Publicado em: 14/10/2025 às 10:10hs
Entre fevereiro e agosto de 2025, a tarifa norte-americana sobre o etanol brasileiro saltou de 2,5% para 52,5%, um aumento de 2.000% em apenas seis meses. Segundo a professora da Esalq/USP e pesquisadora do Cepea, Heloisa Burnquist, essa escalada vai muito além de questões comerciais e revela uma mistura de retaliação política e política comercial que transformou o etanol brasileiro em refém de decisões externas.
O primeiro momento ocorreu em fevereiro de 2025, quando o então presidente Donald Trump anunciou tarifas “recíprocas” contra países que, em sua avaliação, praticavam comércio injusto com os EUA. O etanol brasileiro foi citado como exemplo, considerando que a tarifa americana era de 2,5%, enquanto o Brasil cobrava 18% sobre o etanol norte-americano — uma diferença de 7,2 vezes.
Em abril, veio o segundo ato: Trump aplicou uma sobretaxa de 10% sobre todos os produtos brasileiros, elevando a tarifa do etanol para 12,5%. Apesar do aumento, ainda ficava abaixo da tarifa brasileira, sugerindo inicialmente que a lógica de reciprocidade estava sendo seguida.
O terceiro ato, entre julho e agosto, mudou radicalmente a narrativa. Em carta ao presidente Lula, Trump anunciou uma tarifa adicional de 40% sobre produtos brasileiros, totalizando 52,5% para o etanol. Nesse momento, a justificativa deixou de ser comercial e tornou-se política, resultando em uma tarifa americana 2,9 vezes maior que a brasileira — ironicamente invertendo a lógica inicial.
Quando a tarifa de 50% entrou em vigor em agosto, o governo americano divulgou uma lista de 694 produtos brasileiros isentos da sobretaxa. Entre eles estavam petróleo (8,5 bilhões de dólares em exportações), suco de laranja (990 milhões) e minério de ferro (1,8 bilhão).
Por outro lado, produtos de menor valor, como etanol (200 milhões), café, carnes e açúcar, permaneceram tarifados. Segundo Burnquist, a seletividade das isenções evidencia motivações políticas, com decisões baseadas em lobby e importância estratégica, e não em lógica econômica.
A política tarifária americana também cria contradições ambientais. O etanol brasileiro, produzido a partir da cana-de-açúcar, possui pegada de carbono 60% a 70% menor que o etanol de milho americano. Ele poderia ajudar os EUA a cumprir metas de redução de emissões em programas como o Renewable Fuel Standard e o Low Carbon Fuel Standard da Califórnia.
Ao tornar o etanol brasileiro inviável economicamente, as refinarias norte-americanas terão que recorrer a alternativas domésticas mais poluentes ou mais caras, minando os objetivos de sustentabilidade do próprio país.
Mais do que o valor absoluto das tarifas, o que ameaça o comércio internacional é a imprevisibilidade. Empresas brasileiras que negociaram contratos no início de 2025 esperavam estabilidade relativa. O salto de 2,5% para 52,5% em seis meses destrói confiança, reduz investimentos, encarece financiamentos e dificulta relacionamentos comerciais de longo prazo.
Essa volatilidade, aplicada pela maior economia do mundo, cria precedentes perigosos, corroendo a credibilidade do sistema global de comércio baseado em regras construídas ao longo de décadas.
Fonte: Portal do Agronegócio
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