Análise de Mercado

Deixaremos de chamar o pão (brasileiro) de francês?

Sócio do Silveiro Advogados, Giovani Zeilmann Ceccon vê caminho longo ainda para a efetivação do acordo de bilateral de comércio União Europeia – Mercosul


Publicado em: 25/07/2019 às 13:40hs

Deixaremos de chamar o pão (brasileiro) de francês?

Na medida em que os rascunhos de capítulos individuais do acordo firmado entre o Mercosul e a União Europeia (UE), agora sujeitos à revisão jurídica, foram sendo publicados, as críticas não precisaram de muito tempo para reagir à festejada notícia resultado de longa negociação. A Irlanda foi um dos primeiros países a verbalizar sua intenção de não votar a favor do acordo se este for contrário aos interesses do país gaélico. A preocupação dessa ilha atlântica europeia, segundo Giovani Zeilmann Ceccon, sócio do Silveiro Advogados, é proteger a sua produção pecuária, além de outras preocupações de caráter ambiental, sustentabilidade e sanitárias.

“Devido ao forte lobby de fazendeiros locais, em uma votação simbólica no dia 10 de julho último, o acordo foi rejeitado no parlamento irlandês sob a alegação de que trará impacto adverso ao setor da produção nacional de carne”, lembra Ceccon. “O acordo também prevê a proibição de subsídios para que ocorra uma competição justa – como sabemos, o setor agropecuário da Europa é altamente subsidiado”.

O festejado acordo

Líderes da União Europeia e países do Mercosul divulgaram no dia 28 de junho a festejada notícia de que, depois de transcorridos cerca de 20 anos de negociações, as partes finalmente chegaram, a princípio, a um entendimento quanto ao acordo bilateral de comércio.

Em números, espera-se que o acordo representará uma economia tarifária por volta de quatro bilhões de euros. O volume de negócios esperado é de 100 bilhões de euros. Este é o maior acordo já celebrado pela União Europeia em termos de população abrangida, volume de negócios e tamanho da economia tarifária gerada. O período de transição da liberação de 91% dos produtos europeus e 92% dos produtos do Mercosul transcorrerá ao longo de 10 anos. A exportação também ficará mais barata, como é o exemplo de produtos derivados de soja importados pela Europa para a alimentação de animais, entre outras matérias-primas de alta qualidade importadas para manufatura no velho continente.

Segundo a Comissão Europeia, 60.500 empresas do continente se beneficiarão do acordo enquanto, do outro lado do atlântico, é difícil fazer a mesma estimativa, uma vez que o Mercosul não divulgou dados nesse sentido. Quanto ao impasse irlandês, “a Comissão Europeia defende o acordo dizendo que este abrirá as portas de um grande mercado aos fazendeiros europeus, muitos do quais já exportam para países do Mercosul, mas que agora também adicionarão benefícios, tais como redução da burocracia e proteção contra a imitação de produtos tradicionalmente europeus – de maneira que, por exemplo, somente poderá chamar-se conhaque o produto francês da região homônima e, de queijo feta, o produto de origem grega”, explica o advogado.

O problema ambiental foi tema, inclusive, de manifestação expressa no passado pelo presidente francês, Emmanuel Macron, dizendo que o acordo não sairia se o Brasil se retirasse do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, conforme havia sinalizado o governo brasileiro. “O temor é que áreas de preservação ambiental, como a Amazônia, que já vêm sofrendo grande pressão devido ao constante avanço de fazendas para a produção pecuária, passem a ser ainda mais pressionadas no caso de as exportações de carne aumentarem”, esclarece Ceccon.

Outro argumento na questão ambiental é o custo ecológico da logística de importação e exportação transoceânica. “Questiona-se o porquê de regiões autossuficientes em determinados produtos, como a própria carne, passariam a consumir a produção oriunda milhares de quilômetros além-mar em detrimento do produto local por questões puramente comerciais – o chamado custo ambiental versus o custo econômico –, o que o acordo dará maior margem para a sua ocorrência”, explica Ceccon.

E para o Brasil?

O especialista do Silveiro Advogados entende que, sob a ótica brasileira, um dos grandes avanços seja talvez a facilitação específica para a comercialização de produtos, como por exemplo, bebidas alcoólicas como o vinho nacional. “Certamente esperamos que a indústria vinícola brasileira de qualidade, que depende precipuamente do mercado nacional, tenha mais facilidades para exportar e ser melhor conhecida no exterior”, analisa. “Inversamente, esta poderá também perder espaço para produtos tradicionalmente de altíssima qualidade justamente no seu mais importante mercado, o interno”.

Ceccon ressalta quanto a esta questão que precisará haver um grande trabalho das vinícolas nacionais em promover os seus melhores produtos na Europa e adequar as suas estruturas para a exportação. Detalhes simples, como o tipo de pallets nos quais a produção é transportada e entregue na Europa, poderão fazer com que o comprador europeu cancele a sua ordem de compra caso não esteja estritamente de acordo com as exigências do importador europeu. “Nesse âmbito, as vinícolas argentinas e chilenas estão muito mais adiantes do que as brasileiras. Outro tópico do acordo extremamente sensível para o país é a indústria automobilística brasileira”, pontua o advogado.

“Portanto, podemos ver que o acordo não é apenas boa notícia para todos”, destaca Ceccon. “A fase mais difícil do acordo não foram somente os 20 anos de negociação, mas ainda está por vir: serão também as futuras etapas para a implementação do resultado final nas jurisdições nacionais”. Para o advogado, espera-se oposição de setores específicos da indústria europeia e desafios para muitas empresas, especialmente as pequenas e médias, que terão de sobreviver em um mercado cada vez mais competitivo, ao mesmo tempo em que terão, em alguns casos especiais, melhores oportunidades. “Esperamos, contudo, que as economias de forma geral se beneficiarão do acordo e que isso contribuirá para as sociedades locais envolvidas, sem que deixemos de chamar o nosso pão de francês”, ironiza.

Silveiro Advogados

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Fonte: 2Pró Comunicações

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