Análise de Mercado

Para Nizan Guanaes, chegou a hora de “o agro entrar no ringue para brigar”

Publicitário defende uma guinada na comunicação do setor para tornar o agro brasileiro global e encarar a acirrada concorrência internacional


Publicado em: 09/05/2023 às 15:57hs

...

Nizan Guanaes: Publicitário
Por: Carlos Sambrana

Nizan Guanaes já deu mais de 400 palestras para empresários e produtores do agro. E o resultado, infelizmente, é sempre o mesmo. “Eu sempre começo da seguinte forma: ‘estou aqui fazendo mais uma palestra, vocês não vão me ouvir, agradeço muito e me sinto muito honrado’”, diz Guanaes ao AgFeed.

Para ele, um dos publicitários mais premiados do mundo, considerado um dos grandes estrategistas de marcas da atualidade, falta ao agronegócio brasileiro saber se comunicar melhor.

“O agro brasileiro é internacional, mas não é global”, afirma, separando o joio do trigo. “Se você não cria a sua narrativa, seus concorrentes criam. E o agro brasileiro tem concorrentes poderosos.”

Concorrentes, é bom salientar, como os Estados Unidos, a Austrália, a União Europeia e outros grandes players que jogam pesado quando precisam defender seus interesses. É inacreditável, diz Nizan, que o agro brasileiro não esteja em Davos.

“Hoje, o capitalismo é o tempo todo assistido pelas redes sociais. Então, o que falta ao agro brasileiro, é essa compreensão”, afirma. E prossegue. “O agro brasileiro carrega o sentimento de que é injustiçado. Mas eles (empresários e produtores) permitem que um monte de exageros seja falado em relação ao agro brasileiro.”

Para mudar isso, afirma Guanaes, o agro brasileiro precisa dar uma guinada na comunicação. “O agro tem que parar de se lamentar e entrar no ringue para brigar. É tão simples quanto isso. Eles têm que falar que o agro é inovador, sustentável”, afirma.

Na entrevista que segue, Guanaes indica como o setor deveria se mexer, fala sobre a importância dos produtores se distanciarem de temas políticos, analisa a imagem do etanol, discorre sobre sustentabilidade e, claro, sobre branding. “Sempre falo que é importante separar o agro do ogro”, diz ele. Acompanhe:

O agro é o maior negócio do Brasil e muita gente ainda não tem essa percepção. O que falta para o agro ser percebido dessa maneira?

Falta o agro brasileiro entender que ele precisa, num mundo dessa complexidade atual e num mundo onde ele é um player importantíssimo, ter um trabalho de comunicação. Se você não cria a sua narrativa, seus concorrentes criam. E o agro brasileiro tem concorrentes poderosos.

Quais são esses concorrentes?

Os mercados. A Austrália, os Estados Unidos, a União Europeia. Esses concorrentes não vão ficar sentados olhando o agro brasileiro dominar o mundo e não fazer nada. Então, o grande culpado de o agro brasileiro ter essa percepção é o próprio agro brasileiro. A gente é o que a gente deixa os outros fazerem com a gente. Tão simples como isso.

Por que você acha que o setor não tem essa visão?

Tenho um amigo, advogado criminalista, que diz em tom de brincadeira: ‘eu odeio inocente, porque o culpado faz exatamente aquilo que você manda’. O inocente, como é inocente, quer se defender do jeito dele, só que ele não é advogado.

“Sempre falo que é importante separar o agro do ogro”
Onde entra o agro aí?

Sempre falo que é importante separar o agro do ogro. Como em qualquer atividade, sempre vai ter pessoas que não têm caráter, não têm boas intenções, que não são corretas. Qualquer atividade... Médicos, advogados, educadores etc. Então, tem o ogro. Mas aí é preciso, sem trocadilho, separar o joio do trigo e dar nome aos bois. O agro deveria ser o auto regulamentador do próprio agro. O agro deveria ter um próprio ombudsman.

De que forma?

A publicidade brasileira fez isso há mais de quarenta anos, com o Conar. O agro deveria ter uma instância dele, não pode ficar vendo coisas que vão cair no colo dele como se não tivesse nada a ver com isso, porque tem. Nada mais é regional. Você vê o caso do vereador do Rio Grande do Sul, que falou lá (Sandro Fantinel, o vereador de Caxias do Sul que foi preconceituoso com os nordestinos na tribuna da Câmara) e vê o trabalho análogo à escravidão (de trabalhadores que faziam a colheita das uvas na Serra Gaúcha). Veja quanto de dano fez à imagem do Rio Grande do Sul e a todo o ecossistema. Não tem mais nada que você possa fazer em um determinado lugar e que não vai ser percebido. O agro tem de levar isso à sério.

