Publicado em: 29/05/2014 às 11:40hs
Seja qual for a combinação, o arroz destaca-se como um dos ingredientes mais frequentes na mesa dos brasileiros. E os pratos não precisam ser feitos apenas com o agulhinha, o mais consumido no país. Há 3 mil variedades do grão, garantem cientistas que, ontem, no Dia Mundial da Fome, disponibilizaram o genoma de todos os tipos com o intuito de estimular o plantio e acabar com um problema que afeta mais de 840 milhões de pessoas no mundo (Leia Para saber mais).
A origem dos grãos é variada e levada em consideração na hora de propor novas formas de cultivo e de consumo. A lavagem está entre os processos que diferenciam os tipos. O agulhinha, por exemplo, vem de um processo que retira a casca e limpa mais o grão, deixando-o com pouquíssimos nutrientes. No caso do integral, esse procedimento é mais superficial, deixando o ingrediente mais "rústico" e nutritivo. O mesmo vale para as variações mais raras, como o arroz selvagem, o vermelho e o negro: os grãos, repletos de cor e nutrientes, não são submetidos a uma lavagem extensa para não perder as propriedades que fazem bem ao corpo e ao paladar.
Saber aproveitá-las na cozinha, no entanto, demanda alguns cuidados. A dificuldade em encontrar o produto e os custos elevados são as únicas ressalvas de quem trabalha com os tipos mais exóticos. "Muitos deles são importados. Então, os preços acabam assustando um pouco, mas temos variações muito interessantes para trabalhar", conta Kadu Gomes, proprietário da Arrozeria. A lista é grande. De tipos mais conhecidos, como o sete grãos, o parboilizado e o arbóreo; aos que começam a ser adaptados ao paladar dos clientes: o negro, o vermelho e o selvagem, por exemplo.
Há ainda o carnaroli e o vialone nano, próprios para risoto, prato que conquista cada vez mais o coração (e o estômago) dos brasileiros. Quem se arriscar nessa receita, avisa Gomes, precisa saber que existem diferenças entre os grãos que interferem no resultado final da refeição. "O arbóreo é o mais utilizado porque solta mais amido na hora do preparo e isso muda completamente o prato. O carnaroli e o vialone nano também têm essa característica, mas ela não é tão acentuada", compara. O empresário sugere fazer um mix de vários tipos de arroz para criar uma combinação inusitada. "Misturar algumas opções com legumes, por exemplo, dá uma quebrada no convencional."
Mais cor
Em relação ao uso gastronômico dos grãos exóticos, Gomes afirma que vale tudo na cozinha, mas que, no Arrozeria, prefere trabalhar os sabores diferenciados em saladas. "Cria uma combinação mais leve e um contraste interessante. Fazemos m mix de folhas e selecionamos alguns tipos de castanha e fruta para explorar melhor os sabores", detalha. A intenção não é que o prato seja uma entrada, mas uma refeição centrada no arroz.
O mais peculiar dos grãos, para Gomes, é o arroz vermelho, também mais raro. "Algumas variações vêm de fora e são chamadas de arroz castanho por causa da coloração", observa. O sabor mais marcante do ingrediente combina bem com todos os tipos de carne, especialmente o filé. Nas saladas servidas no restaurante, opta-se por ressaltar o gosto diferenciado contrastando sabores. "Escolhi elementos mais adocicados, como a manga, o tomate-cereja e as nozes para reforçar o arroz vermelho", diz o empresário.
O arroz negro também é ingrediente escolhido por chefs em busca de receitas diferenciadas. "Eu gosto do vermelho exatamente porque ele tem um gosto forte. O mesmo vale para o negro, que tem um gosto que lembra a castanha-do-pará", afirma Stella Almeida, chef do restaurante Panelinha. "Ambos são muito nutritivos porque não passam pelo mesmo processo de lavagem do arroz branco. A gente até costuma dizer que eles têm essas características porque vieram selvagens", compara.
Almeida usa o grão negro principalmente em risotos. "Ele não é exatamente preto, tem um tom mais puxado para o roxo, como a jabuticaba", observa. A coloração normalmente cria uma rejeição inicial nas pessoas. Para ajudar na aceitação, a chef opta por combiná-lo com ingredientes que fazem parte da dieta cotidiana, como carnes e legumes. "Equilibrar com esses ingredientes cria um prato muito rico em sabor", garante.
