Mercado Financeiro

Restrição de crédito do Banco do Brasil a produtores em recuperação judicial gera insegurança no campo

Decisão do banco estatal preocupa juristas e produtores, que veem violação de direitos e risco de agravamento da crise no agronegócio


Publicado em: 31/10/2025 às 10:20hs

Restrição de crédito do Banco do Brasil a produtores em recuperação judicial gera insegurança no campo
Banco do Brasil endurece política de crédito e acende alerta no agronegócio

A decisão do Banco do Brasil (BB) de restringir o acesso ao crédito a produtores rurais que ingressarem com pedidos de recuperação judicial (RJ) provocou forte reação entre advogados e representantes do setor agrícola. Especialistas avaliam que a medida pode intimidar produtores em dificuldade financeira e contrariar princípios legais do crédito rural.

De acordo com o advogado Raphael Condado, especialista em Direito do Agronegócio, o posicionamento do banco representa “uma tentativa de desestimular o produtor a exercer seus direitos”. Para ele, a decisão do BB afronta o Estado Democrático de Direito, aumenta a insegurança jurídica no campo e compromete o equilíbrio econômico do setor.

Recuperações judiciais no agro disparam em 2025

O número de produtores rurais em recuperação judicial vem crescendo rapidamente. Segundo levantamento da Serasa Experian, 565 pedidos foram registrados apenas no segundo trimestre de 2025 — um aumento de 31,7% em relação ao mesmo período do ano anterior. Em 2024, o total chegou a 1.272 solicitações, mais que o dobro do observado em 2023.

Dados do Broadcast Agro apontam que as dez empresas do setor com maiores passivos em recuperação acumulavam R$ 15,7 bilhões em dívidas até junho de 2025. Diante desse cenário, o Banco do Brasil, responsável por mais da metade do crédito rural nacional, passou a adotar uma postura mais rígida.

Em evento recente, o executivo Felipe Prince, representante do banco, declarou que produtores que entrarem com pedidos de recuperação judicial “não terão crédito hoje, amanhã nem nunca mais”, declaração que acirrou o debate sobre a função social do crédito rural.

Juristas afirmam que medida fere princípios da política agrícola

Para o advogado Raphael Condado, a fala de representantes do Banco do Brasil é incompatível com a natureza pública da instituição. Ele lembra que a Lei do Crédito Rural (Lei nº 4.829/65) estabelece que o financiamento agrícola deve promover o desenvolvimento da atividade rural, e não ser usado como instrumento de retaliação.

“O crédito rural existe para fomentar o campo, não para punir o produtor. A recuperação judicial é um instrumento legal e legítimo, previsto na Lei nº 11.101/2005, que permite reorganizar dívidas, preservar empregos e garantir a continuidade da produção”, ressalta Condado.

Recuperação judicial é alternativa legal para manter a produção ativa

A recuperação judicial é um mecanismo fiscalizado pelo Poder Judiciário e tem como objetivo evitar a falência, permitindo que empresas e produtores reestruturem suas finanças sem interromper suas atividades.

“O produtor rural é uma empresa a céu aberto, exposta a riscos climáticos, de mercado e de preços. A recuperação judicial não é um privilégio, mas uma ferramenta legal para preservar a produção”, reforça Condado.

Leis garantem proteção e renegociação de dívidas aos produtores

Antes de recorrer à recuperação judicial, o produtor rural dispõe de outros mecanismos legais de proteção financeira. Entre eles, o alongamento e a prorrogação de dívidas em casos de perdas causadas por estiagem, queda de preços ou aumento de custos de produção.

Esses direitos estão previstos na Lei da Política Agrícola (Lei nº 8.171/97) e na Constituição Federal, que reconhece o direito à alimentação como fundamental, associando-o diretamente à produção agrícola nacional.

“O crédito desaparece primeiro, e só depois o produtor pensa em pedir recuperação judicial. O que falta hoje é diálogo e acesso efetivo ao financiamento. O banco público deve ser parceiro do produtor, e não um adversário”, conclui Condado, ressaltando que a recuperação judicial deve ser o último recurso, mas nunca motivo de punição.

Fonte: Portal do Agronegócio

◄ Leia outras notícias