Como fazer isso?

Nessa encarnação, eu já fiz mais de 400 palestras para o agro. Eu sempre começo da seguinte forma: ‘estou aqui fazendo mais uma palestra, vocês não vão me ouvir, agradeço muito e me sinto muito honrado’. É inacreditável que o agro brasileiro não esteja em Davos, não tem uma presença global. Você chega em Davos, você vê a Índia, a China, os Emirados Árabes, todos lá presentes contando suas histórias.

“Hoje, o capitalismo é o tempo todo assistido pelas redes sociais. Então, o que falta ao agro brasileiro, é essa compreensão”

Por que você acha que eles não escutam? Pensam muito da porteira para dentro?Totalmente. Aí o agro brasileiro carrega o sentimento de que é injustiçado. Eles permitem que um monte de exageros seja falado em relação ao agro brasileiro. As grandes empresas do agro, que têm ações na bolsa, não são tontas. Elas vivem no mundo ESG, então elas tomam todo o cuidado. Hoje, o capitalismo é o tempo todo assistido pelas redes sociais. Então, o que falta ao agro brasileiro, é essa compreensão. O agro brasileiro é internacional, mas não é global.

Por quê?

Porque não tem mentalidade. O agro poderia chamar o Roberto Azevêdo, que foi presidente da OMC e hoje está na PepsiCo, para representar o setor no mundo. Falta esse tipo de visão.

Você disse que já deu mais de 400 palestras e os empresários e produtores do agro nunca escutam. O que eles dizem?

É um mar de lamentações, é o inocente. Porque é verdade. O Brasil tem que ter muito orgulho do agro, ele é sofisticado, é moderno. É o maior nível de inovação. Vai lá falar com a SLC, do Rio Grande do Sul, é outro nível. Fui no curso OPM de Harvard e tinham vários empresários do agro. O MIT me chamou para dar uma palestra e disse que não falaria sozinho, chamei vários colegas do agro para falar. O agro deu um show. O agro tem que parar de se lamentar e entrar no ringue para brigar. É tão simples quanto isso. Eles têm que falar que o agro é inovador, sustentável.

“O Brasil tem que ter muito orgulho do agro, ele é sofisticado, é moderno. É o maior nível de inovação”

ESG e agro combinam?

O agro é muito ESG. Se você fala isso, o mundo cai porque eles estão perdendo a narrativa. Falando de agrotóxico, além do nome ser uma piada pronta, tem um monte de coisa defasada? Tem! Tem um monte de coisa que tinha que sair do mercado? Tem! Mas aí os agricultores dizem uma coisa: ‘se a gente pudesse batizar as nossas plantações com água benta, estaríamos felicíssimos’. A legislação para defensivos agrícolas, produtos mais modernos, sustentáveis, leva seis anos para aprovar. Agora, estou defendendo pilantra? Óbvio que não. Sou embaixador da Unesco, sou do board da The Nature Conservancy. Pilantra tem que ser preso. Ponto! Como em qualquer setor, e com agilidade. Agora, querer botar todo mundo, uma indústria que sustenta o Brasil, importante, que alimenta o mundo, me dói. Eu sofro com o agro brasileiro porque sou testemunha da seriedade dele.

Tem muita patrulha contra quem defende o setor...

Claro que alguém vai pinçar essa entrevista e dizer que estou defendendo pilantra, gente que entra em terra indígena. Eu não estou dizendo isso. Para esses caras, é cadeia. Estudo com o professor judeu, o Joseph Press, que aprendo as terças e quintas. Há um ano e meio, esse cara estava falando comigo sobre o ChatGPT. Se você falar em Israel sobre automação, os maiores clientes deles são brasileiros. E ninguém divulga isso. Enquanto isso, tem interesses contrários das grandes indústrias e grandes mercados competidores que não vão ficar batendo palminha para a gente.

E a imagem do agro, que é visto como radical nas questões políticas. Isso não atrapalha?

É complicado, não sei como isso se resolve. Mas o agro se enredou em uma dicotomia ideológica. E ninguém moderno faz assim. As pessoas têm de conviver com a alternância da democracia. Nenhum setor, nenhum grande empresário, vira militante. Isso só prejudica ele. Todas essas coisas não são práticas modernas de narrativa e de imagem. Esse tipo de coisa me faz chegar as raias do desespero porque o agro brasileiro é o plexo do Brasil.

"Nenhum setor, nenhum grande empresário, vira militante. Isso só prejudica ele. Todas essas coisas não são práticas modernas de narrativa e de imagem"
Você disse que o agro brasileiro é internacional, mas não é global. Como fazer essa virada de chave?

