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COMÉRCIO EXTERIOR: OMC negocia agora uma nova Rodada Doha, diz Azevêdo

O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, reconhece que quando menciona a Rodada Doha a autoridades, empresários e jornalistas ao redor do mundo, sente uma ponta de ceticismo sobre uma negociação global para liberalização agrícola, bens industriais e serviços que já dura 13 anos


Publicado em: 19/03/2014 às 10:40hs

COMÉRCIO EXTERIOR: OMC negocia agora uma nova Rodada Doha, diz Azevêdo

Azevêdo prepara-se para ir ao Brasil, Argentina e Uruguai na semana que vem, onde encontrará as presidentes Dilma Rousseff e Cristina Kirchner e o presidente Mujica, além de empresários e acadêmicos. A mensagem que leva é que a Rodada Doha em jogo agora é outra.

Desafio - "Meu grande desafio é fazer as pessoas entenderem que, quando estamos falando de Doha, não estamos falando mais da mesma coisa", afirmou o diretor da OMC, em entrevista ao Valor, em seu escritório com uma bela vista para o lago de Genebra. "41 Estamos agora falando de uma recalibragem importante do que vínhamos negociando. Não é mais aquela rodada que existia lá atrás', diz, ao mesmo tempo em que nota que isso não quer dizer que é uma rodada que perdeu ou ganhou ambição.

Áreas paralisadas- Nesse cenário, como fazer a recalibragem? Azevêdo explica que algumas áreas que ficaram paralisadas, porque a metodologia negociadora não permitia avanço, ou por impasse em outros setores. Segundo ele, é preciso evitar ir tão longe em áreas onde a sensibilidade política provou ser excessiva. "Isso aconteceu em alguns aspectos de agricultura, bens industriais e em serviços", diz. Mas considera ser possivel ir mais além na liberalização em outros aspectos dessas mesmas áreas, onde a sensibilidade política é menor ou mais administrável.

Avanço - Um país, por exemplo, poderia impedir o avanço da negociação global por causa de poucas linhas tarifárias sensíveis, onde cortes da alíquota de importação seriam difíceis de vender internamente. Isso impedia avanços na expressiva maioria do universo tarifário onde esse mesmo país poderia aceitar reduzir bem mais as alíquotas. "A metodologia que usávamos impedia a calibragem para contornar essas sensibilidades localizadas", afirma.

Agricultura - Para o diretor-geral da OMC, a agricultura "vai estar no palco central das negociações que vão ser retomadas, junto com outros temas, e isso é importante para o Brasil". Mas os resultados em agricultura, industriais e serviços "têm que ser viáveis", avisa. "Não adianta ficar esperando mudar o mundo de uma tacada só." Azevêdo avalia que seu primeiro desafio é convencer todos que "não vamos voltar à mesa de negociações para repetir os erros do passado que nos paralisaram, e que seremos criativos e inovadores para retomar a rodada de forma eficaz e viável."

Convencimento- O segundo desafio, segundo ele, é convencer empresários, governos etc. que a OMC é capaz de não só finalizar as negociações, como de finalizá-las num prazo relativamente curto, mas que vai depender do apetite político pelas negociações e da criatividade para superar os impasses.

Bali - O caminho foi ligeiramente facilitado com a aprovação do primeiro acordo comercial global em quase duas décadas, em dezembro, em Bali. 'Esse acordo deu um sopro de vida no multilateral', diz Azevêdo. O pacote de Bali envolve medidas de facilitação de comércio, agricultura (incluindo subsídios para segurança alimentar) e uma série de questões ligadas ao desenvolvimento de países mais pobres.

Batalha - Agora, os 160 países-membros da OMC têm uma batalha até dezembro para definir a agenda para a etapa final da Rodada Doha. Nessa batalha sobre a ênfase da "nova" Rodada Doha, vários países gostariam de incluir novos temas, como investimentos e concorrência. Os ricos, que saíram combalidos da crise, acham que países como Brasil, China, Indonésia e Índia não podem mais ter acesso a tratamento diferenciado pelas regras internacionais, e precisam assumir compromissos maiores. Isso significa mais pressão para cortar tarifas de produtos industriais, abrir mais o setor de serviços, compras governamentais e outros.

