Publicado em: 23/12/2025 às 10:20hs
O Brasil aprendeu a crescer sem se desenvolver.
Nos acostumamos a celebrar planilhas positivas enquanto a estrutura produtiva do país se esvazia.
A economia parece avançar, mas o que realmente cresce é o rentismo juros, tarifas e ganhos financeiros, enquanto a indústria, a ciência e a inovação perdem espaço.
Esse paradoxo revela uma distorção profunda: somos uma nação com abundância natural, mas carência estratégica.
Exportamos recursos que outros transformam, importamos tecnologia que poderíamos produzir e, assim, transferimos valor em cada navio que sai dos nossos portos.
Enquanto isso, as potências agrícolas e industriais do século XXI reposicionam o campo como base de poder unindo biotecnologia, energia e manufatura avançada.
O mundo entra em uma nova era, em que alimentos, energia e conhecimento são as novas fronteiras da soberania.
Países que dominarem essas três dimensões definirão o rumo da geopolítica global.
O Brasil, com sua extensão territorial, capacidade produtiva e biodiversidade ímpar, poderia estar entre eles, mas ainda falta o elemento decisivo: estratégia nacional de transformação.
A soberania produtiva, portanto, não é apenas um conceito econômico: é um projeto de país.
E se não o construirmos agora, corremos o risco de repetir o destino de nossas antigas glórias quando fomos potência de um ciclo, mas não de uma era.
Nosso país ainda mede seu progresso por números que não constroem produção nem geram inovação.
O PIB cresce com tarifas, juros e aluguéis, mas a economia real continua travada.
A engrenagem financeira é veloz, enquanto o setor produtivo se arrasta sob o peso do crédito caro e da ausência de política industrial.
Enquanto o mundo acelera a transição tecnológica e energética, nosso país segue dependente da exportação de commodities brutas.
O problema não está no agro está na falta de estratégia para transformar nossa vantagem agrícola em poder industrial, científico e tecnológico.
O agronegócio é a espinha dorsal da economia nacional e pode ser muito mais.
O campo é hoje sinônimo de eficiência, escala e inovação biotecnológica.
Mas o verdadeiro salto virá quando o agro se unir à indústria, à energia e à ciência de ponta, formando uma cadeia integrada de valor, tecnologia e soberania.
A China consolidou-se como o maior comprador de alimentos do mundo.
Nas últimas décadas, o país converteu grande parte de suas terras cultiváveis em áreas industriais e urbanas, priorizando o avanço tecnológico e urbano.
Como consequência, passou a depender cada vez mais das importações e buscou garantir sua própria segurança alimentar por meio de empresas chinesas que vêm arrendando terras agrícolas em países africanos.
Relatórios da FAO e de centros internacionais de pesquisa confirmam que essas empresas firmaram acordos agrícolas de longo prazo em países como Camarões e Nigéria, voltados à produção de grãos, sementes e biocombustíveis.
Além disso, outros países africanos vêm aderindo a esse modelo de parceria, atraídos por investimentos em infraestrutura, tecnologia e irrigação.
Essas iniciativas refletem uma tentativa de autossuficiência alimentar da China um objetivo ainda distante de ser plenamente alcançado, que combina capital, inovação e cooperação de longo prazo para assegurar o abastecimento futuro de seu próprio mercado interno.
A Ucrânia tornou-se outro eixo dessa disputa: terras férteis, escala produtiva e acesso a mercados transformaram o país em destino de investimentos de grandes corporações e fundos ocidentais.
Relatórios do Parlamento Europeu e do Oakland Institute indicam que empresas como Cargill, ADM, Bunge Limited, BlackRock e Oaktree Capital Management, entre outras, controlam direta ou indiretamente parte significativa das terras agrícolas, estimadas em cerca de 9 milhões de hectares.
Com o preço das terras em baixa devido à guerra, fundos internacionais vêm comprando grandes extensões agrícolas por valores reduzidos, apostando no enorme potencial produtivo do pós-guerra.
A vantagem ucraniana é tripla: seu solo negro o chernozem é um dos mais férteis do planeta, dispensando grande parte dos fertilizantes e reduzindo significativamente o custo de produção; o preço atual das terras é baixo; e sua localização estratégica, com acesso direto ao Mar Negro e aos corredores logísticos da Europa Central, é reforçada por uma ampla malha ferroviária, garantindo escoamento rápido e custos logísticos reduzidos.
Esses fatores podem transformar a Ucrânia em uma das maiores potências agroindustriais do pós-guerra, reposicionando-a como competidora direta de nosso país, da Argentina e dos Estados Unidos na exportação global de grãos e insumos agrícolas.
A Índia segue movimento semelhante, impulsionando sua agroindústria com biotecnologia e políticas logísticas agressivas.
Com custos menores, proximidade dos mercados consumidores e políticas de expansão sustentadas por grandes fundos e parcerias privadas, esses países irão competir diretamente com nosso país pela liderança na oferta global de alimentos, biocombustíveis e insumos agrícolas.
Há um alerta histórico que não podemos ignorar.
No final do século XIX e início do XX, a Amazônia viveu o auge do ciclo da borracha, responsável por transformar Manaus em uma das cidades mais prósperas do mundo tropical.
Sem uma estratégia nacional para proteger e expandir a cadeia, perdemos em poucos anos a liderança que criáramos.
Hoje, a antiga capital da borracha sobrevive sustentada por turismo e incentivos fiscais, distante da potência econômica que um dia foi.
A falta de estratégia pode levar o futuro do agro nacional à mesma relevância manauense lembrado pela glória passada, mas esquecido pela ausência de visão.
Nosso país precisa reagir com visão e coordenação.
A soberania produtiva nasce quando a nação investe no que transforma, e não apenas no que extrai.
É indispensável alinhar crédito de longo prazo, logística inteligente, P&D aplicado biotecnologia, bioinsumos, rastreabilidade, automação, industrialização local e acordos internacionais que priorizem transferência de tecnologia.
O futuro da economia será decidido por quem dominar a biotecnologia, a energia limpa e os novos materiais.
Nosso país pode ser protagonista se entender que sua força está no campo, mas sua soberania depende da ciência.
O caminho da soberania produtiva começa na semente, passa pelo chip e termina na indústria.
E o tempo de agir é agora.
Fonte: Chang Yung Kong
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