Análise de Mercado

Um castelo chamado agro


Publicado em: 22/08/2018 às 00:00hs

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No último dia 17, o Globo publicou uma matéria com o título "Em três décadas, Brasil perde 71 milhões de hectares de florestas". O tema e a sua abordagem não são novidades num momento em que o produtor rural e agroindústria, símbolos da pujança nacional, são tratados como inimigos das pessoas, do planeta e, quem sabe, do universo. Pensando nisso, escolhi um título provocativo para este artigo. Estamos, mesmo os inimigos da produtividade, acostumados a ver o agro como um castelo vigoroso, semelhante às fortalezas medievais. E, sem dúvida, ele é isso mesmo: produtivo, vencedor, imponente e eficaz. No entanto, deixamos de olhar o outro lado da moeda: se, por um lado, é tarefa dificílima construir um mercado como o que temos hoje na agropecuária brasileira, bem mais fácil é precipitar a sua destruição, o que nos remete a um castelo de areia: difícil para construir; fácil para destruir.

Voltando à matéria do Globo, devemos dizer que o grande problema é que os dados precisam ser interpretados, e, nesse caso, à luz de inúmeros fatores, o que não faz a matéria (e muito menos o seu título). Segundo se consegue entender de uma análise em voga, o ideal é que abandonássemos todo o processo agropecuário em larga escala e passássemos a produzir nossa própria comida, nossa energia e nossa fibra. O alimento, de preferência, em hortas residenciais (segundo o que ouvi em um recente congresso acadêmico).

Apesar do caráter idílico da proposta, ela, antes de mais nada, ignora os conceitos mais básicos de História Natural, isto é, o ramo da História que estuda como se deu a interação do homem com a natureza no decorrer do tempo. Nós, seres humanos, começamos nossa trajetória alimentar e energética com a depredação, isto é, coletávamos ou caçávamos o que a natureza selvagem nos oferecia. No entanto, tal cenário (considerado ideal por alguns) apresentava um grave inconveniente: um fator limitante altíssimo, pois o meio ambiente, sem cultivo, não era (e não é hoje!) capaz de sustentar populações numerosas, salvo raras exceções.

Aqueles que, sem maiores critérios, condenam a utilização das áreas destinadas à agropecuária em larga escala estariam, no fundo, decretando a morte de uma significativa parcela da humanidade, que não teria nascido ou que não teria sobrevivido.

Foi no período neolítico, a idade da pedra polida (cerca de 12 mil anos antes da atualidade), que experimentamos a primeira revolução agrícola, dando início à atividade agropecuária, a partir da domesticação de plantas e de animais. Essa evolução, inegavelmente, permitiu o aumento exponencial da população mundial de "cerca 5 para 50 milhões de habitantes entre 10.000 e 5.000 antes da atualidade" (MAZOYER e ROUDART, 1998). A partir daí, a demografia seguiu, em proporção direta, os caminhos do incremento da produtividade agropecuária.

O dispêndio de solo para a agropecuária, portanto, garantiu a sobrevivência da humanidade até aqui, e, onde isso não aconteceu (por fatores naturais ou sócio-culturais), a experiência foi (e é!) de fome e de subnutrição. Portanto, aqueles que, sem maiores critérios, condenam a utilização das áreas destinadas à agropecuária em larga escala estariam, no fundo, decretando a morte de uma significativa parcela da humanidade, que não teria nascido ou que não teria sobrevivido.

O agronegócio, como o conhecemos, foi responsável pela segunda revolução agrícola da era moderna, que conseguiu a proeza de criar uma relação inversamente proporcional entre uso de área e produtividade. Passamos a produzir mais utilizando menos área. Somente a partir desse ponto é que começamos a pensar de maneira sistemática no controle da mudança do uso do solo a fim de preservar coberturas nativas e seus ecossistemas. Antes disso, o drama era outro: conseguir aproveitar ao máximo as terras agricultáveis para evitar os baldios (territórios não cultivados), segundo a expressão portuguesa de séculos passados.

Mais do que isso, as últimas disrupções no mercado agropecuário foram capazes de superar a dicotomia então existente entre a proteção ambiental e a produtividade. Hoje, sabemos que a sustentabilidade é, no fundo, condição de produtividade, o que transformou o produtor médio brasileiro no protagonista da salvaguarda ecológica. No entanto, há um fator pouco mencionado quando abordamos o tema: as revoluções agrícolas não decorrem apenas dos incrementos tecnológicos como respostas a desafios naturais (estiagens, inundações, períodos glaciais, etc). Elas são fruto também de novos arranjos institucionais. Quando observamos as condições sociais e culturais que permitiram a revolução agrícola do neolítico, chegamos à conclusão que houve, mesmo naquele período, também um conjunto de regras (morais, econômicas, políticas e jurídicas) que "permitiu a esse grupo reproduzir-se e renovar os seus novos meios de existência" (MAZOYER e ROUDART, 1998).

Examinando o cenário brasileiro das últimas décadas, essa constatação é ainda mais evidente. Foi organizado um conjunto de instituições que permitiu a superação dos desafios naturais para a agricultura, o desenvolvimento de ciência e de tecnologia com resultados para a produtividade e o acesso a instrumentos de mercado que garantiram a sustentabilidade econômica dos sistemas agrícolas.

Sem a Embrapa, por exemplo, a agricultura tropical como a conhecemos seria impensável. De outro lado, sem o arcabouço jurídico e econômico que permitiu a liquidez dos produtos agrícolas, a dinâmica de financiamento agrícola e acesso ao mercado global, jamais teríamos o estímulo necessário para o aumento quantitativo da produção e muito menos o qualitativo, que leva em conta, entre outros fatores, o da sustentabilidade. Quanto mais nos aprofundamos no tema, mais percebemos quanto a edificação desse grande edifício foi complexa e trabalhosa.

É por isso que, ao assistirmos aos argumentos pouco criteriosos dos que criticam o agronegócio, sentimos o mesmo que uma criança mais velha ao ver a mais nova destruindo o castelo de areia que aquela construiu com tanto esforço à beira da praia. O amargo desgosto é facilmente compreendido, pois o castelo (delicado, complexo e tão duramente edificado), naquele momento, é apenas o objeto de uma infantil e irresponsável brincadeira.

Evandro Gussi - Deputado Federal

Fonte: LinkedIn

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