Publicado em: 24/07/2025 às 08:00hs
Desde sua formulação original, o Projeto de Lei nº 2159/2021 – conhecido como o novo marco do Licenciamento Ambiental – tem sido tratado por parte da sociedade civil organizada como um "vale-tudo" ambiental. Críticas genéricas, como as do Observatório do Clima e de entidades jurídicas associadas, alegam que o projeto fragiliza o controle ambiental e amplia o risco de desmatamento. Mas será mesmo? Ao analisar o texto com os olhos técnicos de quem atua com a agricultura sustentável e conhece os instrumentos normativos em vigor, fica claro que esse tipo de crítica ignora, propositalmente, as salvaguardas existentes, especialmente no caso da agropecuária.
O principal erro conceitual dos críticos é imaginar que o PL 2159/2021 irá substituir ou revogar leis ambientais específicas como o Código Florestal (Lei 12.651/2012) ou a Lei de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997). Isso viola um princípio jurídico elementar: normas mais específicas continuam vigentes mesmo diante de normas gerais posteriores – o chamado critério de especialidade. Em outras palavras, o novo marco do licenciamento não substitui a exigência de Reserva Legal, de outorga de uso de recursos hídricos, nem elimina o dever de adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).
Logo, qualquer atividade agropecuária que envolva supressão de vegetação ou uso de água para irrigação continua sujeita às autorizações específicas, como a ASV (Autorização de Supressão de Vegetação) vinculada ao Sinaflor. O licenciamento ambiental pode ser agilizado, mas não isenta o produtor das obrigações ambientais já estabelecidas. O que o PL faz, e faz bem, é reconhecer que o excesso de burocracia ambiental não protege o ambiente: ele apenas afasta o cumprimento formal e institucionalizado da lei.
Outro argumento alarmista é o do "silêncio administrativo". Críticos apontam que a aprovação tácita, prevista no art. 24 do projeto, poderia "legalizar desmatamentos" pela inércia dos órgãos ambientais. O que não dizem é que a própria redação do artigo prevê salvaguardas: a aprovação tácita só se aplica a casos com exigência de manifestação formal da autoridade competente, e deve ser regulamentada pelos entes federativos.
Além disso, a possibilidade de veto presidencial parcial já está sobre a mesa, inclusive com apoio técnico de áreas sensíveis do governo. Espera-se que, se necessário, a aplicação automática do silêncio administrativo seja restringida a contextos de baixo risco e fora de áreas ambientalmente protegidas.
Grande parte das críticas parte do pressuposto de que todas as atividades agropecuárias possuem alto risco ambiental. Isso é falso. O PL é claro ao limitar a dispensa de licenciamento às atividades de pequeno porte, executadas por agricultores familiares, quilombolas, indígenas e comunidades tradicionais – grupos historicamente marginalizados pela máquina burocrática do Estado. Classificar essas atividades como de baixo impacto não é negligência: é reconhecimento técnico de realidade socioambiental.
Há diferença entre um desmatamento para expansão da fronteira agrícola e a abertura de roçados em áreas já antropizadas por agricultores familiares. E há diferença entre outorga de água em bacias críticas e usos de pequeno volume para subsistência. Colocar tudo no mesmo pacote é, no mínimo, desonestidade intelectual.
A retórica catastrofista omite um fato: o desmatamento "legal" no Brasil já é restrito a um estoque conhecido de vegetação remanescente dentro de propriedades regularizadas, registrado no CAR. Sua supressão, mesmo que autorizada, está vinculada à compensação ou adesão ao PRA.
O combate ao desmatamento legal não se faz via licenciamento. O caminho mais eficiente é o uso de instrumentos econômicos dissuasórios: restrições de acesso ao crédito, diferenciação tributária, incentivos ao manejo regenerativo e valorização de serviços ambientais. O PL 2159/2021 não impede nenhum desses instrumentos. Ao contrário: abre espaço para que o licenciamento ambiental deixe de ser um entrave e passe a ser uma ferramenta complementar de gestão territorial.
Reduzir a análise do PL 2159/2021 a slogans como "liberou geral" ou "fim do licenciamento" pode render manchetes, mas não contribui com o debate. O setor agropecuário brasileiro, responsável por parte expressiva da economia e por grande área de preservação privada, tem interesse direto na previsibilidade e na eficiência do licenciamento ambiental.
A agricultura não precisa de menos normas. Precisa de normas mais inteligentes, integradas e aplicáveis. O novo marco, com ajustes e regulamentações adequadas, pode ser um passo nessa direção. Ignorar isso é perpetuar a falsa dicotomia entre produção e conservação.
Fonte: CCAS
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