Agroecologia

Os lucros da produção sustentável

Qual é o impacto de substituir uma vegetação nativa pela produção Agrícola? A per­gunta, geralmente respondi­da com uma lista de conheci­dos benefícios que as flores­tas prestam para a sociedade e para a própria Agricultura, acaba de ganhar uma explica­ção mais concreta: um valor


Publicado em: 17/03/2014 às 17:00hs

Os lucros da produção sustentável

Não preservar o ambiente po­de causar prejuízos reais ao pro­dutor. E o que mostra o projeto Teeb (Economia dos Ecossiste­mas e biodiversidade) para o Se­tor de Negócios Brasileiro, que estabeleceu uma valoração pa­ra os serviços ambientais - ou para o "capital natural", como eles chamam - em dois estudos de caso: um com a Monsanto e outro com a Natura.

O trabalho, coordenado pela ONG Conservação Internacio­nal (CI-Brasil) e baseado no modelo do Teeb global, conside­rou diferentes práticas agrícolas na produção de Soja e de óleo de palma (dendê) em estu­dos pilotos nas plantações das duas empresas.

Ao considerar nos cálculos o valor da biodiversidade e dos serviços que ela presta, como proteger o solo da erosão ou ga­rantir a oferta de água, o valor da produção nos cenários em que houve adequação ao am­biente foi maior do que na situa­ção tradicional de cultivo - o chamado "business as usual".

No caso da Natura, os pesquisadores compararam os dados de um hectare de monocultura de palmeira de dendê, de onde se extrai o óleo de palma, com os de um hectare de um sistema agroflorestal, que combina ár­vores nativas, como cacau e maracujá, com os dendezeiros. Am­bos localizados no Pará.

No cenário agroflorestal, o va­lor ambiental total da produção - calculado pela diferença entre osganhos prestados pelos servi­ços florestais e os impactos ao ambiente e à sociedade provoca­dos pela cultura plantada - foi 200% maior que na versão "bu­siness as usual".

No estudo da Monsanto, reali­zado no oeste da Bahia, compa­rou-se um hectare de terra co­berto só com a monocultura de soj a com um outro em que a cul­tura convive com o Cerrado - bioma hoje mais ameaçado do Brasil e também por onde a Soja mais se expande. Neste segun­do cenário, baseado na propor­ção definida pelo Código Flores­tal - 80% de área cultivada e 20% de Reserva Legal -, o valor ambiental foi 11% maior que no cenário só com a monocultura.

Visibilidade. "A vantagem des­se trabalho é trazer à tona um valor que até então era invisí­vel, mas que é fundamental nas análises de risco da empresa. Es­tá cada vez maior a expectativa de que se comece a cobrar pela poluição gerada poruma produ­ção. Isso eventualmente pode ser colocado nos cálculos da compensação ambiental", afir­ma a bióloga Helena Pavese, coordenadora do projeto na Cl.

"Mas não é só uma questão de impactos. As empresas utili­zam o capital natural como ba­se para seus negócios. Mudan­ças na oferta e qualidade deste capital afetam seu desempe­nho. Com esta abordagem de va­loração, pudemos mostrar em cifras, e não tanto quantitativamente, como a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos são importantes para a empresa." Uma das expectativas do tra­balho é que os resultados pos­sam eventualmente ser incor­porados nos processos decisó­rios das empresas. E o que pla­neja a gerente de responsabili­dade social, corporativa e de sustentabilidade da Monsanto, Daniela Mariouzzo, que coorde­nou o trabalho na empresa.

"Não é de hoje que se discute como produzir mais alimentos, preservar a natureza e que isso seja viável economicamente no longo prazo. Como beneficiar todos os envolvidos nisso? A resposta passa por trazer algo con­creto para a mesa. Acho que esse estudo é um começo para o deba­te. Mas ainda não é algo comple­tamente consolidado", diz.

"Os números traduzem o que j á se conhece na prática: produ­zir Soja sem o Cerrado afeta o clima, apolinização, a conserva­ção da água. E trazem mais argu­mentos para debater com todos os atores." Ela afirma que o pró­ximo passo é trabalhar mais o estudo dentro da empresa, prin­cipalmente com outros setores, como o de avaliação de riscos, e com os produtores Rurais.

