Orgânico

Hortas orgânicas democratizam acesso e servem pacientes de hospitais e estudantes no Estado de SP

Com ações de fomento, Ministério da Agricultura apoia a popularização de produtos orgânicos, que historicamente têm preço mais elevado


Publicado em: 06/10/2021 às 09:00hs

Hortas orgânicas democratizam acesso e servem pacientes de hospitais e estudantes no Estado de SP
Foto: Foto: Ana Maia

Ações que democratizam o acesso a alimentos orgânicos no Estado de São Paulo estão em pleno desenvolvimento por iniciativas públicas e privadas. Uma horta hospitalar em Cotia atende pacientes de 700 leitos das seis unidades da rede São Camilo e hortas escolares de Jundiaí servem alunos de 70% da rede municipal e estadual do ensino fundamental da cidade. 

Projetos como esses permitem que parte da população tenha acesso a produtos diferenciados, o que tem sido estimulado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), por meio de ações de fomento à produção e ao consumo de alimentos orgânicos. Depois de lançar em todo o Brasil a 17ª Campanha Anual de Promoção do Produto Orgânico, em julho, o Mapa vem multiplicando as atividades de incentivo nos estados, por meio das comissões estaduais de produção orgânica, as chamadas CPOrg.

De acordo com a agente de inspeção e ponto focal da Superintendência Federal de Agricultura de São Paulo (SFA-SP) em Orgânicos, Mariane Antunes Lopes, o ministério fomenta a produção e o consumo de orgânicos por meio do fornecimento de informações técnicas, da inserção de produtores em redes, da promoção de eventos, da formulação de políticas públicas, da pesquisa agropecuária e da própria fiscalização, que gera segurança a um mercado cada vez maior e mais competitivo.

Uma das políticas públicas já implementadas no país é o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), que permite às prefeituras pagarem até 30% a mais por produtos orgânicos – embora elas não sejam obrigadas a isso. “Tudo depende de uma negociação prévia”, explica Rodrigo Cortez, chefe da Divisão de Desenvolvimento Rural da SFA-SP.

Entre 2013 e 2015 e entre 2016 e 2019, o governo federal articulou diversos ministérios e instituições públicas para lançar o Planapo – Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, um instrumento da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo). Foram dois planos que incentivaram a articulação entre agentes públicos e privados em torno da agroecologia e que contribuíram para incorporar o tema em processos de planejamento e implementação de políticas públicas em diferentes esferas de governo.

Um exemplo é a Prefeitura de São Paulo, que publicou em 2015 a lei nº 16.140, regulamentada no ano seguinte pelo decreto nº 56.913, que torna obrigatória a inserção gradual de alimentos orgânicos ou de base agroecológica na merenda escolar da rede municipal. A estimativa é que essa inserção atinja 100% até 2026 – cerca de 2,2 milhões de refeições diárias –, mas o plano pode ser revisto a cada dois anos.

No site do Mapa é possível encontrar outra iniciativa bastante útil para interessados no assunto: as fichas agroecológicas. São 103 dicas de sanidade vegetal, fertilidade do solo e nutrição das plantas, práticas conservacionistas e produção vegetal com soluções simples e testadas para sanar problemas numa concepção agroecológica. 

O Mapa também mantém em seu site um cadastro nacional de produtores orgânicos. Um dos nomes mais recentes desta lista com mais de 25 mil agricultores é o da Sociedade Beneficente São Camilo, também chamada de Horta Urbana São Camilo. A instituição obteve a certificação em 26 de julho deste ano, ao reestruturar uma antiga horta abandonada na unidade do hospital em Cotia. Vamos conhecer essa experiência?

CONFIRA VÍDEO SOBRE AS DUAS HORTAS AQUI: https://youtu.be/PJ53ydFJmgs

HORTA URBANA SÃO CAMILO

Quando assumiu a direção da rede de hospitais São Camilo, em 2018, a atual CEO Aline Thomaz decidiu recuperar a área onde antes havia uma horta de subsistência. “Era um espaço subutilizado e a horta antiga era pouco produtiva”, contou. Ela também tinha a intenção de reduzir o consumo de produtos processados nas refeições dos pacientes, dos funcionários e dos acompanhantes. 

Naquele mesmo ano, a rede estabeleceu uma parceria com o Instituto Kairós, uma organização que desenvolve projetos com o poder público, entidades privadas e redes para o desenvolvimento da agroecologia. Começou ali a readequação da horta e sua conversão para o modelo orgânico. Além de verduras e legumes convencionais, a equipe do Kairós introduziu as chamadas Panc (Plantas Alimentícias Não Convencionais) no espaço de cultivo.

Um dos destaques que o hospital faz questão de mostrar é a guasca, uma planta espontânea, que nasce onde haja sol e um pouco de umidade. O hospital desidrata a erva e a utiliza para substituir o sal na alimentação hospitalar. “Reduzir o sódio para pacientes hipertensos é de extrema importância. Essa planta, da família do picão, salga sem ter o sódio. Passamos a acrescentar nas carnes e guarnições. A dieta passou a ter mais sabor. Muita gente a considera mato, mas pra gente ela é ouro”, disse Aline.

A nutricionista Tatiana Bononi, que responde pela nutrição de toda a rede hospitalar São Camilo, disse que a possibilidade de utilizar a alimentação como forma de tratamento é gratificante para os profissionais de saúde. “Temos orgulho de informar aos pacientes e seus familiares que eles recebem alimentos da nossa horta”, afirmou.

