Publicado em: 25/08/2025 às 19:59hs
Por que não transformar o fisco em aliado da sustentabilidade? A pergunta parece provocativa — e é. Mas ela nos leva a uma ideia poderosa: a de que os tributos podem deixar de ser apenas instrumentos de arrecadação e se tornarem motores da transformação verde que o Brasil tanto precisa e merece liderar. É exatamente isso que propõe o modelo IVA Eco — uma forma inovadora de utilizar o novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) para premiar empresas que investem em sustentabilidade no campo.
Com a Reforma Tributária aprovada e a criação do IVA dual (IBS/CBS), abriu-se uma janela de oportunidade histórica: redesenhar os tributos para que eles não apenas arrecadem, mas também orientem comportamentos sustentáveis. O IVA Eco propõe que parte do imposto seja recuperada — ou mesmo, devolvida — para empresas que comprovarem que seus fornecedores rurais estão cuidando da saúde do solo, preservando vegetação nativa ou adotando práticas regenerativas.
A lógica é simples e poderosa: quanto mais verde a cadeia de produção, menor a carga tributária efetiva. Mais ainda: isso pode ser feito sem romper a neutralidade fiscal, sem exigir subsídios ou aumento de gastos públicos. O segredo está em usar bem os dados e premiar o bom desempenho ambiental com devoluções proporcionais. E tudo isso de forma auditável, objetiva e conectada a metas reais. Isso só é possível porque o IVA não pode ser cumulativo, ou seja, quando o produtor rural compra os insumos ele paga os impostos e isso deve ser compensado na agroindústria com recuperação de créditos presumidos.
A ideia não é completamente nova. O Brasil já experimenta modelos semelhantes com o ICMS Ecológico — que repassa mais recursos para municípios que preservam a natureza — e com o Programa Mais Leite Saudável, que devolve tributos para laticínios que investem em seus fornecedores. O que o IVA Eco propõe é dar um salto: aplicar essa lógica na tributação nacional das cadeias agroindustriais, com critérios ambientais claros e mensuráveis.
Imagine que uma agroindústria de café, soja ou carne, ao comprar de produtores que têm reserva legal acima da exigida ou manejam o solo com tecnologias regenerativas, possa compensar isso nos impostos no fim do ano. Isso seria possível porque seus fornecedores ajudaram a capturar carbono, evitar desmatamento e melhorar a qualidade do solo — e isso tem valor ambiental, social e econômico.
Entre os indicadores centrais da proposta está o índice BioAS, uma ferramenta da Embrapa que mede a "saúde do solo" com base na atividade microbiana e em características químicas e físicas. É um dos indicadores mais promissores para avaliar se uma propriedade está de fato investindo em práticas sustentáveis. Ele entra na fórmula do chamado SAR — Score Ambiental Realista, que define o quanto da alíquota de IVA poderá ser devolvida.
Mais SAR, mais devolução. Simples assim.
Esse tipo de política tem tudo para se tornar um diferencial competitivo do agro brasileiro. Com novas regras globais como o CBAM (mecanismo europeu de ajuste de carbono na fronteira) e o regulamento europeu contra o desmatamento (EUDR), exportar vai depender cada vez mais da rastreabilidade e do desempenho ambiental das cadeias.
Em vez de ver isso como ameaça, o Brasil pode transformar em oportunidade fiscal, ambiental e diplomática. Com o IVA Eco, o país mostra que sabe medir, premiar e rastrear sustentabilidade. E o melhor: sem depender de subsídios, com base em desempenho real.
Não é só teoria. O artigo original propõe e simula um modelo dinâmico com equações diferenciais que avalia como o crédito tributário e a sustentabilidade evoluem no tempo. Os resultados mostram que, quando calibrado corretamente, o sistema tende à estabilidade: empresas são incentivadas a investir em boas práticas, sem comprometer a arrecadação.
Inclusive, regimes de incentivo mal desenhados (como devoluções indiscriminadas ou políticas instáveis) foram simulados — e os resultados confirmam os riscos fiscais e ambientais. Já o regime de incentivo responsável e gradual mostrou-se eficaz em promover sustentabilidade real com equilíbrio fiscal. Um verdadeiro "ganha-ganha" entre ambiente, governo e setor produtivo.
Esse novo IVA Ecológico não é uma simples compensação fiscal. É uma realocação estratégica de incentivos. O Estado não abre mão de recursos — ele os devolve como reconhecimento por práticas que geram valor coletivo: solos vivos, rios protegidos, florestas preservadas.
Além disso, ao estimular a adoção de práticas que geram créditos de carbono (como ILPF, bioinsumos e fixação biológica de nitrogênio), o modelo cria condições para que os produtores também participem de mercados voluntários de carbono, monetizando boas práticas e reinvestindo na produção sustentável.
Está na hora de inverter a narrativa. A agropecuária brasileira, com todas as suas contradições, tem potência para liderar uma nova economia verde. E isso não virá apenas por comando e controle, mas por inteligência fiscal, instrumentos modernos e reconhecimento de quem já faz diferente.
O IVA Eco é mais do que uma proposta tributária: é um convite à mudança. É um chamado para que pensemos o imposto não como castigo, mas como ferramenta de transformação. E para que vejamos no campo não o vilão da crise climática, mas o protagonista da solução. Vamos usar os impostos parafiscais, aqueles que induzem comportamento, para a solução climática, aumentando a produtividade nas áreas já antropizadas e preservado a vegetação nativa ainda remanescente.
Fonte: CCAS
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