Biotecnologia

Biotecnologia avança no desenvolvimento da tolerância da cana-de-açúcar à seca

Bioinformática e edição de genoma trazem novas rotas para acelerar o desenvolvimento genético de novas variedades com apoio do BIOEN


Publicado em: 21/12/2021 às 14:00hs

Biotecnologia avança no desenvolvimento da tolerância da cana-de-açúcar à seca

Pesquisadores que atuam na área de biotecnologia e desenvolvimento genético de cana-de- açúcar no estado de São Paulo apostam na criação de uma variedade transgênica com características de tolerância à seca pronta para uso comercial nos próximos dois ou três anos. Entres eles, está Marcelo Menossi, especialista em genética agrícola, pesquisador e coordenador do Laboratório de Genoma Funcional do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. “Temos atuado em várias linhas de pesquisa na busca por genes que reflitam certas características da planta para o enfretamento do estresse hídrico. Já temos genes licenciados e algumas empresas estão negociando conosco para levar essas variedades transgênicas a campo”, diz.

As pesquisas sobre transgenia têm avançado mais rapidamente graças ao uso de ferramentas de bioinformática e após a publicação do sequenciamento do genoma da cana, resultado do trabalho conjunto dos Institutos de Química e Biologia da Universidade de São Paulo no âmbito do BIOEN - Programa de Bioenergia da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Para Menossi, tudo isso aliado aos avanços em tecnologia da informação torna possível criar algoritmos que auxiliem na busca pelos genes mais promissores por meio de triangulação de determinadas características. 

No caso específico de tolerância à seca, o pesquisador diz que as buscas se concentram em genes associados ao maior crescimento do sistema radicular (isto é, raízes mais espalhadas e profundas), ou que estimulem o crescimento ou a preservação da parte aérea da planta. Segundo o pesquisador, trata-se de uma equação com inúmeras variáveis, com o agravante de o genoma da cana ser muito complexo. “Por vezes é mais fácil extrair alguns genes da cana, testar em outras plantas com genomas mais simples e depois reintroduzir a mudança na cana. Podemos ainda introduzir diretamente genes de outras plantas na cana”, explica.

De acordo com Menossi, há avanços em duas outras linhas de pesquisa: a montagem de genes sintéticos e a edição de genoma. Os genes sintéticos combinam alguns genes do milho com genes de cana que apresentam características de tolerância à seca, que ainda recebem parte de um gene de uma determinada bactéria. “Aqui temos dois desafios. Primeiro o de fazer o gene sintético se expressar conforme previsto e, depois, substituir os genes do milho e da bactéria por genes da própria cana. Assim teremos uma planta intragênica, ou seja, sem adição de genes de outros organismos, que tem maior aceitação entre os consumidores”, explica.

Já a edição de genoma deve começar a partir de 2022. Segundo o pesquisar, trata-se de uma metodologia recente que agiliza e facilita mudanças no genoma. “É uma técnica que permite fazermos alterações muito pequenas e pontuais em uma pequena sequência do DNA do gene, sem termos de tirar e reintroduzir um gene completo na planta. É uma metodologia que abre muitas possibilidades e que vem avançando rapidamente em todo mundo”, diz Menossi.

Cana-energia

As pesquisas genéticas em busca de variedades tolerantes à seca também avançam no Laboratório de Transdução de Sinal do Instituto de Química da USP. Por lá, além da tolerância à seca, a atual aposta recai sobre a chamada cana-energia, desenvolvida a partir de cruzamentos que integraram genes de espécies ancestrais de cana com variedades mais recentes. 

“Esta é uma cana voltada à produção de biomassa para a geração de energia elétrica, mas que, por apresentar maior rusticidade, também suporta muito bem o estresse hídrico”, explica Glaucia Mendes Souza, pesquisadora e professora titular do Departamento de Bioquímica da Universidade de São Paulo (USP), especialista em genética molecular e coordenadora do BIOEN. Glaucia também coordenou o primeiro sequenciamento genético completo de uma variedade comercial da cana realizado no mundo. 

Segundo a pesquisadora, a cana-energia atinge níveis de produtividade de 250 toneladas por hectare e, no caso de algumas variedades, mantém idêntico índice de produção de açúcar comparado às espécies modernas mais utilizadas. Foram avaliados genótipos de cana-energia em campo por vários anos seguidos, com a obtenção de bons resultados. “Agora estamos fazendo análises integradas para saber quais características agronômicas esses genes estão trazendo à planta. Nosso próximo passo é fazer experimentos que visem avaliar melhor a tolerância à seca”, frisa a especialista. Ela acredita que muito em breve terá uma espécie comercial tolerante à seca e com alta produtividade.

Glaucia explica que a cana-energia, por possuir mais biomassa, possibilita aumentar a geração de bioeletricidade e isso contribui para fechar o ciclo energético com baixa emissão de gases do efeito estufa. “O CO2 emitido pela geração de energia a partir da queima do bagaço ou pelo uso do etanol combustível é sequestrado pela própria cana durante a fotossíntese para a produção da biomassa. É um processo de geração energética fechado, limpo e sustentável, que lembra os ciclos da natureza”, enaltece. Glaucia explica ainda que o bagaço da cana pode ter diversos usos. “A lignina presente no bagaço serve para fazer uma série de bioprodutos, que vão desde papel até cimento. Estamos desenvolvendo ‘blocos de construção’ para uma indústria baseada em plantas.”, aponta.