Publicado em: 22/07/2025 às 08:00hs
A horticultura brasileira encontra-se em um ponto de inflexão. Em um contexto marcado por limitações no poder de compra, transformação no perfil de consumo, avanços tecnológicos e intensificação dos eventos climáticos extremos, a cadeia de hortaliças é desafiada a inovar. Este diagnóstico é fruto da análise desenvolvida pela equipe da Hortifruti Brasil/Cepea, em colaboração com o Ibrahort, e conduzida no âmbito do Projeto Parcerias Inteligentes – iniciativa que conecta empresas e entidades do setor hortícola com foco na transformação de dados em inteligência estratégica para tomada de decisão.
A abordagem do estudo estrutura-se em quatro eixos: econômico, de consumo, mercadológico e climático. Do ponto de vista econômico, a combinação de endividamento público crescente, inflação persistente e perda do poder de compra impõe limites à expansão do consumo de alimentos frescos. Ainda assim, o setor de hortaliças mostra desempenho resiliente, alicerçado em três pilares: o apelo à saudabilidade, a diferenciação por conveniência e a incorporação de tecnologias que ampliam a produtividade e a adaptabilidade climática.
No campo do consumo, observa-se um movimento relevante, em que a receita oriunda de hortaliças processadas, higienizadas e embaladas tende a crescer em ritmo superior ao volume. O consumidor urbano, especialmente o jovem, valoriza conveniência, rastreabilidade e atributos socioambientais. No entanto, dados do Vigitel indicam queda no consumo regular de frutas e hortaliças no Brasil entre 2007 e 2023, refletindo o paradoxo entre desejo por saudabilidade e barreiras econômicas e práticas de acesso à alimentação in natura.
No mercado, as projeções até 2029 apontam crescimento mais robusto para produtos com maior valor agregado – como higienizados e congelados – em contraste com os produtos frescos tradicionais. Apesar de o mercado de hortaliças frescas ainda representar a maior parcela do faturamento do varejo, a tendência de diversificação se consolida como estratégica para produtores e distribuidores. A diferenciação por tecnologia, serviços e formatos de entrega surge como vetor essencial de competitividade.
Outro eixo-chave da análise é o desafio climático. A intensificação dos eventos extremos (como ondas de calor, estiagens e queimadas) requer que a resiliência produtiva venha da adoção tecnológica. Estratégias como cultivo protegido, plasticultura, irrigação de precisão e enxertia mostram-se eficazes para mitigar os efeitos das oscilações climáticas. Estudos do Prof. Fábio Marin (Esalq/USP) também sugerem que o aumento da concentração atmosférica de CO? pode gerar ganhos fisiológicos em algumas culturas hortícolas, desde que acompanhado de boas práticas agronômicas e um zoneamento agrícola/manejo do calendário de produção.
Adicionalmente, a crescente distância entre o produtor e o consumidor final, tanto física quanto em termos de exigências de mercado, torna a integração com uma rede de distribuição uma condição estratégica. Participar de redes de processamento, embalagem, logística e distribuição permite atender às novas demandas por padronização, rastreabilidade e sustentabilidade, ampliando o acesso a canais modernos de comercialização.
Em síntese, a horticultura brasileira precisa transformar desafios em estratégia. O futuro do setor passa pela articulação entre inovação no campo e integração da cadeia produtiva. O fortalecimento institucional, o investimento em tecnologias adaptativas e a conexão direta com os valores do consumidor contemporâneo são vetores que poderão garantir competitividade, sustentabilidade e crescimento no médio e longo prazos.
Margarete Boteon - Professora da Esalq/USP e pesquisadora da área de hortifrúti do Cepea
Fonte: CEPEA
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