Publicado em: 07/02/2014 às 20:40hs
Antes, a realidade que se via em alguns canaviais espalhados pelo País era a de profissionais sem qualquer estrutura ou condição de trabalho, sendo transportados em veículos improvisados, atuando mais de 12 horas por dia no campo, sem intervalo para almoço, suscetíveis a diversos riscos e perigos e até em condições análogas à escravidão. Os cortadores de cana ou ‘bóias frias’, como também eram chamados, representavam as principais vítimas dessas situações.
Com as ocorrências e acidentes se repetindo com frequência, instituições e entidades voltadas para garantir os direitos do trabalhador rural, como é o caso do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), passaram a intensificar suas ações de fiscalização, com a presença constante de auditores fiscais do trabalho em campo. Nas visitas era verificado o cumprimento da legislação trabalhista prevista na Constituição Federal, como a aplicação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), das Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e da Norma Regulamentadora nº 31 (NR 31), que estabelece preceitos para garantir que as atividades rurais sejam desenvolvidas e planejadas de forma compatível com a segurança e saúde do trabalho.
Essa fiscalização constante e a aplicação de penas e multas somada às mudanças sociais e econômicas da agroindústria sucroenergética, ao surgimento e à implantação de novas tecnologias em campo – caso da mecanização agrícola -, entre outras modificações foram responsáveis pelas mudanças de cenário nos canaviais, contribuindo para que o setor passasse a gerar riquezas para o Brasil, sem descumprir a legislação.
O secretário de Assalariados da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Goiás (Fetaeg), José Maria de Lima, conhece bem as duas realidades. Ele trabalhou por nove anos como cortador de cana na cidade goiana de Rubiataba, localizada na região do Vale do São Patrício, a 220 quilômetros de Goiânia (GO). “Plantei cana, cortei, trabalhei em várias funções no canavial”, lembra.
Segundo José Maria, no último ano de trabalho no canavial, em 92, a situação era totalmente desfavorável ao cortador de cana. “Naquela época a gente ia para a roça em caminhões sem nenhuma segurança, às vezes no próprio veículo que transportava a cana. Não tínhamos equipamentos de proteção individuais (EPIs) e nem ferramenta de trabalho. Era preciso comprar tudo. Se você quisesse ir de botina para o trabalho, tinha que comprar”, relata. Ele reforça que hoje houve uma grande mudança em campo e nas indústrias, principalmente com o avanço da legislação e das convenções coletivas de trabalho. “Agora, o trabalhador possui uniforme, ferramenta, EPIs, ônibus para buscá-lo e levá-lo de volta pra casa. E toda a frota que faz o transporte passa por fiscalização frequente”.
Avanços
A vontade de ter uma vida melhor e lutar por melhorias para o trabalhador rural contribuiu para que o ex-cortador de cana passasse a integrar a Fetaeg. Atualmente, José Maria atua na defesa dos diretos dos 15 mil assalariados rurais que exercem a função de cortadores de cana no segmento sucroenergético em Goiás. Para ele, o maior benefício para os trabalhadores está relacionado à legislação. “O cumprimento da CLT e a renovação a cada ano da Convenção Coletiva de Trabalho em Goiás são fundamentais para melhorar a vida do homem do campo. O cortador de cana hoje tem uma vida razoável. Não vou falar excelente, porque muito ainda pode mudar para melhor. E nós vamos buscar sempre esses benefícios”, comemora.
De acordo com José Maria, dois importantes avanços merecem destaque e foram registrados nos últimos anos por causa do cumprimento da legislação e CLT. Na primeira posição está o registro na carteira de trabalho. “É quase zero o número de profissionais que não possuem carteira assinada”, acrescenta. Já em terceiro está a obrigatoriedade do uso de EPIs. “Neste caso, estamos até mais avançados que o setor urbano. Temos uniformes para todos trabalharem, inclusive com duas peças para cada um. Enquanto o profissional está usando uma peça, a outra está lavando. Todos esses benefícios impactam de forma positiva a vida do trabalhador”.
Outras melhorias relevantes para os profissionais agrícolas do segmento estão relacionadas à estrutura para alimentação e descanso, com tendas e banheiros em áreas próximas ou ao lado dos canaviais, melhores práticas de gestão de saúde e segurança - pausas de trabalho, ginástica laboral -, contratação direta de trabalhadores sem a utilização de intermediários, os chamados ‘gatos’, piso salarial da categoria com valor acima do salário mínimo (R$ 732,50), ganho por produtividade, jornada de trabalho de oito horas diárias, de segunda a sexta-feira, e quatro horas aos sábados etc. “Antes, o trabalhador saia de casa às 5 horas da manhã e voltava tarde da noite. Hoje, às 16 horas ele já está retornando para sua casa. Além disso, com o piso e a produtividade, ele consegue, em média, um salário de R$ 2 mil por mês”, enfatiza o ex-cortador de cana.
Usinas investem em requalificação
O cortador de cana Alceni de Jesus Lima, de 49 anos, morador de Anicuns (GO), diz que com as melhorias vivenciadas pelo setor nos últimos anos pode ajudar na educação dos filhos. “Estou conseguindo dar aos meus filhos o que não tive. Eles estão estudando para terem mais chance na vida”, explica.