Mais a longo prazo, a ideia é usar esse tipo de informação pa­ra desenvolver um mecanismo que remunere os produtores que preservem o Cerrado. Por lei, eles j á são obrigados a isso, e quem não cumpre tem de se re­gularizar. "Mas podemos pen­sar numa forma de pagar quem quiser proteger além do que manda a legislação", defende.

Cadeia. Na Natura, o estudo se inseriu em um processo mais amplo - iniciado em 2010 e já incorporado na decisão dos ne­gócios -, que prevê avaliar toda a cadeia de suprimentos, da ex­tração da matéria-prima à entrega do produto ao consumidor. Em relação ao óleo de palma, matéria-prima para a produção de sabonetes, a empresa vinha buscando a alternativa do siste­ma agroflorestal há cinco anos em parceria com a Embrapa.

"Já sabíamos que havia uma viabilidade técnica, em escala pequena, mas não sabíamos o valor disso. Só do ponto de vista econômico, a monocultura pa­rece mais eficiente, uma vez que tem produtividade alta por causa da mecanização. Mas o es­tudo mostrou outros valores ambientais e sociais que o mo­delo tradicional não olha", diz Luciana Vila Nova, gerente de sustentabilidade da Natura. No futuro, diz ela, a ideia é conse­guir mostrar o valor ambiental de cada produto da empresa.

PARA ENTENDER

Para fazer o cálculo do valor ambiental da produção de so­ja e de óleo de palma, os pes­quisadores compilaram uma série de estudos já disponí­veis na literatura científica que, individualmente, já haviam aplicado um valor mone­tário às quantidades físicas de capital natural.

O número estimado para um hectare de cada cenário foi obtido com a soma dos serviços ecossistêmicos sub­traídos da soma dos impac­tos. Contam como serviços a capacidade de provimento (de alimento, água doce, ma­deira, combustível, fibras e outros recursos) e de regula­ção (do clima, da água e o con­trole da erosão) daquele am­biente. Como impactos agrí­colas diretos são considerados poluição do ar e da água e emissões de gases de efeito estufa.

Também foram levados em conta valores de mercado, quando eles já existem, como é o caso da madeira e de crédi­tos de carbono. Por exemplo: o preço do carbono, segundo o relatório Stern do governo britânico, taxado em R$ 233 por tonelada de dióxido de carbono (CO2) equivalente, foi usado para valorar as emis­sões de gases de efeito estufa.

No estudo da Natura, o va­lor ambiental total obtido com os sistemas agroflorestais com óleo de palma é três vezes maior do que aquele obtido com a monocultura do óleo de palma - R$ 410.853 por hectare, contra R$ 122.253 por hectare, durante a vida útil de 25 anos da plantação. Esse resultado foi obtido prin­cipalmente porque os impac­tos da monocultura são qua­tro vezes o impacto dos siste­mas agroflorestais.

Na Monsanto, o valor da produção de Soja aliada à con­servação do Cerrado é 11% maior que a monocultura de Soja-respectivamente R$ 1.139 por hectare ao ano, con­tra R$ 1.031.

O modelo adotado no estu­do foi baseado no Teeb glo­bal, lançado em 2010 pelo eco­nomista indiano Pavan Sukhdev em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Ambiente. O estudo estimou que o custo anual da perda da biodiversidade fica entre US$ 2 trilhões e US$ 4,5 trilhões./G.G.

Puma desenvolve modelo para avaliar ganhos e perdas

- Um modelo pioneiro de incor­poração do valor ambiental da matéria-prima na decisão dos negócios foi desenvolvido pela empresa de produtos esportivos Puma. Em 2011, a marca lançou o projeto de Conta de Ganhos e Perdas Ambientais, de modo a calcular, gerenciar e reduzir o impacto ambiental deles.

A ideia foi atribuir um valor mo­netário ao impacto ambiental das operações da empresa e de toda a cadeia de suprimento. Esses cálculos passaram a influenciar as tomadas de decisões sobre quais materiais usar ou com quais fornecedores contar.

Depois, Levou as informações ao conhecimento do público. 0 modelo ainda não chegou ao Bra­sil, mas em Lojas na Europa, eti­quetas informam a pegada de carbono do tênis ou quanto usou de água. É possível comparar com modelos tradicionais, que não levaram os impactos em con­ta na produção./g.g.

US$ 4,5 trilhões anuais é quanto pode chegar o custo global com a perda da biodiversidade, segundo estudo lançado em 2010 pelo economista indiano Pavan Sukhdev.

 

Fonte: O Estado de S. Paulo

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