Milho e Sorgo

Milho ‘revoluciona’ norte de MT

Se a soja foi a grande responsável por transformar o médio norte de Mato Grosso em um dos principais polos de produção de grãos do país a partir da década de 1980, o milho desponta, literalmente, como combustível de uma nova revolução


Publicado em: 25/03/2020 às 19:00hs

Milho ‘revoluciona’ norte de MT

A instalação de usinas de fabricação de etanol a partir do processamento do cereal tem ajudado a impulsionar a produção e o rendimento das lavouras e dado segurança para o agricultor investir. A cultura, que no passado era plantada no Estado “no escuro”, às vezes como cobertura de solo, deixou de ser “safrinha” e virou um produto nobre.

“O milho está causando uma revolução ainda mais intensa do que a da soja”, afirma Rodrigo Pasqualli, diretor-executivo da Fundação Rio Verde, instituição privada de pesquisa baseada em Lucas do Rio Verde. “A instalação das empresas de etanol trouxe estabilidade para a cultura. O produtor agora pode saber quanto pode gastar para formatar melhor custos e investimentos”, diz

Ilson Redivo, presidente do Sindicato Rural de Sinop, a “capital do Nortão”. O secretário de Agricultura de Lucas, Márcio Albieri, diz que, no momento, o milho está mais lucrativo que a soja, onde a maior unidade da BRF no país ajuda a manter a demanda aquecida. A satisfação com a cultura também domina Sorriso. “Até então para nós era um calvário. Se não tivéssemos as usinas hoje, estaríamos doando milho”, afirma Tiago Stefanello, presidente do Sindicato Rural do município.

O produtor Rodrigo Pozzobon, que já dependeu das políticas de escoamento de grãos do governo federal para plantar milho, comemora o bom momento. Ele relembra o sufoco que era receber o dinheiro do prêmio em épocas que, sem consumo local, o preço do cereal ficava abaixo do mínimo estabelecido pelo governo. Políticas de apoio ao escoamento eram recorrentes quando os preços rondavam os R$ 10 por saca de 60 quilos. Hoje, Pozzobon já negociou parte da colheita de 2021 a R$30.

Segundo a União Nacional do Etanol de Milho (Unem), o Brasil já conta com 15 usinas de etanol de milho em operação, entre unidades que só rodam com o cereal e as que também processam cana (full e flex). Três plantas estão em pré-operação e 23 em fase de projeto. Mato Grosso concentra oito usinas ativas, três em construção e dez em estágio de planejamento. O segmento já emprega cerca de 10 mil pessoas no Estado.

Guilherme Nolasco, presidente da Unem, lembra que, diante dessas transformações, os preços no mercado doméstico se descolaram na bolsa de Chicago, e calcula que a sustentabilidade dos investimentos na cadeia produtiva, também levando em conta as exportações de carnes de aves e suína - o milho é básico na fabricação de rações - depende de cotações entre R$ 26 e R$ 31 a saca.

A Política Nacional de Biocombustíveis (Renovabio) e as ações para consolidar o etanol em nível global, com incentivos a seu uso na Índia e na China, são outras diretrizes para alavancar a produção de etanol de milho dos atuais 1,6 bilhão de litros para 8 bilhões até 2028.

É o avanço das compras antecipadas pelas usinas, novidade recente, que tem garantido o travamento dos preços do milho que será colhido apenas na “safrinha” da próxima temporada (2020/21), que só será plantada em janeiro. Mais de 15% da colheita esperada já foi vendida, por preços próximos a R$ 30. Para a colheita do meio deste ano, a comercialização ultrapassou 73%.

A área plantada aumentou 18% nas últimas cinco safras e já alcançou 5,1 milhões de hectares em Mato Grosso, quase metade na região médio norte do Estado, nos municípios localizados ao longo da BR-163. A produção evoluiu 70% desde 2015 e deverá superar 32 milhões de toneladas neste ciclo 2019/20, segundo estimativas do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea).

