Publicado em: 04/09/2014 às 10:50hs
Menos de uma semana após o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmar que o país mergulhou numa recessão técnica entre janeiro e junho, o Banco Central ignorou a debilidade do quadro econômico e, contrariando os anseios do próprio governo, resolveu ontem manter inalterada a taxa básica de juros. Em decisão unânime e amplamente esperada pelo mercado financeiro, os integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom) mantiveram a taxa Selic em 11% ao ano.
Com a decisão, o Brasil se mantém firme no posto de campeão internacional no ranking de juros reais elevados, à frente de países como China, Índia e Rússia. Enquanto na maior parte do mundo os juros básicos caíram para perto de zero, nos mercados emergentes vale a receita de sempre: elevar o custo do dinheiro para segurar a inflação e, de quebra, atrair investidores de curto prazo, acenando com as taxas nas alturas.
Não foi à toa, porém, que o BC decidiu manter a Selic. Apesar de ter se mostrado mais comportada nos últimos meses, a carestia continua elevada. Em 12 meses, até julho, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA) mostra avanço de 6,5%. Foi a segunda vez no ano que o indicador encostou no teto da meta fixada pelo governo, de 4,5%, com tolerância de dois pontos para cima ou para baixo.
No radar da autoridade monetária, preocupa também o risco de fuga de capitais. Neste ano, o fluxo de entradas e saídas de dólares, que já havia fechado no vermelho em fevereiro, maio e junho, ficou negativo em US$ 3,056 bilhões em agosto - o maior rombo do ano, o que mostra que, mesmo com juros altos, o Brasil tem enfrentado dificuldade para atrair investidores estrangeiros (veja matéria na página 9).
Plano de voo
No comunicado que se seguiu à decisão do Copom, o BC tratou ainda de afastar a possibilidade de reduzir a Selic neste ano, conforme percepção que ganhou corpo no mercado financeiro. Na nota, o BC suprimiu a expressão "neste momento", que constava do documento da reunião de julho.
Naquela ocasião, o mercado financeiro entendeu que se tratava de uma sinalização de que o BC poderia cortar a Selic devido o baixo desempenho da economia. "Mas era justamente o contrário", observou ontem o estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno. "Em julho, o "neste momento" indicava que uma alta de juros, e não um corte da taxa, poderia ser usada como espécie de carta para vencer uma inflação persistentemente elevada, que já havia rompido o teto da meta, de 6,5% ao ano", disse.
Agora, emendou o economista, a retirada da expressão sinaliza que o plano de voo do BC será manter os juros inalterados ainda durante um longo tempo, o que praticamente enterra um objetivo perseguido pessoalmente pela presidente Dilma Rousseff, de entregar uma Selic mais baixa do que a de 10,75% recebida de seu antecessor no cargo e mentor político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Tão logo assumiu o cargo, em 2011, Dilma comandou um processo de queda dos juros a fórceps. A estratégia deu certo por um curto período. Durante seis meses, a Selic se manteve na mínima histórica, 7,25% ao ano, mas voltou a subir para tentar estancar uma arrancada perigosa da inflação. Em um ano, a taxa avançou 3,75 pontos, até chegar ao patamar atual, que vigora desde abril. Se for mantida até dezembro, será a comprovação de que Dilma perdeu a batalha contra os juros.
Tarifaço
Pior do que isso. Independentemente do resultado das eleições presidenciais em outubro, o próximo governo deverá comandar um forte aperto nos juros, para conter uma inflação que corre o risco de fugir ao controle. "A situação, que já é bastante delicada hoje, deverá ficar ainda pior em 2015", disse o economista-chefe da Franklin Templeton Investments, Carlos Thadeu Filho. "No ano que vem, seja quem for o presidente eleito, deverá haver um tarifaço de preços administrados, como gasolina e tarifas de energia elétrica, com correções que deverão pesar no bolso dos consumidores."
Pelas contas dele, o IPCA deverá avançar para 6,6%, rompendo, pela primeira vez desde 2003, o teto da meta. Além do reajuste de administrados, Thadeu Filho projeta uma pressão adicional, em 2015, dos preços de serviços, que, mesmo diante de uma economia em marcha lenta, ainda não desaceleraram o suficiente e continuam pressionando a renda das famílias. É por isso que, mesmo sob a ameaça de o país registrar crescimento nulo este ano, o BC se manterá vigilante para evitar um descontrole maior do custo de vida.
"A percepção é de que o Copom está monitorando bem mais a inflação do que o crescimento, e não podia ser diferente", assinalou. Mesmo dentro do governo, o sentimento é de desalento. "O PIB deste ano já está dado", reconheceu uma fonte da equipe econômica. Ela avisou que ainda este mês o Banco Central deverá alterar a projeção de crescimento da economia, até agora mantida em 1,6% ao ano. "Certamente, essa estimativa cairá para abaixo de 1%", afirmou.
Cavalo de pau
As apostas no mercado financeiro são ainda mais baixas. O boletim Focus, que coleta informações nos departamentos econômicos de cerca de 100 bancos e corretoras, crava elevação de apenas 0,52% este ano. A previsão também é considerada otimista, já que boa parte dos economistas ainda não teve tempo de corrigir as estimativas, que foram feitas antes de o IBGE confirmar que o país entrou em recessão. Thadeu Filho é enfático: "Na melhor das hipóteses, a alta do PIB neste ano será de apenas 0,3%", disse. "Mas já há gente séria no mercado financeiro falando em crescimento nulo em 2014", assinalou.
Com a inflação ainda resistente, observou o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa, o BC não terá saída a não ser manter os juros elevados, apesar do baixo crescimento da economia. "Não dá para voltar a 2011, quando, mesmo com o IPCA acima de 7%, o BC deu um cavalo de pau na política monetária e anunciou um corte de juros que deixou todo mundo sem entender nada", disse. "O resultado dessa decisão já é conhecido: não só a inflação não cedeu como o a autoridade monetária perdeu credibilidade, o que prejudicou ainda mais a tarefa de controlar os preços", sentenciou.
Fonte: Correio Braziliense
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