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Agro brasileiro deve seguir crescendo em 2021, mas clima e dólar instável preocupam

A expectativa de retomada econômica no Brasil e no mundo no pós-pandemia, o apetite da China por grãos e proteínas animais, a manutenção do dólar em patamares altos, a resiliência e o vigor que o setor demonstrou neste ano, sendo o único com PIB positivo, e os avanços em logística devem garantir bons resultados para o agro em 2021


Publicado em: 27/11/2020 às 18:20hs

Agro brasileiro deve seguir crescendo em 2021, mas clima e dólar instável preocupam

Mesmo com o aumento da pressão externa sobre o Brasil, por causa da questão ambiental -- o que deve ganhar força a partir da eleição do democrata Joe Biden para a presidência dos EUA --, especialistas afirmam que as principais dúvidas para que o cenário positivo se confirme estão relacionadas ao comportamento do dólar e do clima.

As estimativas preliminares da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indicam que a safra de grãos 2020/2021 deve atingir 268,7 milhões de toneladas, alta de 4,2% em relação ao ciclo anterior. No caso da soja, a área plantada deve crescer 2,5% e a produção atingir 133,7 milhões de toneladas, um novo recorde. Para o milho, a projeção é de alta de 2,6%, para 105,2 milhões de toneladas.

Para os analistas, conta como fator positivo a venda antecipada de mais da metade da nova safra de soja, que começa a ser colhida em janeiro, assim como a comercialização de 30% a 40% da produção de açúcar estimada para o próximo ano e de 15% do previsto para 2022, o que abre espaço para o setor sucroalcooleiro migrar novamente para o etanol, de olho na esperada alta do consumo do combustível.

Ainda entra na equação um aumento de receita, com a venda de créditos de carbono por meio do programa RenovaBio. A exportação de carnes pode não ter o mesmo ritmo acelerado de 2020, mas o mercado interno deve crescer e equilibrar a balança.

Fernando Pimentel, sócio-diretor da Agrosecurity, calcula que o país pode produzir mais de 135 milhões de toneladas de soja e mais de 105 milhões de toneladas de milho, mas a falta de chuva em setembro e no começo de outubro poderá estreitar as janelas de plantio de milho e algodão. Além disso, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) vai depender do dólar se manter alto. "Um nível de R$ 5 baixo pode neutralizar os eventuais ganhos do PIB puxado pelas exportações."

O sócio da Agroconsult Fabio Meneghin lembra que o produtor já era competitivo no mercado ex- terno com o dólar a R$ 4. Ele teme que o aumento da inflação possa levar o Banco Central a elevar os juros, o que poderia baixar o dólar para R$ 5,10 ou R$ 5,20. "Mesmo assim, o real vai ficar ainda bem desvalorizado por 12 ou 18 meses."

O câmbio ainda vai ajudar o setor, avalia Marcos Fava Neves, professor da USP e da FGV, especialista em planejamento estratégico do 17 agronegócio. Mas a grande interrogação, diz, é se o clima no Brasil vai permitir a produção dos 270 milhões de toneladas de grãos.

Embora uma eventual queda do dólar possa impactar o agronegócio, também há um efeito positivo, pois reduzem-se os custos de produção, observa Victor Ikeda, consultor de 18 grãos do Rabobank. "O importante é não haver descasamento de moedas entre a compra dos insumos e a venda da safra." Um aspecto positivo, diz ele, é que a China deve manter a estratégia de importar alimentos além da sua necessidade.

Mas os bons resultados do agronegócio em 2021 também vão depender da evolução da pandemia, avalia Marcos Jank, coordenador do Insper Agro. "O fato é que sabemos muito pouco sobre essa doença, mas a retomada de crescimento num cenário de pandemia controlada será com certeza positiva." Olhando um pouco mais à frente, o resultado das eleições americanas também pode ter reflexos no agro brasileiro.

Para Jank, a vitória de Biden levará Brasília a abrir novos canais de interlocução com o governo americano e a buscar uma equidistância mais prudente em sua política comercial com EUA e China.

Para ele, a pecuária será a mais afetada pela eleição do democrata, que indicou que a redução do desmatamento na Amazônia é uma de suas bandeiras. Isso porque a cria de bezerros é a primeira ocupação agropecuária em áreas desmatadas do bioma. Já os biocombustíveis podem ganhar espaço na agenda internacional, com a volta dos EUA ao Acordo de Paris.

