Publicado em: 30/10/2013 às 20:20hs
Isso significa uma "convivência" harmônica e a preservação da floresta. É por isso que as embalagens recém-premiadas do chocolate Q trazem ilustrações de animais que circulam na propriedade como cuiuba, tatu, porco-espinho luís-cacheiro. Pela disposição das árvores, a colheita é feita manualmente. A polpa transportada em balaios, no lombo do jumento. A sustentabilidade, portanto, é um dos apelos do produto.
João Tavares Bisneto, proprietário do lugar, adora receber visitantes e mostrar o processo que fez Samantha Aquim sair do prumo. Para começar, vai logo impressionando o leigo com uma seleção exuberante de frutos, uma amostra das mais de 200 espécies e hibridações de sua fazenda. Identifica cada cacau que parte com o bodogo (facão): Pará, Parazinho, Maranhão, FL18, FL 49 e por aí vai. "O cacau forasteiro, como o que cultivamos, é tratado de forma depreciativa. Mas isso é porque a indústria não valoriza a diversidade e os aromas que temos aqui", diz ele, um dos pioneiros no cultivo de cacau fino no país.
A polpa, quando sai da casca, parece um gato molhado. Para provar, é preciso chupar as sementes, como uma fruta-do-conde. "Estão sentindo a riqueza de notas? Esse aqui tem flores e banana", comenta Samantha enquanto degusta o FL 49. Pois é, não é que em 30 cacaus partidos, nenhum tinha cheiro ou gosto de baunilha?
Depois da degustação da fruta, Tavares mostra a dorna - tanques de madeira - que desenvolveu. São redondas e com 50 cm de altura, para que a fermentação ocorra de forma uniforme com todas as amêndoas depositadas ali. O modelo padrão é quadrado e mais alto. "O nosso segue o princípio da panela de pressão. A temperatura supera os 50 graus", diz. Num período de cinco a sete dias, a amêndoa vai se encharcando do suco e o excesso de polpa vai sendo eliminado. Para que haja ganho de qualidade nesse processo, o cultivo e a seleção dos frutos e das amêndoas precisam ser criteriosos. Quando é só volume que está em jogo, os defeitos serão camuflados no fim do processo com baunilha e açúcar. Mas quando se trata de um chocolate como o Q, o cacau é a estrela e precisa ser "polido" para brilhar. "É por isso que nunca vou colocar leite ou recheio no Q. Ele é uma preciosidade por sua pureza e autenticidade", diz Samantha.
Quando deixam as dornas, as sementes são colocadas em áreas ao ar livre para secar. Há um teto removível que as protege da umidade. Este conjunto é chamado de barcaça. Tavares aprimorou o processo substituindo o chão de madeira por telas, que permitem maior ventilação e acelera a desumidificação. Quando as amêndoas estão secas, Samantha entra em cena e escolhe amostras de cada lote. São várias etapas de seleção até se chegar ao padrão de excelência que eles desenvolveram em conjunto. Depois, Samantha compra as amêndoas que vão compor cada "blend" dos chocolates Q. "O parceiro precisa acreditar no projeto com você. Enquanto a tonelada de cacau tem preço médio de US$ 3 mil, a Samantha me paga quase o dobro", conta Tavares.
É esse modelo que viabiliza economicamente o cacau para ele. Sua família é uma tradicional produtora na região que perdeu grande parte do patrimônio com a praga da vassoura-de-bruxa. Hoje, ele trabalha no sistema de parcerias. Disponibiliza para famílias de agricultores a terra, o plantio e a moradia e fica com 50% do cacau colhido na fazenda. A outra metade compra e revende para os clientes como a Weiss, Nespresso, Harald, Amma, Cuore di Cacao. "O consumidor está descobrindo o verdadeiro sabor do cacau e exige qualidade. Só assim a indústria vai mudar seus critérios e valorizar mais iniciativas como a nossa", diz ele, que já ganhou dois prêmios Cocoa of Excellence durante o Salon du Chocolat.
Tavares e os trabalhadores da fazenda mimam seus convidados com um ritual. Eles preparam uma espécie de cama de folhas de bananeira numa área inclinada. Colocam no meio dessa base uma redinha, como numa mesa de pingue-pongue. Funciona como uma peneira para polpa colocada ali. O suco, então, escorre. Tavares improvisa copos no próprio fruto oco. É o mel do cacau. Os borrachudos se banqueteiam com as pernas forasteiras. Mas quem liga? É um brinde às origens em meio à Mata Atlântica.
Fonte: Canal do Produtor
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