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Aposta do mercado em alta do dólar dá lucro de R$ 20,1 bilhões ao BC

A fatura para o mercado bancar a proteção contra uma possível disparada do dólar chegou a R$ 20,17 bilhões no acumulado deste ano até junho, valor contabilizado como lucro em favor do Banco Central


Publicado em: 19/08/2014 às 10:40hs

Aposta do mercado em alta do dólar dá lucro de R$ 20,1 bilhões ao BC

Esse é o total que empresas e investidores tiveram de desembolsar em operações de proteção contra a variação do dólar, o chamado hedge cambial, feitas por meio dos contratos de swap do Banco Central.

Na prática, as operações de swap ampliam a oferta de dólar no mercado, o que ajuda a definir a cotação da moeda. Quanto mais operações o BC faz, maior a pressão para baixar a cotação do dólar. Em sua política de "Ração diária", o BC oferece e retira dólares do mercado.

O valor inclui tanto a liquidação das operações quanto o pagamento de juros que precisa ser feito mensalmente nas operações. O lucro, que está registrado no relatório fiscal do BC, é recorde. Nunca antes a autoridade monetária obteve um ganho tão elevado com essas operações de hedge.

Mas a estratégia embute riscos ao BC. Os swaps são uma espécie de aposta. Se o dólar variar mais que a taxa de juros interbancária (CDI), o BC perde. Se for menor, ele ganha. Não se paga o valor integral no vencimento, mas apenas a variação do dólar acrescida de uma taxa -no caso, a Selic. Por isso, quando se diz que o BC colocou US$ 91 bilhões no mercado em swaps, não é tudo em dinheiro vivo, mas apenas uma referência. Até agora, o BC ganhou. Na prática, tem jogado pressão para manter o dólar estável com o aumento da oferta de moeda.

O economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, descreve o cenário como "dolarização" da economia. "Nunca pensei que tivesse de usar essa palavra, mas o mercado está se dolarizando. O clima é de derrotismo. O mercado procura se defender fugindo para o dólar", diz. "Mas eu não compartilho de todo esse pessimismo. Acho que é uma aposta equivocada." A "dolarização" do mercado se configura quando há compra de dólar por investidores motivada pela expectativa de elevação da moeda no futuro.

Até agora, o BC colocou no mercado US$ 91 bilhões em hedge, volume que, avalia-se, pode chegar a US$ 110 bilhões até o fim do ano. Toda essa preocupação e o aumento da oferta de hedge pelo governo tem base no endividamento em moeda estrangeira.

A dívida de curto prazo dos bancos, aquela com até um ano de vencimento, está em US$ 39,230 bilhões, segundo o BC. Nas empresas, o volume soma US$ 401 milhões. Os empréstimos entre empresas já bateram em US$ 193,5 bilhões em junho - desde o início do governo Dil-ma, essa dívida cresceu 82,74%. "Esses empréstimos não necessariamente se convertem em investimento produtivo", explica Mauro Schneider, economista-chefe da CGD Securities.

O Banco Central garante, porém, que não faltara proteção e afirma que o endividamento ex-temo não preocupa. O diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, disse, na última sexta-feira, que as dívidas das empresas brasileiras no exterior permanece pequeno e há solidez das "firmas não financeiras".

No entanto, diante de incertezas, principalmente no cenário político, as empresas preferem não se arriscar. O grupo de alimentos JBS, por exemplo, informou que manterá sua política de hedge cambial. O alto custo de carregamento do hedge foi, segundo a própria companhia, um dos principais responsáveis pela queda de 24,9% no lucro líquido no segundo trimestre. No período, o custo da operação foi de, aproximadamente, R$ 350 milhões. De abril a junho, o resultado financeiro líquido da companhia ficou negativo em RS 1,807 bilhão - 64,9% acima de igual período de 2013.

"Neste momento de incertezas no lado político, a melhor estratégia é não estar exposto ao dólar", disse o presidente global do grupo de alimentos, Wesley Batista, em teleconferência com analistas e investidores na sexta-feira Outra empresa que também está pagando caro pela proteção é a Gol, que reconheceu perda contábil de R$ 40,1 milhões nas operações de hedge. Apenas com câmbio, a perda foi de R$ 29,3 milhões; com juros, R$ 21,5 milhões.

Incertezas. As incertezas em relação à economia americana também influenciam as operações. A retomada da atividade nos EU A, embora positiva no cenário internacional, pode ter um efeito colateral desvantajoso para o Brasil, com migração de capital para lá. Com a esperada elevação de juros naquele país, aumenta a perspectiva de alta do dólar aqui. Somado a isso, uma eventual deterioração do cenário doméstico, com quadro de baixo crescimento e inflação alta, estimula ainda mais a busca por proteção cambial.

Para Sidnei Nehme, economista e sócio-diretor da NGO Corretora, o BC espera que, com a retomada da economia, em algum momento, os fluxos de capitais estrangeiros para o Brasil sejam reforçados e, com isso, a autoridade monetária possa retirar gradualmente os swaps oferecidos. "A fragilidade da economia no Japão e na Europa dá um pouco mais de prazo para o capital permanecer no Brasil. Mas, depois das eleições, e com a recuperação dos EUA deve haver uma saída maior de recursos", diz.

Fonte: O Estado de S.Paulo

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