Outros

O Dialeto das Plantas


Publicado em: 29/10/2010 às 21:06hs

...

“Queixo-me às rosas...mas que bobagem, as rosas não falam... Simplesmente as rosas exalam... o perfume que roubam de ti”. Quando o mestre Cartola cantou a música As Rosas Não Falam, ele certamente não tinha o conhecimento de todas as habilidades que a roseira e as demais plantas possuem. As plantas não falam, mas certamente se comunicam. Um exemplo bem conhecido de comunicação das plantas, que também é citado na música do mestre, é o “perfume” que, entre outras, tem a função de atrair os polinizadores (beija-flores, abelhas e outros insetos) que trarão as vantagens evolutivas para a planta, ou seja, neste exemplo há a comunicação entre a planta e o polinizador.

O perfume, citado anteriormente, é composto em sua maioria por uma mistura complexa de compostos orgânicos voláteis (COVs) que são liberados pelas plantas no ar. Estima-se que as plantas produzam no mínimo 1700 COVs diferentes e podem ser liberados pelas folhas, flores, frutos e raízes e em quantidades tão significativas que cerca de um quinto do gás carbônico fixado pelas plantas pode retornar ao ambiente na forma desses compostos voláteis.

A composição química da mistura dos COVs e a sua intensidade podem revelar o status fisiológico ou uma situação de estresse ao qual a planta está sujeita. A função primária dos COVs é defender a planta de animais (herbívoros) e microrganismos patogênicos ou, como para as rosas, de subsidiar vantagens evolutivas, atraindo polinizadores e dispersores de sementes. Os voláteis, atuando na defesa das plantas, podem repelir ou intoxicar diretamente os animais e microrganismos, bem como atrair predadores ou parasitas (inimigos naturais) destes, quando estão atacando a planta. Além disso, os voláteis liberados podem servir de alarme às plantas vizinhas, fazendo com que estas preparem o seu mecanismo de defesa para um futuro ataque. Nas raízes, os COVs exercem o seu papel de defesa abaixo da superfície, atuando também como substâncias antimicrobianas e anti-herbívoros ou atraindo inimigos naturais de herbívoros de raízes.

Em um trabalho, realizado em cooperação entre o Laboratório de Pesquisas em Recursos Naturais do Instituto de Química e Biotecnologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) - laboratório vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisa de Semioquímicos na Agricultura/MCT - e a Embrapa Tabuleiros Costeiros os pesquisadores estudaram o processo de sinalização que ocorre através dos COVs liberados pelo Pimentão (Capsicum spp.). Quando o pimentão era atacado pelo pulgão (Aphis gossypii), a mistura de COVs liberada repelia o pulgão e ao mesmo tempo atraía um inimigo natural do pulgão, a vespa Aphidius colemani. Baseando-se neste mesmo mecanismo, fez-se primeiramente uma seleção de diferentes variedades de pimentão quanto a sua resistência ao pulgão. Dentre as várias pesquisadas, encontrou-se uma variedade com um alto nível de resistência. Quando analisados os perfis de COVs liberados, essa cultivar apresentou um perfil diferente das demais, com a presença de alguns compostos que conhecidamente repelem o pulgão e atraem inimigos naturais. Esses experimentos demonstraram claramente o papel dos COVs na resistência do pimentão ao pulgão, uma praga de grande importância para esta cultura e que vem causando enormes prejuízos.

Nas duas últimas décadas, com o aumento na sensibilidade dos equipamentos analíticos e o avanço nas técnicas de bioquímica e de biologia molecular, vem ocorrendo um progresso significativo na pesquisa envolvendo compostos orgânicos voláteis. Isto tem levado a um melhor entendimento da função, biossíntese e regulação dos COVs na comunicação e sinalização das plantas. Através do conhecimento desses mecanismos e a utilização de ferramentas biotecnológicas, abre-se a perspectiva do desenvolvimento de plantas mais resistentes a insetos-praga.  Além disso, como visto no exemplo do pimentão, o conhecimento desses mecanismos mediados por COVs pode ser incorporado e assim utilizado no desenvolvimento de marcadores a serem utilizados nos programas de melhoramento genético de plantas.

Alessandro Riffel e João Gomes da Costa - Pesquisador da Embrapa Tabuleiros Costeiros (Aracaju - SE) - (riffel@cpatc.embrapa.br), (Jgomes@cpatc.embrapa.br)
Antonio Euzébio Goulart Santana - Professor da Universidade Federal de Alagoas

Fonte: Embrapa Tabuleiros Costeiros

◄ Leia outros artigos