o exposto, a Lei 13.986 trouxe muitos benefícios ao setor do agronegócio, bem como alguns aspectos interessantes a serem discutidos. As inovações do Patrimônio Rural da Afetação e a Cédula Imobiliária Rural – CIR, a segurança jurídica mediante a admissão expressa de alienação fiduciária para bens fungíveis, em conjunto com a possibilidade de constituição de imóvel rural em garantia a pessoas jurídicas estrangeiras ou equiparadas, nos leva a crer em maiores e melhores oportunidades de crédito ao setor do agronegócio. Espera-se agora que a chegada das vacinas e a expectativa de uma pandemia controlada possa criar um cenário otimista no qual a Lei 13.986 seja aplicada e testada em um ambiente favorável e que, por fim, possa de fato estimular um setor muito importante para a economia do Brasil. Que 2021 traga realmente um clima propício para o agronegócio brasileiro.
Luís Felipe Trigo - Advogado Sênior da área de Agronegócios do ASBZ Advogados (luistrigo@asbz.com.br)
Fonte: Exclusiva – Assessoria de Imprensa
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