Análise de Mercado

Renda, preços e a (in)segurança alimentar no Brasil e o direcionamento das políticas públicas

Estagnação salarial, alta dos alimentos e vulnerabilidade social reforçam a necessidade de estratégias de longo prazo


Publicado em: 28/04/2025 às 16:40hs

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Os elementos mais relevantes para compreender e mitigar, no curto prazo, o problema da insegurança alimentar no Brasil são os fatores que determinam a demanda por alimentos, renda e preferências dos consumidores, inclusive aquelas derivadas de hábitos e tradições alimentares. 

Salários reais estagnados ou em queda, ou seja, refletindo perda do poder de compra dos assalariados, comprometem o acesso à alimentação. Isso é particularmente determinante quando tratamos da população de mais baixa renda e dos grupos mais vulneráveis. O comprometimento é, certamente, maior quando se pensa em uma alimentação adequada do ponto de vista nutricional – com menos produtos ultraprocessados e mais frutas, verduras e legumes, por exemplo. As famílias mais pobres gastam uma proporção muito maior de sua renda com alimentos do que as famílias de renda mais elevada. Estudo coordenado por Walter Belik, publicado em 2020, mostra que as famílias mais pobres alocam 26% de sua renda mensal em alimentos, enquanto as mais abastadas, somente 5%. 

Há vários elementos que corroboram a tese de que a situação atual de insegurança alimentar no Brasil está mais vinculada às questões de renda do que à evolução da produção agrícola ou, mesmo, das exportações agroindustriais. Limitações da renda que se agravam, comprometendo o poder de compra dos trabalhadores, na medida em que os preços dos produtos básicos se elevam. Momentos de instabilidade econômica, que geram desemprego, inflação, desvalorização cambial, resultam em perda de poder de compra e, portanto, comprometem o acesso aos alimentos. O Brasil, desde 2014, tem passado por instabilidade econômica, refletida em maior ou menor proporção em alguns indicadores que posso destacar.

No primeiro trimestre de 2014, a taxa de desemprego, segundo dados do IBGE (PNAD Contínua), era de 7,2%, seguindo-se um período de elevação, chegando ao primeiro trimestre de 2021 com 14,9%, caindo desde então, alcançando 6,2% no último trimestre de 2024. Esse período de elevação, agravado pela pandemia de covid-19, causou um impacto muito negativo sobre a pobreza e elevou a proporção de pessoas em situação de insegurança alimentar moderada e grave, esta última registrada nos relatórios da Rede PENSSAN de 2021 e 2022. A PNAD Contínua (IBGE) referente ao 4º trimestre de 2023 apontou recuperação no nível de segurança alimentar da população. Movimento concomitante à recuperação que vivenciamos no mercado de trabalho nos últimos dois anos.

O salário mínimo, por sua vez, do início de 2014 a dezembro de 2024, aumentou 95% em termos nominais. Considerada a inflação geral medida pelo INPC, que acumulou 85,8% nesse mesmo intervalo, o aumento do salário real, ou seja, o poder de compra do salário aumentou praticamente 5%. Contudo, se essa evolução do salário nominal for comparada a um índice da inflação acumulada especificamente para o preço dos alimentos, a exemplo do INPC para alimentos e bebidas, que mostrou alta de 116,7% no mesmo período analisado, constata-se que, de fato, o consumidor de mais baixa renda perdeu poder de compra.

Logo, para a população de menor renda, as condições econômicas de acesso aos alimentos pioraram. Ora, quem não tem renda ou carece de renda suficiente fica limitado em suas escolhas na aquisição de produtos, inclusive dos alimentos, optando por aqueles mais baratos que, muitas vezes, não atendem às necessidades nutricionais das pessoas. Assim, agravam-se os problemas sociais com o aumento de doenças relacionadas a uma alimentação inadequada.

Pobreza e desigualdade de renda são questões estruturais, cuja solução só pode ser alcançada com políticas firmes e estáveis que busquem atingir objetivos de médio e longo prazo, de melhoria da infraestrutura econômica e social no País. Inclusão social, saúde, saneamento básico, educação, aqui valendo explicitar a importância do investimento em formação de capital humano, do apoio ao empreendedorismo, ao desenvolvimento científico e às inovações tecnológicas. Estes são investimentos essenciais para que a sociedade brasileira se torne menos desigual e que a economia nacional se torne mais resiliente perante as instabilidades econômicas e políticas, nacionais e internacionais.

É claro que choques de curto prazo, como a quebra de uma safra devido a eventos climáticos, comprometem a oferta de produtos agrícolas alimentícios e causam pressão sobre os preços dos mesmos. Além disso, conflitos em regiões que são importantes fornecedoras de petróleo e insumos impactam os preços dos alimentos, e, portanto, a segurança alimentar da população socialmente mais vulnerável. Igualmente, também geram impactos sobre os preços dos alimentos a instabilidade político-econômica mundial, que contribui para a desvalorização do Real em relação ao dólar e a outras moedas importantes para as contas externas brasileiras.

Fatores históricos e estruturais no Brasil explicam o perfil da população mais vulnerável à insegurança alimentar e sua concentração geográfica em algumas regiões; enquanto a instabilidade econômica, como os desequilíbrios no mercado de trabalho, nos preços da economia (inflação) e nas contas externas explicam os choques sobre os indicadores sociais e de segurança alimentar. Compreender a raiz dos problemas e reconhecer sua natureza é essencial para que as políticas voltadas à segurança alimentar não percam seu rumo: definir uma direção não somente certeira, mas, sobretudo, utilizando mecanismos que garantam sua permanência e sustentabilidade até que os objetivos estruturais de longo prazo sejam atingidos. Ao se atingir esses objetivos de médio e longo prazo, também estaremos assegurando menos sobressaltos e mais resiliência diante de instabilidades e choques de curto prazo.

Sílvia Helena Galvão de Miranda - Pesquisadora do Cepea

Fonte: Portal do Agronegócio

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