Mercado Financeiro

Créditos de carbono no campo: é possível monetizar a reserva legal e APP?

Luciana Camponez Pereira Moralles é advogada especialista na área Ambiental e Regulatória e sócia do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.


Publicado em: 05/11/2025 às 08:00hs

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Minha reserva legal e área de preservação permanente me elege para emitir créditos de carbono? Esse é um dos questionamentos mais recorrentes entre proprietários rurais diante da recente entrada em vigor da Lei Federal nº 15.042/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões.

A dúvida é legítima: se as áreas de Reserva Legal (RL) e de Preservação Permanente (APP) são protegidas por obrigação legal conforme o Código Florestal, Lei Federal nº 12.651/2012, seria possível gerar créditos de carbono por manter essas áreas conservadas? A resposta, à luz da nova legislação, é sim, porém o princípio da adicionalidade impede que projetos de geração de carbono sejam elegíveis para tanto.

A Lei Federal nº 15.042/2024, artigo 43, parágrafo 17º e 46, que institui o mercado regulado expressamente reconhece a aptidão dessas áreas para gerar créditos de carbono, desde que cumpram os requisitos técnicos e regulatórios de mensuração, verificação e registro. Contudo, surge o debate sobre o critério da adicionalidade, tradicionalmente exigido nos mercados de carbono, o qual questiona se a conservação já obrigatória por lei pode ser considerada uma mitigação “adicional”.

Importante entender os conceitos legais estabelecidos no Código Florestal, para entender a relação desta norma com a lei do mercado de carbono regulado. Assim, por Reserva Legal, a Lei Federal nº 12.651/2012 define, em seu art. 3º, inciso III e 12º, a área situada no interior de uma propriedade ou posse rural que deve ser mantida com vegetação nativa, com a finalidade de assegurar o uso sustentável dos recursos naturais, a conservação dos processos ecológicos e da biodiversidade.

A extensão da Reserva Legal obrigatória varia conforme a localização geográfica do imóvel: 80% para áreas de floresta na Amazônia Legal, 35% para cerrado dentro da Amazônia Legal e 20% para as demais regiões. O art. 3º, inciso II, da referida lei, por sua vez, define área de proteção permanente como área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, tais como as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, as encostas com declividade superior a 45 graus, as restingas, os manguezais, os topos de morros, as bordas de tabuleiros ou chapadas, e as veredas.

E aí vem a pergunta, o que é adicionalidade? Eu preservo 20% da minha área com cobertura vegetal, nesse cenário de mudança climática não tem valor nenhum? Estar em conformidade ambiental não me gera benefícios econômicos?Na lógica do homem comum, essas perguntas são pertinentes, vez que a mídia constantemente menciona que o agro brasileiro irá se beneficiar do mercado de crédito de carbono e que as áreas rurais serão elegíveis para gerar crédito de carbono.

Porém, na prática, a monetização da conservação dessas áreas dentro das propriedades rurais não ocorre, ou porque não há adicionalidade ou porque é muito pequena para ganhar escala e garantir o custo dos projetos. O conceito de adicionalidade, embora não expressamente previsto na legislação ambiental brasileira, foi desenvolvido no âmbito internacional e trata-se de critério utilizado para verificar se os benefícios ambientais, notadamente a redução de emissões de gases de efeito estufa, são efetivamente decorrentes da implementação do projeto, sendo, portanto, adicionais ao cenário de referência.

A partir da leitura sistemática da Lei Federal nº 15.042/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), e do Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012), analisa-se a compatibilidade entre a legalidade da proteção dessas áreas e o princípio da adicionalidade, bem como os efeitos da legislação brasileira frente aos padrões de integridade ambiental dos mercados de carbono.

Após a edição dessa Lei estabeleceu-se a possibilidade de emissão de créditos de carbono a partir da conservação de vegetação nativa protegida por lei. Em tese, a adicionalidade deixa de ser um critério absoluto e passa a ser ponderado em função da realidade normativa e socioambiental brasileira, entretanto, considerando que a norma é recente e o mercado de crédito de carbono não aplica esta lógica nos projeto de crédito de carbono, é alta a probabilidade de que os proprietários rurais tenham dificuldade para monetizar a preservação e conservação das florestas existentes em suas propriedades rurais que sejam decorrente do cumprimento do Código Florestal.

Ao reconhecer a aptidão das áreas de preservação permanente e reservas legais para gerar créditos de carbono, o ordenamento jurídico brasileiro confere valor econômico à manutenção dos ecossistemas e promove um modelo de desenvolvimento sustentável mais justo e eficaz.

Fonte: Growth Comunicação

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