Publicado em: 10/03/2022 às 17:00hs
Uma decisão tida como positiva, contribuindo para a redução das emissões de GEE no setor dos transportes, transformou-se em algo que impulsionou a procura de biodiesel barato à base de culturas alimentares, como são exemplos o óleo de palma e de soja, que provêm principalmente da Ásia e da América do Sul. Como consequências desta procura, resultaram enormes impactes sobre os ecossistemas naturais convertidos em áreas agrícolas para suprir a procura.
A revisão da Diretiva das Energias Renováveis (REDII) [1], aprovada em 2018, aponta o caminho para (lentamente) se afastar dos biocombustíveis produzidos a partir de culturas alimentares para consumo humano e animal, concentrando-se nos combustíveis avançados (tais como os biocombustíveis a partir de desperdícios e resíduos e eletricidade renovável).
Os óleos vegetais virgens como a colza, palma e soja, constituíram em 2020 quase 80% da matéria-prima utilizada na produção de biodiesel na UE em 2020. Por exemplo, o óleo de palma com 8,1 Milhões de toneladas, dos quais 58% foram utilizados para a produção de biodiesel, atingiu o nível mais elevado da última década, durante a qual o seu consumo triplicou.
Desde 2010, a Europa queimou cerca de 39 milhões de toneladas de biodiesel de palma e soja nos seus automóveis e camiões, emitindo até três vezes mais emissões de CO2 do que o gasóleo fóssil que substituiu. É provável que cerca de 4 milhões de hectares de florestas tenham sido destruídas posteriormente, eliminando cerca de 10% do que resta de habitats mundiais favoráveis para os orangotangos.
Em Portugal, e segundo os dados para os primeiros três trimestres de 2021, foram produzidos 216 763 m3 de biodiesel, seja ele FAME ou HVO. Destes, cerca de 70% resultou da utilização de matérias residuais como Óleos Alimentares Usados, como oleínas ácidas, gordura animal, resíduos da indústria das margarinas, glicerina, e 30% de óleos alimentares virgens como a colza, soja e oleína de palma.
A produção nacional e a importação de biocombustíveis resultaram em mais de 42 milhões de litros de biodiesel produzidos a partir de óleo de palma e resíduos de palma, cerca de 13,28% do biodiesel, que contribuíram inequivocamente para o impacte sobre ecossistemas a milhares de quilómetros de distância.
A ZERO considera fundamental o abandono na utilização de óleos alimentares para a produção de biocombustíveis, direcionando para a sua produção matérias residuais, de entre as quais se contam os Óleos Alimentares Usados, gorduras animais, e outros resíduos. Contudo, não nos podemos esquecer que os resíduos passíveis de utilização são limitados. Como tal, há certos aspetos que é necessário acautelar.
É essencial a credibilização da utilização de matérias residuais, com uma rastreabilidade que garanta o combate a eventuais fraudes resultantes da adulteração das matérias-primas importadas como por exemplo nos óleos alimentares usados, onde hoje existem algumas suspeições sobre o que verdadeiramente é importado em grandes quantidades de países tão distantes como a China, a Indonésia ou a Malásia.
De igual forma, é importante que no âmbito da economia circular seja dado o cumprimento à cascata de resíduos, com a sua utilização, quando possível, para a produção de produtos de maior valor. Não obstante é de referir que em algumas situações, e decorrente da legislação em vigor, por exemplo, no caso dos subprodutos animais incluídos na categoria 1 e 2, não é possível qualquer utilização industrial para além da valorização energética com a produção de biocombustíveis. Já os subprodutos da categoria 3 poderão ser valorizados em outras indústrias, como por exemplo, na produção de ração para animais domésticos, e somente em último recurso para numa lógica de valorização energética.
É claro que num mundo onde se torna urgente a diminuição das emissões resultantes da queima, o primeiro passo é abandonar a utilização de combustíveis fósseis, mas outros passos se seguirão rumo à sustentabilidade.
Fonte: Ong Zero
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