O sabor com toque de castanhas do ingrediente também recebe a atenção de Almeida no preparo dos pratos. "Não precisa incrementar muito, basta cozinhar em água com um pouco de sal para realçar o gosto. Não é um sabor extremamente marcante, tem um toque mais suave, mas não passa despercebido", reforça a chef.
Há, no entanto, uma confusão entre o arroz negro e a versão mais clara que recebe tinta de polvo para ficar escura. "São coisas bem diferentes. O negro já nasce com essa cor. É assim desde a plantação", explica. O tingido trata-se de uma forma de preparo adotada em pratos mais sofisticados.
Esforços científicos
O projeto 3000 Genomas de Arroz tem um banco de dados que pode ser aplicado em esforços práticos de aprimoramento de técnicas de cultivo do cereal. A proposta é tirar vantagem da variação entre as cepas e informações genéticas de diferentes plantas e selecionar aquelas capazes de criar plantas híbridas que se adequem a diversos ambientes e condições climáticas. De acordo com Zhikang Li, diretor do programa, o projeto é parte de um esforço contínuo a fim de desenvolver recursos especialmente para produtores na África e na Ásia. "O arroz é o alimento básico para a maioria dos povos asiáticos e tem um consumo crescente na África. Com a diminuição de recursos naturais como água e terra, a segurança alimentar se torna o maior desafio nessas regiões." No Brasil, existem programas com objetivos similares. A Embrapa, com vários parceiros, conduz o Cultivares Arroz e Feijão. A iniciativa lança periodicamente variedades dos grãos adaptadas a ambientes e sistemas de produção distintos. O objetivo é oferecer ao Produtor rural opções de cultivo mais produtivas, com maior resistência a doenças e pragas.
Lavagem e cozimento especiais
Para manter as propriedades do arroz, é preciso tomar cuidado na lavagem caseira. Tanto o negro quanto o vermelho, se ficarem muito tempo na água, perdem a cor e as propriedades nutritivas, alerta Stella Almeida. O truque da chef do Panelinha é guardar parte da água da lavagem para a etapa final do preparo. "Uso na hora de finalizar o prato para destacar mais a cor", ensina.
Com relação ao tempo de cozimento, a resistência dos grãos exóticos vira um trunfo nas mãos dos chefs. "O arroz negro demora mais tempo para cozinhar. Então, aguenta melhor as receitas encorpadas, que exigem que o arroz esteja al dente", diz Almeida.
Outro grão exótico que compartilha do tempo de cocção demorado é o selvagem. Segundo Waldeone Ferreira, chef do restaurante La Tambouille, o ingrediente demora cerca de 40 minutos para ficar pronto. "Se deixar menos do que isso, vai ficar duro", alerta.Com aparência ainda mais diferenciada, o grão também tem cor e sabor marcantes, que permitem combinações gastronômicas diferenciadas. "Ele lembra um cravo porque tem cor marrom-escuro e é mais comprido e fino do que o grão de arroz convencional", explica Ferreira.
Proveniente da América do Norte, o arroz selvagem é rico não só em nutrientes e sabor, mas também em história. "Ele tem um cultivo muito difícil. Antigamente, os índios colhiam os grãos no meio do mato, direto das canoas. Só os encontravam às margens dos rios. O interessante é que tinham o hábito e o cuidado de derrubar algumas sementes para garantir a safra do ano seguinte", conta o chef.
As características diferenciadas não param por aí. Além do sabor distinto, com toques de ervas, o aroma chama a atenção. "Não tem como descrever porque é uma coisa muito sutil, mas não fica a mesma coisa que um prato com arroz branco. O selvagem tem propriedades de erva mesmo, até pela origem", reforça Ferreira.
Na combinação do ingrediente, o chef afirma que vale tudo. Carnes de todos os tipos, vermelhas ou brancas, são as mais indicadas. No La Tambouille, ele prepara com camarões. "A grande vantagem é que esse arroz ressalta, intensifica o sabor do próprio camarão. Então, o interessante está em combiná-lo com ingredientes de sabores ainda mais marcantes", sugere.
Fonte: Correio Braziliense
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