Independentemente da mudança de comando nos EUA, analistas consideram necessário reverter a imagem consolidada neste governo, de que o Brasil é um país que desmata, sobretudo após o descontrole das queimadas em 2020. "Passou da hora de prestar atenção ao desmatamento e reverter essa imagem ruim do país. Se queremos vender ao mercado global, precisamos nos adaptar", afirma a economista Amaryllis Romano.

Olhando no retrovisor, analistas reconhecem que a pandemia deu um susto no agronegócio nacional. Mas a manutenção da produção -- por se tratar de atividade essencial --, aliada à demanda aquecida no exterior, especialmente na Ásia, e ao câmbio, garantiu vigor para o setor, que deve fechar o ano com recorde de exportações.

No segundo trimestre deste ano, o PIB brasileiro caiu 11,4% em relação ao mesmo período de 2019 devido à pandemia, mas o agronegócio cresceu 1,2%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o setor deve fechar o ano com PIB positivo de 1,9%.

"A resiliência do agronegócio brasileiro nesse cenário de pandemia se deveu a três ´Cs´: câmbio, consumo e clima", resume Fava Neves. É possível acrescentar a essa equação mais um C, de China. O país entrou e saiu da pandemia mais cedo e, graças ainda aos efeitos da peste suína africana, passou a demandar mais carnes do Brasil.

O consumo se manteve porque houve injeção de dinheiro na economia em vários países por meio de auxílios dos governos. O clima, com poucas exceções, como a seca que atingiu a safra gaúcha, favoreceu as operações no campo.

"Até julho, a perspectiva era de supersafra de soja nos Estados Unidos, mas foi uma safra normal. A diferença em 2020 foi o câmbio, que aumentou a renda no campo em 40%. A saca de soja saiu de R$ 70 para R$ 150", diz Meneghin.

Nem todos os produtores saíram fortalecidos, lembra Jank. "Os setores exportadores de alimentos foram os que mais ganharam, por terem seus preços fixados em dólar e a demanda aquecida. Dá para citar soja, milho, carnes, suco de laranja e café. A pecuária cresceu também, mas foi mais afetada por problemas nas plantas frigoríficas, barreiras técnicas e sanitárias."

Ele estima que as exportações do agro vão fechar 2020 com alta de 10%, rompendo os US$ 100 bilhões. De janeiro a setembro, as vendas externas subiram 7,5%, atingindo US$ 77,9 bilhões, segundo dados do Ministério da Economia.

Os setores não alimentícios sofreram, sobretudo no começo da pandemia, devido à queda de de- manda provocada pelo isolamento. O algodão teve concorrência ainda maior das fibras sintéticas, beneficiadas pelo preço do petróleo.

O setor sucroalcooleiro foi pela queda da demanda no início da pandemia, mas se recuperou, graças à flexibilidade das usinas, que passaram a produzir mais açúcar, e à "ajuda" da Tailândia. "Em março, o cenário era de quebradeira, mas a crise do etanol acabou não sendo tão forte e a perda de safra da Tailândia levou o Brasil a exportar 10 milhões de toneladas a mais de açúcar, com preços apontando para cima", explica Marcos Jank.

A crise impactou também as usinas de etanol de milho, em ascensão no país. Meneghin diz que muitas chegaram a ficar paradas por dois meses por falta de matéria-prima. "Por causa da concorrência pelo milho com o mercado externo, o preço está altíssimo e só com produção de etanol a conta não fecha. A saída é empatar o custo do milho com a venda do etanol e tirar o lucro do DDG (subproduto do milho usado na ração animal)."

Tanta exportação causou um desequilíbrio doméstico, com alta recente nos preços de arroz, óleo de soja e carne bovina, o que levou o país a importar soja e a zerar as tarifas de importação de arroz. Na manutenção desse cenário, Marcos Jank vê um risco de inflação de alimentos nos próximos meses.

No caso da carne bovina, Maurício Nogueira, sócio da Athenagro Consultoria, diz que o câmbio não elevou as exportações, mas explica o preço no mercado interno, onde a arroba do boi passou de R$ 193, em janeiro, para R$ 257, em outubro. Mas ele não acredita em desabastecimento. "Isso é pontual. Temos de 19 lembrar que apenas 30% da produção vai para exportação.

Fonte: Globo Rural

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