Etanol

Etanol de milho: como superar os cinco desvios mais comuns na fermentação

É difícil encontrar no Brasil outros exemplos recentes de avanço tão expressivo na produção quanto a do etanol de milho.


Publicado em: 25/04/2024 às 08:00hs

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A expectativa da União Nacional do Etanol de Milho (Unem) é que a safra 2023/2024 renda 6 bilhões de litros, volume 800% maior que o de cinco anos atrás e 36% maior que o da safra anterior¹. Índices como esses são comuns em arrancadas de atividades novas ou pouco exploradas, claro, mas o desempenho superlativo ainda é esperado para os próximos anos. Até a safra 2030/2031 a produção interna de etanol de milho deve chegar a quase 10 bilhões de litros2 – resultado que pode ser alcançado não apenas pela expansão da capacidade das usinas, mas também com alguns cuidados em quesitos técnicos.

Toda a atenção é necessária até para transformações em nível microscópico que acontecem no processo de fermentação, que são capazes de diminuir a produtividade e a qualidade do produto final. Gostaria de comentar cinco fatores no processo fermentativo que os fabricantes de etanol de milho não podem perder de vista. 

O primeiro deles é o descontrole de temperatura, ponto recorrente nas usinas – principalmente no Brasil, onde grande parte das instalações fica em regiões como o Centro-Oeste, que apresenta temperaturas elevadas em grande parte do ano. É o mesmo caso do Nordeste brasileiro, região apontada como detentora de grande potencial para instalações de novas unidades de produção de biocombustíveis.

Alterações de 2ºC a 3ºC já podem criar efeitos importantes na produtividade do etanol de milho. E a partir dos 37ºC existem alterações relevantes no resultado final da quantidade de etanol produzida. Outra questão é a refrigeração das dornas. Muitas indústrias acabam por expandir o número de dornas instaladas, mas o sistema de refrigeração não passa por uma expansão equivalente. Em casos em que há essa defasagem no sistema de refrigeração, escolher e priorizar o resfriamento de bateladas mais “jovens” é o caminho mais assertivo para se manter o processo fermentativo estável, uma vez que as horas iniciais de uma batelada são as mais sensíveis. Optar por leveduras mais robustas – e que possam suportar ambientes de temperatura mais elevada – também é uma alternativa. 

A falta de controle do teor de sólido nos fermentadores é outro ponto importante. Existe uma média de sólidos no processo produtivo do etanol o qual é definido para cada processo e reflete diretamente em seu rendimento de etanol. Como todo processo, descontroles podem acontecer, e uma pequena variação, algo em torno de 8-10% nessa concentração de sólidos prejudica o tempo de fermentação, tornando-o mais lento, alterando a estabilidade do processo e gerando altos custos de recuperação. A resolução de casos como esse está na diluição dos fermentadores, com água filtrada ou desmineralizada, por exemplo. Alguns metros de tubulação e uma pequena bomba para aplicar o solvente geralmente bastam para corrigir o problema: trata-se de um investimento pequeno, e que se paga rapidamente. 

Falhas no processo de limpeza também podem comprometer a produtividade do etanol de milho. Essas falhas podem ocorrer nas tubulações de alimentação e no processo de limpeza do próprio fermentador. O usual é que esse tipo de instalação utilize sistemas de lavagem por aspersão (spraying systems), mas essa ferramenta sem a manutenção adequada faz com que acúmulos de sujidade proporcionem aumento de acidez. A acidez elevada diminui a produtividade em grandezas que podem chegar a R$ 100 mil, R$ 150 mil de prejuízo por batelada de etanol. A recomendação aqui, além dos sistemas de spray, é a limpeza periódica de todo o sistema e, em caso viável, a aplicação de solução de hidróxido de sódio. 

Outro ponto de atenção são as dosagens de insumos. Considero este o tipo de erro mais difícil de ser identificado, pois a dosagem de insumos é como uma receita de bolo. É preciso misturar os ingredientes e dar tempo para que a receita fique pronta. A dosagem incorreta de um dos insumos – a levedura em si, ureia, nutrientes, glucoamilase – pode levar à perda de eficiência na operação. Aqui, a automação do processo de dosagem nos fermentadores é ponto chave para se garantir que os procedimentos sejam realizados nos momentos corretos e de forma assertiva.

Também existe o desvio acumulativo. Esse processo é normal, e faz parte de um sistema cíclico de produção de etanol. Mas o fato é que o processo de fermentação gera ácido, para além de falhas de manutenção e limpeza. Parte desse resíduo, o backset, é inclusive reaproveitado no processo, mas níveis mais altos de acidez proveniente do ácido lático e ácido acético podem gerar a morte celular das leveduras, o que gera lentidão no processo de fermentação. O acompanhamento da tendência de acúmulo de acidez e a eventual “purga” ou redução de backset é essencial para esse controle. Uma outra alternativa é a correção da acidez do processo com o uso de químicos, como soluções de ácido sulfúrico ou hidróxido de sódio.

Como evitar 90% dos problemas de natureza como essas apontadas aqui? O engajamento operacional é crucial. Portanto, conhecer bem sua equipe e mantê-la motivada e informada é uma das tarefas essenciais dos gestores industriais das usinas. 

Pedro Sá - É engenheiro químico e gerente de Serviços Técnicos na IFF para Grain Processing 

Fonte: 2PRÓ Comunicação

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