Era para anunciar no Super Bowl. Um anúncio lá custa R$ 5 milhões. Quatro brasileiros, todos os anos, deveriam enfiar quatro comerciais no Super Bowl. Ele deveria patrocinar o US Open, Roland Garros. É assim que big player faz.

Por ter vários setores dentro do agro, você acha que falta unidade para coordenar ações como essas que você propõe?

O agro é o maior mar de vaidade. Eu achava que éramos nós os publicitários, mas depois, perto do agro, me sinto humilde. Nunca vi tanta vaidade, censor e associação. Vou te dar um exemplo. Plínio Nastari (da Datagro) me chamou para fazer uma campanha global sobre etanol. Gente, o etanol é o maior parceiro do carro elétrico! E, o que eu disse ao Plínio, aconteceu.

O que aconteceu?

Nada, nada. Você vai, todo mundo gosta e o processo é assim: ‘por mim, tudo bem’. O agro é o maior setor do “por mim, tudo bem”, as associações. Você tem de decidir por voto, levantar dinheiro e é mais complexo. O etanol tinha que ser um produto global, ele é completamente o futuro. Não faz sentido o etanol no Brasil ser posicionado como combustível mais barato, quando ele é o combustível verde.

“Não faz sentido o etanol no Brasil ser posicionado como combustível mais barato, quando ele é o combustível verde”
Além de estrategista, você investe no agro, não?

Sim, invisto na Aegro, que pretende ser o excell do agro. É muito interessante. E só invisto em negócios que tenham propósito. Na Trybe, dando acesso a educação; na dr.consulta, no setor de saúde; na Mottu, financiando motos; na Moss, com crédito de carbono.

Aliás, o agro será, provavelmente, o maior gerador de crédito de carbono...

Lógico. São fazendas aéreas. Mas isso passa também por educação. Rapaz, o Brasil tem que se posicionar como potência verde. Nearshoring, descarbonização... A Amazônia é tratada como problema! Ela é solução para emprego, para divisa, para crescimento científico!

A Suzano, empresa da qual você é consultor, conseguiu criar essa imagem ESG. Se ela conseguiu, outras conseguem, não?

A Suzano é uma empresa respeitadíssima. Ela é uma empresa carbono zero hoje, enquanto muitas anunciam que vão chegar lá em 30 anos. As reservas da Suzano são do tamanho de Nova York.

O que foi decisivo para a companhia?

Primeiro, ela foi “caxias”, pé no chão, estruturada. Tem uma frase que o David Feffer (controlador da Suzano) costuma dizer é que “a Suzano é um gigante gentil”. Se você olhar, na história toda deles, o compromisso. É uma empresa que vai fazer 100 anos e tem mentalidade de startup. Nesse mundo moderno, essa história de ser e não parecer, se não parece você não é. A Suzano é walk the talk. Ela foi lá e mostrou o que ela é. No dia em que o agro resolver aparecer, ele se posiciona facilmente.

Mas o governo federal também não tem que vender o agro como potência no mundo?

Eu sei, mas não gosto de terceirizar responsabilidades. Sabe por que a gente come castanha para a saúde? Porque a indústria foi lá e fez. Por que o café da Colômbia, que é infinitamente pior do que o nosso, ganhou o mundo? Porque fez o trabalho de marketing dele. Não concordo com esse negócio infantilizado de enfiar tudo no colo do governo.

“Enquanto o agro não se posicionar e não se envolver, não há solução. Agora, se partir para cima, em quatro ou cinco anos, ganha a narrativa”
Para finalizar, se um dia chegassem para você e dissessem: ‘Nizan, vamos mudar a imagem do agro brasileiro no mundo’. Como seria?

Eu ia falar com Mãe Carmen do Gantois. Porque isso é uma coisa para mãe de santo. Enquanto o agro não se posicionar e não se envolver, não há solução. Agora, se partir para cima, em quatro ou cinco anos, ganha a narrativa. Tem que ir para o Super Bowl, para Roland Garros... O café da Colômbia foi uma campanha da DDB, eles que criaram o Juan Valdez. Quem você acha que criou a campanha “Got a milk?” também famosa? O agro brasileiro tinha que patrocinar todas as maratonas do mundo. O patrocínio da maratona de Nova York deve ser US$ 4 milhões, US$ 5 milhões. O cara compra uma fazenda de US$ 100 milhões, mas não dá US$ 100 mil para uma associação. Respeito muito o agro como indústria, mas é lamentável a ausência dele nos fóruns globais e no mundo da comunicação.