Publicado em: 02/05/2025 às 09:30hs
Uma ampla rede de pesquisadores de 17 países conduziu uma investigação sobre a evolução do Colletotrichum graminicola, fungo responsável pela antracnose do milho. O estudo identificou três linhagens geneticamente distintas do patógeno — norte-americana, brasileira e europeia — e apontou a Mesoamérica como possível origem da doença. Com base na análise de 212 isolados provenientes dos cinco continentes, os cientistas concluíram que a disseminação global do fungo foi impulsionada tanto por processos naturais quanto por atividades humanas, como o intercâmbio de sementes contaminadas.
De acordo com a pesquisadora Flávia Rogério, vinculada à Universidade de Salamanca (Espanha) e à Universidade da Flórida (Estados Unidos), a linhagem norte-americana é considerada a mais antiga e ancestral, tendo dado origem às linhagens brasileira e europeia. No entanto, a linhagem europeia revelou-se a mais virulenta, o que aumenta a preocupação com novos surtos da doença.
O estudo também detectou migrações genéticas entre Argentina e Europa. Isolados argentinos foram classificados como pertencentes à linhagem europeia, indicando um intercâmbio favorecido possivelmente pelo uso de sementes contaminadas em viveiros de inverno na América do Sul, utilizados em programas de melhoramento genético.
Utilizando métodos estatísticos e computacionais, os pesquisadores constataram que cerca de 35,8% da variação genética do fungo pode ser atribuída à distância geográfica entre as populações. A elevada mobilidade do Colletotrichum graminicola reflete uma longa trajetória evolutiva de adaptação e migração, marcada por recombinações genéticas que ampliam sua diversidade e virulência.
Segundo Wagner Bettiol, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente (SP), a atuação humana foi decisiva para a propagação do patógeno. O levantamento apontou que 80% dos isolados apresentam sinais de mistura genética, enquanto os demais são considerados geneticamente puros. Essa diversidade torna o desenvolvimento de cultivares resistentes ainda mais desafiador.
Outro destaque do estudo está na análise das diferenças na frequência e na idade dos eventos de introgressão genética entre as linhagens americana, europeia e brasileira. Os resultados reforçam a hipótese de que a linhagem norte-americana desempenhou papel intermediário na dispersão mundial do fungo. A disseminação de doenças causadas por fungos ocorre tanto a curtas distâncias, por ação de vento e chuva, quanto a longas distâncias, por meio do transporte humano de materiais vegetativos contaminados.
Ensaios de patogenicidade conduzidos na Universidade de Salamanca demonstraram variações expressivas de virulência entre os diferentes isolados do fungo. Conforme alerta Flávia Rogério, o aumento da virulência ao longo do tempo pode desencadear novos surtos, principalmente na Europa, em um cenário que remete às perdas devastadoras registradas nos Estados Unidos na década de 1970 — quando plantações inteiras foram dizimadas, com prejuízos de até 100% nas regiões centro-norte e leste do país.
A pesquisa sugere que o fungo da antracnose acompanhou a rota de domesticação do milho, iniciada no sul do México, e que sua linhagem norte-americana agiu como elo de ligação para sua expansão global. O comportamento identificado se assemelha ao de outro patógeno que afeta o milho, o Setosphaeria turcica, também originado no México.
Diante da ameaça crescente, os cientistas reforçam a necessidade de ações preventivas e monitoramento constante. A Embrapa Milho e Sorgo (MG) recomenda práticas como o cultivo de variedades resistentes, adubação equilibrada, rotação de culturas e a evitação de plantios sucessivos para reduzir a incidência da antracnose nas lavouras.
A identificação da população ancestral do fungo pode ser um passo fundamental para o desenvolvimento de estratégias de manejo mais eficientes. Essa população pode servir como reservatório de diversidade genética, incluindo genes associados à resistência. Para conter a evolução e a disseminação do patógeno, o uso de genes de resistência múltiplos e o monitoramento genético contínuo são medidas essenciais, especialmente diante da importância da cultura do milho para a segurança alimentar mundial.
As doenças fúngicas que afetam o milho representam uma séria ameaça à produtividade agrícola e exigem políticas permanentes de manejo integrado para mitigar perdas econômicas e garantir o abastecimento global de alimentos.
Fonte: Portal do Agronegócio
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