Soja

Protease vira aliada contra efeitos ocultos e variabilidade da soja

Uso estratégico da enzima melhora digestibilidade e reduz perdas de nutrientes em rações à base de soja


Publicado em: 10/09/2025 às 13:55hs

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Foto: Wenderson Araujo CNA

Na nutrição de aves e suínos, a soja sempre ocupou papel central como fonte de proteína. Rica em aminoácidos essenciais e amplamente disponível no Brasil, é um ingrediente-chave nas formulações de rações. No entanto, ela também carrega um desafio: a presença dos chamados inibidores de tripsina, compostos antinutricionais que comprometem a digestibilidade proteica ao interferirem na ação da enzima tripsina, fundamental para a quebra de proteínas no intestino. 

Embora o processamento térmico da soja reduza parcialmente esses inibidores, o problema persiste, especialmente diante da adoção crescente de cultivares de soja com maior produtividade no campo, e com maior concentração desses fatores anti-nutricionais, como apontam estudos recentes. 

Um levantamento global com 434 amostras de farelo de soja mostrou que a atividade inibitória de tripsina (TIA) pode variar de 5,1 a 17,7 mg/g, a depender do tipo de processamento (com solvente, expeller ou integral). Já uma revisão publicada em 2023 identificou que a atividade inibitória em grãos de soja pode variar de 18,6 a 74,8 mg/g, com média de 45,9 mg/g. Outro estudo, conduzido com 55 genótipos indianos¹, mostrou que o TIA pode variar entre 14,49 e 29,05 mg/g, sem correlação com os teores de proteína ou óleo. 

Esses dados acabaram com o mito de que os níveis desses inibidores eram baixos e o processamento térmico já seria suficiente para sanar o problema. Por isso, o uso da enzima protease tem ganhado novos contornos. 

Presente no mercado há mais de duas décadas, a protease sempre foi reconhecida por sua capacidade de quebrar ligações peptídicas e melhorar a digestibilidade geral da proteína. Agora, passa a ser vista também como aliada para mitigar os efeitos negativos dos inibidores de tripsina, ou seja, além de auxiliar na quebra de proteínas, ela atua de forma preventiva, bloqueando a ação do inibidor. 

Os benefícios já foram verificados em ensaios práticos. Em testes realizados com dietas formuladas com soja crua, ou seja, sem qualquer tratamento térmico para inativar os inibidores, a adição de protease resultou em melhora significativa de desempenho em frangos de corte. E isso pode representar uma revolução silenciosa.  

Atualmente, estima-se que entre 30% e 50% das operações utilizam protease em suas formulações. No entanto, esse índice tende a crescer conforme o mercado perceba os ganhos não apenas nutricionais, mas também sanitários, já que o melhor aproveitamento dos nutrientes da dieta gera um efeito positivo indireto na saúde intestinal, devido à redução da fermentação destes compostos. 

Outro fator que favorece a adoção é a democratização tecnológica. Embora o uso da protease envolva dosagens bastante pequenas (cerca de 50g por tonelada de ração), até mesmo produtores de menor porte podem incluí-la por meio de premixes. 

O caminho da protease parece repetir o que ocorreu com a fitase: inicialmente usada por poucos, ela ganhou espaço definitivo quando a crise no preço do fosfato revelou seu real valor na formulação. A diferença é que, agora, a consciência sobre os efeitos ocultos da soja está sendo construída com base em evidências científicas e práticas.  

Em um cenário de produção pressionado por custos, bem-estar animal e eficiência, a protease se reposiciona, passando a ser uma ferramenta estratégica e não apenas suplementar. Ignorar sua ação é negligenciar um fator decisivo, andando em descompasso com as exigências mercadológicas. 

MANJAYA, J. G.; GOPALAKRISHNA, T.; PAWAR, S. E.; BAPAT, V. A. Genetic variability for trypsin inhibitor content in soybean (Glycine max L. Merrill) and its correlation with oil and protein. Indian Journal of Genetics and Plant Breeding, v. 67, n. 4, p. 351–354, 2007. 

Eduardo Trevisol, médico-veterinário com mestrado em nutrição animal pela Universidade Federal do Paraná, é gerente de serviços técnicos da IFF na América Latina.

Fonte: 2PRÓ Comunicação

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