Publicado em: 19/11/2025 às 08:00hs
O novo acordo comercial entre Estados Unidos e China devolveu aos americanos o status de fornecedor preferencial de soja para Pequim. O pacote prevê compras de até 25 milhões de toneladas anuais e redução temporária de tarifas, o que dá um respiro aos produtores dos EUA e uma leve dor de cabeça aos brasileiros. Na prática, isso desloca parte da demanda chinesa justamente no intervalo de embarques de dezembro a fevereiro, quando os americanos são naturalmente mais competitivos.
O Brasil, porém, entra em 2025/26 com expectativa de safra recorde de 178 milhões de toneladas e exportações acima de 110 milhões. Traduzindo: há muita soja e pouco fôlego para preços. O relatório do Itaú BBA é claro: salvo um evento climático severo, os preços devem seguir pressionados. E é aí que o “salvo” vira ponto de atenção.
Os mapas meteorológicos já indicam chuvas prolongadas e irregulares no início da safra. Por enquanto, o solo respira aliviado, mas o La Niña, com probabilidade de 70% para 2026, continua rondando o horizonte. A ironia? Um excesso de chuva agora pode atrasar o plantio e, meses depois, a escassez pode comprometer a colheita. O agro brasileiro vive um roteiro que nem Hollywood ousaria escrever: o drama vem do céu.
Além da China, o Brasil tem ampliado presença em mercados como Indonésia, Irã, Tailândia, Vietnã, México e Egito. Essa diversificação é o antídoto para as dores de depender de um só comprador gigante e temperamental. Mas o diferencial competitivo do futuro não está apenas na geografia, e sim na pegada ambiental. Em tempos de COP30, soja rastreável, certificada e com baixo carbono tende a conquistar prêmios melhores no mercado internacional.
A Europa e alguns países da Ásia já sinalizam pagar mais por cadeias livres de desmatamento e com comprovação de sustentabilidade. É uma virada de chave: o produtor que investir em práticas regenerativas, integração lavoura-pecuária-floresta e uso eficiente de recursos não estará apenas fazendo “green talk”, e sim criando margem. No jogo global da soja, quem descarboniza primeiro negocia melhor e, com sorte, dorme em paz com o clima e com o mercado.
Se o cenário-base se confirmar, com safra cheia e curto apetite chinês pelos grãos brasileiros, o país enfrentará um excesso interno de soja, com reflexos diretos no custo da ração. Farelo mais barato alimenta aves e suínos por menos, o que pode aliviar o preço de ovos e carnes. Não é revolução de supermercado, mas é o tipo de alívio que o consumidor nota no carrinho e o produtor sente no bolso.
Agora, se o La Niña resolver dar show e reduzir produtividade, a lógica inverte: menos soja, menos farelo, proteínas mais caras e margens comprimidas. Nesse roteiro, o risco climático se transforma em risco de crédito. Cooperativas e bancos públicos, que já vêm ampliando provisões, sentem primeiro. E quando o agro espirra, o sistema financeiro pega resfriado.
O resumo é simples e um pouco cruel: o acordo EUA–China melhora o humor diplomático, mas não muda o fato de que o Brasil colhe mais do que o mercado consegue digerir. No curto prazo, o excesso pode deixar ovos e carnes mais acessíveis; no médio, basta uma virada de vento ou de nuvem para mudar o enredo.
Em finanças e no campo, como diria Anthony Bourdain, a vida tem gosto de equilíbrio instável. E a soja, neste momento, é o prato principal de um banquete que o clima ainda pode temperar demais.
Fonte: Comunica PR
◄ Leia outros artigos