Publicado em: 08/07/2013 às 12:20hs
Menos de um ano após vender diversas marcas e unidades de produção para a Marfrig - condição que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) impôs para que autorizasse a sua criação - a BRF já recuperou fatia considerável do mercado 'cedido' à concorrente.
O movimento frustra a intenção do órgão antitruste, que pretendia criar um rival de peso para competir com a BRF.
Além de não ter conseguido ganhar mercado, a Marfrig já se desfez de plantas e marcas que pertenciam à BRF. Os ativos foram incluídos na operação de venda da Seara Brasil (sua divisão de aves, suínos e alimentos processados) para a JBS, anunciada mês passado.
Relatório do Bradesco BBI, com dados da BRF e do Termo de Compromisso de Desempenho (TCD) que a empresa assinou com o Cade, mostra que a participação de mercado da companhia no primeiro bimestre foi superior às metas projetadas pelo órgão antitruste em todas as categorias de produto nas quais vendeu ativos.
O segmento de margarinas é um caso emblemático. A meta do órgão antitruste era que a BRF ficasse com apenas 38% do mercado após repassar a tradicional marca Doriana para a concorrente. Contudo, a fatia da BRF (dona da marca Qualy) chegou a 57% no primeiro bimestre, próxima dos 63% anteriores à venda.
Uma das grandes preocupações do Cade durante o julgamento da incorporação da Sadia pela Perdigão, a área de alimentos processados (salsichas, linguiças, entre outros) também viu a BRF recuperar boa parte do terreno perdido. A empresa detinha 59% desse mercado antes da transferência dos ativos para a Marfrig, fatia que deveria cair para 42%, segundo as projeções do órgão antitruste. Entretanto, já no primeiro bimestre, essa participação alcançou 53%.
A retomada também foi rápida nos segmentos de alimentos congelados (nuggets, pratos prontos e hambúrgueres) e de massas congeladas. O movimento de recuperação também ocorreu no mercado de pizzas prontas. (ver quadro)
Bem vista pelos acionistas da BRF, a rápida recuperação da empresa pode ser desconfortável para o Cade, especialmente num momento em que a alta nos preços dos alimentos emerge como uma das grandes preocupações do governo federal. "Num momento de inflação, essa concentração de mercado não contribui", afirma uma fonte.
No mercado, o desempenho da BRF é atribuído tanto à forte estrutura de distribuição da companhia como às dificuldades financeiras enfrentadas pela Marfrig. "É muito difícil entrar nesse mercado porque a BRF entrou num ciclo virtuoso, com escala e presença em todo o varejo do país por causa de sua estrutura de distribuição. Esse ciclo virtuoso funciona como uma barreira", afirma uma fonte do mercado financeiro.
Além disso, diz um especialista, o elevado endividamento da Marfrig prejudicou os investimentos em marca e, principalmente, em distribuição. Na apresentação dos resultados do primeiro trimestre, antes de fechar a venda da Seara Brasil, a própria Marfrig admitiu que "subavaliou os desafios da integração" dos ativos recebidos da BRF e que trabalhava com elevados índices de ociosidade em suas plantas.
Um exemplo das dificuldades enfrentadas é que, no quarto trimestre de 2012, de cada 100 encomendas feitas à Seara Brasil, 35 deixaram de ser entregues por ineficiências na área logística.
Procurada, a BRF não se manifestou sobre a recuperação de fatias de mercado. Segundo apurou o Valor, a empresa considera que cumpriu todos os compromissos acertados com o Cade e foi a Marfrig que não conseguiu atingir o objetivo de ganhar participação no mercado.
Os dados que demonstram a rápida recuperação de mercado da BRF podem ser um impulso para que o Cade aprove a compra da Seara pela JBS, diz uma fonte do setor. Essa pode ser a chance de, finalmente, criar um concorrente para a BRF. (Colaborou Alda do Amaral Rocha, de São Paulo)
Dado é insuficiente para avaliar efeitos de acordo, diz Cade
Para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o aumento de participação da BRF em vários mercados, mesmo após a transferência de ativos para a Marfrig, ainda não é suficiente para avaliar os efeitos da decisão que impôs restrições à compra da Sadia pela Perdigão. O crucial, segundo o órgão antitruste, é que não houve aumento de preços para o consumidor.
"A BRF pode até ter conseguido a manutenção da participação de mercado, mas não parece ter capacidade ou interesse estratégico em aumentar preços", afirmou o conselheiro Ricardo Ruiz, autor do voto vencedor no processo em que, há dois anos, o Cade aprovou a criação da BRF. "O aumento de 'share' não nos tranquiliza, mas o fato de a empresa não ter aumentado preços sim", completou o conselheiro.
Ainda que Ruiz afirme não ter havido alta de preços, a própria BRF informou que aumentou, em média, em 9,7% os preços em 2012. É preciso considerar também que houve alta nos custos médios da empresa de 16,3% no mesmo período.
As dificuldades de a Marfrig se reestruturar frustraram as expectativas dos conselheiros num primeiro momento. Eles acreditavam que a empresa poderia se tornar uma competidora mais efetiva logo após adquirir o pacote de ativos da BRF.
"A reestruturação de Marfrig foi frustrante para o termo de compromisso de desempenho", afirmou Ruiz, referindo-se ao acordo que foi assinado com a BRF com as condições que foram negociadas para a aprovação da compra da Sadia pela Perdigão. "Mas a JBS está entrando com mais força, agora, e temos que esperar mais um pouco para analisar os resultados", completou.
Quanto aos setores em que houve aumento de participação, a maior preocupação do órgão antitruste está no mercado de margarinas. Já no setor de lácteos, não houve intervenção do Cade, logo, não há motivo para alarme entre os conselheiros. Nos segmentos de pizzas congeladas e massas prontas, a avaliação no Cade é a de que esses mercados são pequenos e as pesquisas não conseguem verificar o impacto de concorrentes independentes, que não têm marcas de destaque.
Já em alimentos processados, o Cade analisa os números com cautela, pois esse é um segmento que engloba diversos mercados, como hambúrgueres, salsichas e linguiças.
Segundo Ruiz, para se fazer qualquer constatação, é preciso verificar a participação de mercado de um por um. O mesmo ocorre nos alimentos congelados. O Cade não interferiu no setor de comida industrializada nem no segmento de "food service". Logo, é necessário checar em quais ramos houve elevação de participação de mercado.
Ao todo, o Cade interveio em dez mercados que correspondiam a 30% da capacidade da BRF. Mas, alguns mercados em que não houve intervenção registram vendas em grandes quantidades, como partes "in natura" de frangos, linguiças e salsichas. São esses segmentos que podem alavancar as participações da BRF.
Fonte: Avisite
◄ Leia outras notícias