A produtividade saiu de 73 para 106 sacas por hectare. Se por um lado o preço fica mais atraente, por outro o custo aumenta, o que pode se refletir em margens nem sempre folgadas e redução do lucro dos produtores. O Imea calcula que o custo chegará a R$ 3,2 mil por hectare em 2020/21, R$ 418 a mais que em 2017/18. “E ainda temos um problema de qualidade violento”, afirma Pozzobon, que reclama da produção de grão avariado por conta de um fungo causador de manchas foliares.

Tiago Stefanello diz que a região também sofre com a entrada da cigarrinha e lagarta. “Até então, o custo do milho era menor, as tecnologias estavam funcionando. Hoje temos que fazer duas, três aplicações contra a lagarta”.

Pasqualli, da Fundação Rio Verde, concorda que a busca por mais produtividade eleva custos, mascrê ser possível dobrar o rendimento das lavouras para perto de 200 sacas por hectare. “Já temos resultados de 190 sacas por hectare na safra 2018/19. Temos que equacionar o custo”. Nesse sentido, subprodutos do milho, além da produção de etanol, podem pesar positivamente na balança.

Uma das apostas mais fortes é no crescimento da pecuária com a oferta abundante do DDG, grãos secos e úmidos obtidos a partir do esmagamento do milho que são ricos em proteína para nutrição animal. “Para a agropecuária, é uma virada de página”, diz o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), Normando Corral.

Ele acredita na progressão mais rápida da mudança do regime de criação do maior rebanho bovino do país (mais de 30 milhões de cabeça) do sistema à pasto para o confinamento. “O DDG é muito bom para isso, com alto teor de proteína, pode dar vazão para os bovinos”, observa. Mas diversas outras atividades são incentivados: desde a cadeia logística até a da biomassa. A FS Bioenergia, primeira indústria a produzir etanol exclusivamente a partir do milho no Brasil, fomenta o plantio de eucalipto e bambu para geração de lenha para as caldeiras da usina em cerca de 10 mil hectares da região. O plano é chegar a 30 mil. “Áreas degradadas e de baixa produtividade começam a se transformar em produção de eucalipto”, diz Rafael Abud, presidente da empresa.

Já os agricultores familiares de Lucas do Rio Verde, onde está instalada a primeira unidade da FS, são beneficiados até pela cinza gerada pela queima da biomassa. Com alto valor mineral, ela é usada como fertilizante e já aumentou em 30% o rendimento das lavouras de mandioca do município, segundo o secretário de Agricultura, Márcio Albieri.

“Como o volume passou a ser maior, temos acordo com um produtor de biofertilizante da região que ajudamos a desenvolver. Ele pega as cinzas e outros resíduos, faz a compostagem e produz o biofertilizante, que volta para lavouras com sucesso”, explica Abud.

Para garantir a preservação ambiental, a FS Bioenergia informa que criou uma política de “compra responsável”, que mapeia e monitora 100% a origem do milho por meio de uma plataforma georreferenciada. Cerca de 400 produtores e propriedades estão cadastrados e a companhia confere se naquelas áreas existem embargos, desmatamentos ilegais, agricultores incluídos na lista de trabalho escravo ou sobreposições com áreas indígenas ou quilombolas. Com mercado promissor, as duas unidades da empresa já em operação devem produzir 3 bilhões de litros por ano em breve. A FS tem planos de abrir outras quatro usinas em Mato Grosso.

Em Sinop, o apelo é por mudanças legislativas que permitam a ampliação das áreas. Apesar das características semelhantes aos demais municípios da região, os produtores de lá seguem as regras do bioma amazônico, onde a reserva legal exigida pelo Código Florestal é de 80% da propriedade. Grande parte das fazendas, porém, são áreas consolidadas, abertas antes de 2008, quando era permitido desmatar até 50%.

A prefeita de Sinop, Rosana Martinelli, diz que, mesmo sem abrir novas áreas, apenas com a incorporação de fazendas com pastagens degradadas, é possível dobrar o território cultivado no município.

Fonte: Grupo Ideia

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