Publicado em: 24/07/2025 às 09:30hs
O agronegócio brasileiro tem sido um pilar de crescimento e geração de riqueza no país, especialmente nas últimas décadas. Um dos grandes marcos dessa transformação foi o fortalecimento da segunda safra — ou safrinha, como é popularmente conhecida. Hoje, esse termo já não condiz com sua real importância: a produção da safrinha de milho se tornou gigantesca, impulsionada por avanços em mecanização, nutrição vegetal e genética.
Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em 25 anos, a área dedicada à safrinha de milho saltou de 2,5 milhões para 17 milhões de hectares. A produtividade também quase dobrou, passando de 46,7 para 88,8 sacas por hectare. O resultado é uma produção que subiu de menos de 10 milhões para cerca de 100 milhões de toneladas — colocando o Brasil como maior exportador global do grão em 2023.
A expansão da safrinha abriu espaço para novas cadeias de valor, sendo o etanol de milho uma das principais. Essa alternativa ganhou tração nos últimos anos e hoje representa uma revolução silenciosa no setor de combustíveis.
Até 2016, a produção era praticamente experimental. Mas no último ciclo, usinas do Centro-Sul produziram mais de 8 bilhões de litros — quase um terço do total da produção da indústria de etanol de cana-de-açúcar. Empresas como Inpasa e FS Bio surgiram como protagonistas, e novos projetos são anunciados frequentemente. A estimativa é que a produção ultrapasse 10 bilhões de litros em breve.
Além do etanol, a produção de milho gera o DDG (Distillers Dried Grains), um subproduto rico em nutrientes que pode beneficiar a pecuária brasileira. Nos EUA, o DDG já é amplamente utilizado na alimentação de gado, substituindo parcialmente o farelo de soja e milho. Com um dos maiores rebanhos do mundo, o Brasil tem alto potencial para incorporar o DDG e intensificar sua pecuária, otimizando o uso da terra e agregando valor à produção.
O setor de etanol no Brasil já é maduro, com sua principal demanda voltada ao uso como combustível (etanol carburante). O avanço da produção de etanol de milho traz um novo desafio: como absorver esse volume adicional?
Dois diferenciais tornam o etanol de milho ainda mais competitivo:
Esse cenário tem pressionado a precificação do etanol, com a paridade em relação à gasolina (índice que orienta a competitividade do etanol) caindo abaixo dos tradicionais 70%, inclusive durante a entressafra da cana — um período historicamente marcado por preços mais altos.
Historicamente, a indústria de etanol no Brasil foi estruturada em torno da cana-de-açúcar, especialmente no interior paulista. Apoiada por políticas públicas e diferenciais tributários, manteve-se como pilar econômico por décadas.
Contudo, a ascensão do milho mudou o jogo. Em junho, o governo elevou a mistura obrigatória de etanol anidro na gasolina de 27% para 30% (E30), buscando equilibrar oferta e demanda. Mas a medida apenas adia a pressão: com a demanda por gasolina girando em torno de 44,4 bilhões de litros ao ano, o aumento geraria apenas 1,3 bilhão de litros adicionais de etanol — volume insuficiente frente à expansão prevista do milho.
A diferença de competitividade entre as duas rotas de produção é gritante. Na última safra, segundo a São Martinho, o custo para produzir 1 litro de etanol a partir da cana foi de R$ 2,84. Já a FS Bio, produtora de etanol de milho, registrou custo de R$ 1,55 por litro — uma diferença de quase 45%. Essa discrepância tem gerado margens negativas para as usinas de cana e as obriga a focar na produção de açúcar para manter a rentabilidade.
Grandes grupos como a Raízen têm enfrentado dificuldades. Em outubro do ano passado, a empresa promoveu uma reestruturação em sua gestão, buscando otimizar o portfólio e melhorar a eficiência diante da crescente concorrência.
Apesar do crescimento acelerado, o setor de etanol de milho também enfrenta desafios. Dois pontos são cruciais para manter sua vantagem no médio prazo:
Assim como revoluções históricas mudaram o rumo de países e setores econômicos, a ascensão do etanol de milho no Brasil representa uma transformação profunda no mercado de biocombustíveis. A competitividade da nova rota pressiona uma indústria secular, altera a lógica de preços e demanda respostas rápidas das usinas de cana e do próprio governo.
Se os projetos de expansão forem concretizados, o setor terá que redefinir suas estratégias — e a tradicional hegemonia da cana-de-açúcar poderá, de fato, estar diante de sua maior guinada em décadas.
Fonte: Portal do Agronegócio
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