Publicado em: 23/03/2015 às 09:40hs
A atual combinação entre o tombo do petróleo e a disparada do dólar, com a consequente desvalorização das moedas de países emergentes, como o real brasileiro, criou a "tempestade perfeita" para golpear os preços das commodities no mundo. Mas esse cenário "não é tão terrivelmente ruim" para a economia como se poderia supor, na avaliação de Michael Haigh, chefe global de pesquisa de commodities do banco francês Société Générale.
Motivo - A razão, disse ele ao Valor, é que, de modo geral, as recentes quedas nas cotações das matériasprimas inclusive as agrícolas estão mais relacionadas ao excesso de oferta que ao enfraquecimento da demanda. "As coisas ficam muito ruins com a demanda deprimida, porque há crise. Nós não temos isso. Então, é uma situação muito diferente da que tivemos em 2009 e 2010 após o 'subprime' [hipotecas de alto risco nos EUA, que turbinaram a crise financeira mundial em 2008], quando houve declínio nos preços do petróleo e foi muito ruim. Temos preços do petróleo em declínio agora, o que é bom para o mundo, no geral", afirmou o especialista, que lidera uma equipe dedicada à análise de 42 commodities. O Société Générale atua em 76 países, tem 32 milhões de clientes e seus ativos totais superam € 1,3 trilhão.
Quadro - O novo ajuste nos preços do petróleo, lembrou Haigh, começou em agosto de 2014, com a interrupção das importações do chamado "sweet oil" (com baixo teor de enxofre) pelos EUA, que vinham produzindo mais desse produto. A situação se agravou em novembro, quando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) decidiu não agir para conter o excesso de oferta mundial, o que abriu caminho para que o barril caísse abaixo de US$ 50.
Reflexo - Esse recuo se reflete em preços menores para a maioria das commodities que utilizam o petróleo como insumo, mas também faz cair os custos de produção, conforme o especialista do banco francês. Além de ser usado como combustível das máquinas para o cultivo e o transporte da produção agrícola, o petróleo origina a ureia, um tipo de fertilizante.
Retomada econômica - Ao mesmo tempo, com a retomada econômica nos EUA, o dólar vem ganhando força em relação a diversas moedas, tornando as commodities negociadas em dólar mais caras. Isso pode soar como preocupação do ponto de vista dos compradores, mas não dos vendedores. "Apesar de a indústria açucareira não estar em seu melhor momento, alguns desses exportadores estão em ótima condição. Se você é um exportador de açúcar, está recebendo mais em dólar e o custo de produção está menor, então suas margens são expandidas", disse.
Ponderação - Mas Haigh pondera que o mercado tende a entender essa diminuição de custos, que ainda não está toda precificada. "E infelizmente essas margens provavelmente ficarão comprimidas ao longo do tempo".
Oferta abundante - Entre os grãos, a oferta abundante nas últimas duas safras, que precipitou a retração da soja e do milho na bolsa de Chicago, também reforçou no mercado os temores em relação à rentabilidade do setor. E junto à recuperação da oferta mundial, a tensão com a desaceleração da economia da China (maior importador global de soja, mas forte comprador também de outras matériasprimas agrícolas, metálicas e energéticas) levou muitos analistas a predizerem o fim do chamado superciclo de commodities, iniciado com a ascensão do país asiático há pouco mais
de uma década. Haigh discorda. "Não acho que esse superciclo acabou, acho que ele está mudando".
Fenômenos - Ele defende que superciclos são fenômenos que duram "muitas e muitas décadas". O primeiro, enumera, começou ainda no século 19 e se estendeu até os anos 1940, baseado na revolução industrial e no crescimento dos EUA. O segundo, de 1945 a 1973, esteve relacionado
à reconstrução póssegunda guerra mundial e ao avanço do Japão. O terceiro, que para Haigh ainda está em curso, originouse do apetite voraz da China por commodities, que fez os preços dispararem a partir dos anos 2000. "Acredito que a composição do ciclo muda conforme os mercados emergentes crescem. Então, haverá demanda por commodities, mas de uma forma diferente", avalia.
Básicos - No front agrícola, isso significa que à medida que os países se desenvolvem, há uma tendência à redução do consumo de alimentos mais básicos, como arroz e trigo, diz Haigh. "Uma vez que as pessoas alcançam um nível de duas mil calorias por dia [consumo recomendado para um adulto], elas não compram mais pão, porque ficaram mais ricas. Elas compram carne", afirmou ele.
China - Na China, especificamente, há uma desaceleração na economia, mas os números continuam superlativos: a meta do governo do país para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi reduzida de 7,5% para 7% em 2015, enquanto o Société Générale projeta 6,7%. E a percepção de Haigh é de que há uma transformação de um tipo de ciclo relacionado à infraestrutura para um mais ligado à urbanização, que continua a ocorrer com o aumento da população. "Então haverá demanda por commodities, mas de uma forma diferente. A menos que você pense que a população começará a diminuir na China e na Índia, mas não acredito nisso", concluiu.
Brasil - Nesse contexto, o Brasil tem grande importância como "produtor e fornecedor de recursos para os mercados emergentes". A questão é quais commodities serão demandadas. "Sob a perspectiva de demanda, ração e etanol [feito de milho nos EUA] ainda estão bastante fortes, e isso deve proteger um pouco os preços. Mas assim como o restante do complexo de commodities, milho e soja estarão vulneráveis ao dólar", analisou Haigh.
Incertezas - O fato é que, também diante das incertezas que rondam o plantio da nova safra 2015/16 de grãos nos EUA, o Société Générale avalia como justas as cotações atuais da soja e do milho em Chicago. A expectativa do banco é que no fim do ano, a soja esteja próxima de US$ 10 por bushel (ontem, oscilaram entre os níveis de US$ 9,50 e US$ 9,60) no fim do ano, e o milho, em cerca de US$ 4,15 por bushel (ante US$ 3,70 a US$ 3,80 desta quarta-feira).
Algodão - Quanto ao algodão, mercado em que a queda da área plantada nos EUA rivaliza com a menor demanda europeia e a maior competição com fibras sintéticas, a estimativa é de um valor em torno de 66 centavos de dólar por librapeso na bolsa de Nova York, um pouco à frente dos atuais 60 centavos.
Café arábica - No caso do café arábica, também negociado em Nova York, o banco ainda vê dúvidas sobre a extensão dos danos causados pela seca no Brasil. Assim, a previsão é de que as cotações encerrem o ano entre US$ 1,50 e US$ 1,60 por librapeso (atualmente, estão um pouco aquém de US$ 1,40). Novos repiques nos preços das agrícolas, acrescentou Haigh, estarão também menos ligados à demanda e mais à oferta, na esteira de "choques climáticos" como ocorreu com o próprio café no ano passado, quando os efeitos da estiagem no Brasil fizeram o grão superar os US$ 2 por librapeso.
Fonte: Informe OCB
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