Tempo - Para Azevêdo, tudo tem seu tempo. "Em todo lugar que vou, falando com empresários e governos, inevitavelmente eles levantam coisas importantes e que precisam ser discutidas na OMC", conta. "Não conseguimos dar seguimento agora, porque está tudo paralisado pela Rodada Doha. Apesar de iniciada há 13 anos, a rodada tem temas importantes também da atualidade. Mas, finalizada a rodada, abre-se espaço para uma multitude de outras discussões, igualmente relevantes. Elas estarão sobre a mesa após a rodada. O avanço nessas áreas dependerá da habilidade diplomática dos proponentes e do apetite dos demais membros para levá-las adiante'.

Conclusão - Na sua visão, se os países conseguirem desenhar um bom programa de trabalho até dezembro, que seja detalhado o suficiente e realista acima de tudo, não há motivos para que a negociação se estenda por muito tempo mais. "Teremos como concluir as negociações em curto espaço de tempo", afirma.

Interesse - O diretor-geral da OMC acredita que há interesses dos países em concluir Doha, tanto do Brasil como dos EUA, por exemplo. Ao seu ver, o fato de os EUA estarem engajados em acordos regionais ou plurilaterais não deveria ser nenhum empecilho para avanços na OMC. "Durante minha recente passagem por Washington, ouvi muitas vozes que expressaram clara preferência pelo multilateral. Muitos indicaram que essas negociações regionais e bilaterais estão acontecendo mais, porque o multilateral ficou paralisado."

Sinalização - Azevêdo acha que ter sido recebido pelo presidente Barack Obama, há duas semanas, não deixa de ser uma sinalização clara de que os EUA seguem interessados em desfechos negociados na OMC. "O engajamento deles foi claríssimo em Bali e continuamos conversando sobre como avançar as negociações multilaterais."

Ganho - O diretor da OMC avalia que o Brasil só tem a ganhar com a aceleração de uma nova forma de negociar a Rodada Doha. Nota que o acordo de Bali, em dezembro, foi em parte um resultado brasileiro, pelo engajamento do país na busca de um compromisso, inclusive na facilitação de comércio. "O Brasil é país de dimensões continentais, claramente globalizado. O Brasil nunca pode estar restrito em termos de interesses econômicos e comerciais a uma única região. Pela própria dimensão e complexidade de sua economia, inclusive na agricultura e como exportador de commodities, e sendo um dos celeiros do mundo, interessa ao Brasil um comércio internacional desimpedido', afirma.

Esforços - Para Azevêdo, não só o Brasil precisa estar aberto e ser competitivo, como os outros parceiros comerciais precisam se abrir também. O diretor da OMC Acha que o Brasil tem feito esforços nesse sentido e deve continuar.

Argumentos - Ele identifica muitos argumentos para justificar ceticismo prévio com as negociações. Eles vão desde a questão cambial, ou que o momento econômico é não favorável, passando por algum país importante com eleição durante o ano. "Apenas neste ano haverá mudanças nas lideranças da União Europeia, há eleições no Brasil, Índia e outros países centrais para as negociações. A negociação tem que fazer sentido sob uma perspectiva de longo prazo, em ciclos de moedas desvalorizadas ou valorizadas, com crescimento ou desaceleração econômica global, com governos de diferentes orientações no poder", diz Azevêdo.

Essencial - O acordo de Bali era visto como crucial para manter a relevância da entidade e contrabalançar a crescente importância de pactos regionais e bilaterais de liberalização. A conclusão da Rodada Doha é vista como essencial para reforçar o sistema multilateral. 'O primeiro reforço é concluir Doha, porque tudo mais está bloqueado pela paralisia da Rodada Doha', afirma Azevêdo.

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