Alceni lembra que até 2006, a realidade que vivia no campo era totalmente diferente dos dias de hoje. Ele conta que acordava às 4 horas da manhã para preparar a ‘bóia’, nome dado a marmita que os trabalhadores levavam para os canaviais. Depois, às 5 horas já tinha que sair de casa para o trabalho e só retornava à noite. “Agora, sei dos meus horários e posso até planejar tudo. Tenho até uma hora de almoço, coisa que não tinha antes”, comemora.
A única preocupação do cortador de cana é com possível desemprego por causa da mecanização agrícola, já que 95% das colheitas no Estado de Goiás são por meio de colheitadeiras. “Por enquanto, tenho vaga de trabalho, mas sei que isso pode mudar. Sei também que o ideal é estudar”, enfatiza o trabalhador.
Para evitar esse tipo de apreensão dos assalariados e o desemprego no campo, as usinas e unidades industriais do setor sucroenergético têm investido na qualificação dos profissionais para aproveitamento em outras áreas da empresa. “Alguns estão participando de cursos de capacitação para operar máquina, dirigir caminhão e efetuar atividades na indústria”, orienta José Maria.
Um dos engenheiros responsáveis pela Qualifica Engenharia e Segurança, Jéliston Patrício Couto, concorda que a introdução de tecnologias nos canaviais e a exigência por profissionais qualificados mudarão a realidade no campo, mas ele reforça que há a preocupação das usinas em promover a qualificação desses trabalhadores e aproveitá-los em outras funções. “As usinas vêm realizando um papel importante na construção de mão de obra qualificada. Em função da NR 31 do MTE, que determina que todo operador deve ter treinamento mínimo de 24 horas para sua máquina em específico, a realização destes treinamentos intensificaram-se, assim como sua integração e reciclagem. Estes treinamentos são oferecidos por sistemas de ensino do governo, instituições ligadas ao agronegócio e por empresas de treinamento particular”.
É o caso do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar Goiás), que recebe demanda por qualificação das usinas, dos trabalhadores rurais e agora vem crescendo a procura por pessoas das áreas urbanas, que enxergam nesse setor uma oportunidade de emprego. “O empregador e o trabalhador rural são beneficiados diretamente pela qualificação. Para ambos, existem benefícios como rendimento do trabalho, execução correta das tarefas, conscientização e responsabilidade no uso dos equipamento de segurança e noções sobre segurança no trabalho. São questões fundamentais para o incremento produtivo da empresa e a empregabilidade da mão de obra”, explica o coordenador técnico do Senar Goiás, Cláudio Pereira.
Para o gerente de contas estratégicas do segmento Cana-de-Açúcar para América Latina da John Deere, Carlos Newton Graminha, a capacitação da mão de obra reflete principalmente no desenvolvimento socioeconômico dos trabalhadores rurais, o que é importante para todos que atuam no campo. “A mecanização cria novas perspectivas para estes trabalhadores, uma vez que, mais qualificados, podem melhorar suas condições e qualidade de vida”.
Ele reforça que se trata de uma realidade que beneficia toda a cadeia produtiva. Existe uma demanda cada vez maior das usinas brasileiras por operadores capacitados para este trabalho. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a cultura da cana-de-açúcar continua em expansão para a temporada 2013/14. A previsão é que o Brasil tenha um acréscimo na área de cerca de 408 mil hectares, equivalendo a 4,8% em relação à safra 2012/13. O acréscimo é reflexo do aumento de área da Região Centro-Sul. A Região Norte/Nordeste praticamente se mantém com a mesma área para a próxima safra. São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul deverão ser os estados com maior acréscimo de áreas com 141,4 mil hectares, 106,1 mil hectares, 101,1 mil hectares e 43,5 mil hectares, respectivamente. Este crescimento se deve à expansão de novas áreas de plantio das usinas já em funcionamento.
Incentivo em campo
Com a proposta de incentivar e favorecer os investimentos na qualificação dos trabalhadores rurais, o presidente dos Sindicatos das Indústrias de Fabricação de Etanol e Açúcar em Goiás (Sifaeg/Sifaçúcar), André Rocha, assinou, em setembro, convênio com o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Por meio da parceria, os sindicatos que representam os produtores de etanol e açúcar em Goiás irão implantar o Sistema Pronatec Industrial – PBM (Plano Brasil Maior), viabilizando assim a realização de vários cursos de qualificação profissional voltados para o setor sucroenergético.
A entrada em desenvolvimento do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego permitirá que os setores que necessitam de qualificação tenham oportunidade de inscrever seus funcionários nos cursos mais específicos, que inicialmente atenderão somente quem já estiver trabalhando no segmento sucroenergético. As usinas já estão preparando uma relação de colaboradores para os cursos, e um levantamento da demanda de cursos necessários para qualificação em 2014. Os treinamentos terão um mínimo de 160 horas, sem custos para as empresas.
Fonte: Canal Jornal da Bioenergia
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