Meio Ambiente

Agropecuária e licenciamento ambiental: por que o Alarde não se sustenta

Por Luís Eduardo Pacifici Rangel, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), Engenheiro Agrônomo, Ex-Secretário de Defesa Agropecuária e Ex-Diretor de Análise Econômica e Políticas Públicas do MAPA


Publicado em: 24/07/2025 às 08:00hs

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Desde sua formulação original, o Projeto de Lei nº 2159/2021 – conhecido como o novo marco do Licenciamento Ambiental – tem sido tratado por parte da sociedade civil organizada como um "vale-tudo" ambiental. Críticas genéricas, como as do Observatório do Clima e de entidades jurídicas associadas, alegam que o projeto fragiliza o controle ambiental e amplia o risco de desmatamento. Mas será mesmo? Ao analisar o texto com os olhos técnicos de quem atua com a agricultura sustentável e conhece os instrumentos normativos em vigor, fica claro que esse tipo de crítica ignora, propositalmente, as salvaguardas existentes, especialmente no caso da agropecuária.

Um sistema que se complementa, não se substitui

O principal erro conceitual dos críticos é imaginar que o PL 2159/2021 irá substituir ou revogar leis ambientais específicas como o Código Florestal (Lei 12.651/2012) ou a Lei de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997). Isso viola um princípio jurídico elementar: normas mais específicas continuam vigentes mesmo diante de normas gerais posteriores – o chamado critério de especialidade. Em outras palavras, o novo marco do licenciamento não substitui a exigência de Reserva Legal, de outorga de uso de recursos hídricos, nem elimina o dever de adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).

Logo, qualquer atividade agropecuária que envolva supressão de vegetação ou uso de água para irrigação continua sujeita às autorizações específicas, como a ASV (Autorização de Supressão de Vegetação) vinculada ao Sinaflor. O licenciamento ambiental pode ser agilizado, mas não isenta o produtor das obrigações ambientais já estabelecidas. O que o PL faz, e faz bem, é reconhecer que o excesso de burocracia ambiental não protege o ambiente: ele apenas afasta o cumprimento formal e institucionalizado da lei.

O fantasma da aprovação tácita: um espantalho fácil

Outro argumento alarmista é o do "silêncio administrativo". Críticos apontam que a aprovação tácita, prevista no art. 24 do projeto, poderia "legalizar desmatamentos" pela inércia dos órgãos ambientais. O que não dizem é que a própria redação do artigo prevê salvaguardas: a aprovação tácita só se aplica a casos com exigência de manifestação formal da autoridade competente, e deve ser regulamentada pelos entes federativos.

Além disso, a possibilidade de veto presidencial parcial já está sobre a mesa, inclusive com apoio técnico de áreas sensíveis do governo. Espera-se que, se necessário, a aplicação automática do silêncio administrativo seja restringida a contextos de baixo risco e fora de áreas ambientalmente protegidas.

Agropecuária de baixo impacto: é disso que estamos falando

Grande parte das críticas parte do pressuposto de que todas as atividades agropecuárias possuem alto risco ambiental. Isso é falso. O PL é claro ao limitar a dispensa de licenciamento às atividades de pequeno porte, executadas por agricultores familiares, quilombolas, indígenas e comunidades tradicionais – grupos historicamente marginalizados pela máquina burocrática do Estado. Classificar essas atividades como de baixo impacto não é negligência: é reconhecimento técnico de realidade socioambiental.

Há diferença entre um desmatamento para expansão da fronteira agrícola e a abertura de roçados em áreas já antropizadas por agricultores familiares. E há diferença entre outorga de água em bacias críticas e usos de pequeno volume para subsistência. Colocar tudo no mesmo pacote é, no mínimo, desonestidade intelectual.

Desmatamento legal: estoque conhecido e instrumentos certos

A retórica catastrofista omite um fato: o desmatamento "legal" no Brasil já é restrito a um estoque conhecido de vegetação remanescente dentro de propriedades regularizadas, registrado no CAR. Sua supressão, mesmo que autorizada, está vinculada à compensação ou adesão ao PRA.

O combate ao desmatamento legal não se faz via licenciamento. O caminho mais eficiente é o uso de instrumentos econômicos dissuasórios: restrições de acesso ao crédito, diferenciação tributária, incentivos ao manejo regenerativo e valorização de serviços ambientais. O PL 2159/2021 não impede nenhum desses instrumentos. Ao contrário: abre espaço para que o licenciamento ambiental deixe de ser um entrave e passe a ser uma ferramenta complementar de gestão territorial.

Conclusão: quando o bom senso é confundido com retrocesso

Reduzir a análise do PL 2159/2021 a slogans como "liberou geral" ou "fim do licenciamento" pode render manchetes, mas não contribui com o debate. O setor agropecuário brasileiro, responsável por parte expressiva da economia e por grande área de preservação privada, tem interesse direto na previsibilidade e na eficiência do licenciamento ambiental.

A agricultura não precisa de menos normas. Precisa de normas mais inteligentes, integradas e aplicáveis. O novo marco, com ajustes e regulamentações adequadas, pode ser um passo nessa direção. Ignorar isso é perpetuar a falsa dicotomia entre produção e conservação.