O superintendente da Sociedade Beneficente São Camilo, padre Antônio Mendes, é um entusiasta da horta e pretende expandir o conceito da agroecologia para toda a rede. “Nosso embrião é aqui, na granja Viana, mas a ideia é transpor essa prática para os 44 hospitais geridos pela rede no país, onde existem 5.000 leitos. A horta orgânica tem como meta a entrega de 20 caixas de produtos orgânicos por semana para cada um dos seis hospitais de São Paulo, abastecendo pacientes de 700 leitos, seus acompanhantes e funcionários.

Para isso, é preciso manter a estrutura já organizada e pensar num plano de expansão. Um dos coordenadores do Kairós, o agrônomo Mauro Spalding falou que o espaço da horta no São Camilo já dobrou, desde março de 2020, e está dobrando de tamanho novamente, chegando a quase 12 mil metros quadrados. O instituto está promovendo a articulação no território para que pequenos produtores de hortaliças da região se envolvam com a transição agroecológica e possam ajudar o hospital a suprir a demanda desses alimentos.

HORTA VALE VERDE 

A pouco mais de uma hora do centro de São Paulo, em Jundiaí, está instalada a horta Vale Verde, um projeto da prefeitura que obteve a certificação orgânica há cerca de 13 anos. Ali fica uma grande horta de Panc, com cerca de 4 mil metros quadrados, que recebeu ações de transferência de tecnologia da Embrapa Hortaliças (Brasília-DF), empresa de pesquisa agropecuária vinculada ao Mapa.

De acordo com Maria Ângela Delgado, diretora do Departamento de Alimentação e Nutrição da Prefeitura de Jundiaí, a produção abastece 70% dos alunos das 110 escolas municipais e de 40 escolas estaduais, com as quais a prefeitura mantém convênio. Em mais de 80 escolas municipais foram instaladas hortas que recebem mudas da Vale Verde.

“Não é só um espaço de produção. Com o passar do tempo nós entendemos que essa horta seria produtiva também em relação à educação. É um espaço de visita para as crianças”, contou Ângela.

A iniciativa envolve parceria com a Escola Técnica Estadual Benedito Storiani, do Centro Paula Souza, que cedeu o espaço. O Instituto Kairós também está envolvido com o projeto, conduzindo a horta e incrementando ações de treinamento do capital humano e de educação das crianças.

Guilherme Ranieri faz parte da equipe do Kairós e fez seu mestrado em Ciência Ambiental sobre levantamento etnobotânico de plantas alimentícias em quintais urbanos. Curioso desde sempre sobre plantas, ele pesquisa não apenas o uso alimentício de algumas delas, mas também como se dá a transmissão do saber entre a população que cultiva Panc em casa.

É com orgulho que Guilherme apresenta a diversidade de plantas alimentícias da horta de Jundiaí. “A gente envia para as escolas, ao longo do ano, entre 25 e 35 espécies, fora as plantas aromáticas e condimentares. A gente faz essa ponte entre essa horta e as hortas das escolas”, comentou.

A capacitação envolve as cozinheiras, zeladores, professores e alunos. Além de informações funcionais e nutricionais, há um cuidado para contextualizar cada planta, mostrar de onde veio, como deve ser cuidada. “É preciso criar um encantamento. O argumento nutricional não faz sentido para as crianças. A gente tenta criar um valor afetivo para que elas se interessem”, explicou. Segundo Guilherme, a horta é usada também para trabalhar habilidades do currículo, como autocuidado e cuidado com os outros, observação, paciência, respeito à diversidade e até disciplinas, como matemática. “É uma sala de aula a céu aberto.”

Para Mariane Lopes, que também é suplente da secretaria executiva da CPOrg-SP, essa pegada educativa é um grande diferencial dessa horta de Jundiaí. “As crianças visitam, se envolvem e criam um outro tipo de valorização desses alimentos”, afirmou.

EMBRAPA

O pesquisador Nuno Madeira, da Embrapa Hortaliças, esteve em Jundiaí em 2018 para capacitar em fitotecnia os agentes que iriam trabalhar no manejo da horta. “A horta Panc do Vale Verde é um tesouro, um patrimônio incalculável, sendo uma das mais biodiversas hortas que conheço, possivelmente a maior do país juntamente com nosso campo de coleção de hortaliças Panc da Embrapa Hortaliças”, disse ele. 

Além disso, continua, “a horta aplica técnicas agroecológicas para potencializar a produção e a disponibilização de alimento de verdade, de qualidade, contribuindo para a segurança e soberania alimentar e nutricional das escolas que atende. E, para além da produção de alimentos, é um espaço de produção e difusão de conhecimento relacionados às hortaliças Panc, devendo ser preservado, incentivado e fortalecido”, afirmou Nuno.

O pesquisador também é idealizador do HortPanc (Encontro Nacional de Hortaliças Não Convencionais), um evento técnico que começou em Brasília em 2017, migrou para São Paulo em 2018, Paraná em 2019 e acontecerá em novembro deste ano na Bahia, de forma virtual em função da pandemia de coronavírus. Na versão paulista, além do conteúdo técnico focado em horticultura e agronomia, houve articulação do Kairós para um evento gastronômico que ofereceu a convidados alimentos preparados por chefs. 

LIVES

As experiências acima e outros casos de sucesso de produção orgânica estão sendo contadas em lives promovidas pela CPOrg-SP entre setembro e novembro, como parte da campanha estadual de Promoção do Produto Orgânico. As experiências de Cotia e Jundiaí foram incluídas na programação, que conta ainda com conteúdo sobre nutrição, equipamentos e ferramentas, mercado de leite orgânico, protocolo de transição agroecológica do Estado de São Paulo, entre outras. Os vídeos ficam disponíveis no canal da CPorg-SP no YouTube.

Fonte: Superintendência Federal de Agricultura de São Paulo – SFA-SP

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