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INTERNACIONAL: EUA voltam a oferecer subsídios condenados na OMC a cotonicultor

Os Estados Unidos voltaram a tornar o algodão elegível a receber subsídios a partir de dois modelos de apoio condenados na OMC em disputa aberta pelo Brasil na década passada


Publicado em: 12/12/2018 às 20:00hs

INTERNACIONAL: EUA voltam a oferecer subsídios condenados na OMC a cotonicultor

Os Estados Unidos voltaram a tornar o algodão elegível a receber subsídios a partir de dois modelos de apoio condenados na Organização Mundial do Comércio (OMC) em disputa aberta pelo Brasil na década passada. Esse “retorno” deverá ser consolidado no texto final da nova “Farm Bill”, a lei agrícola americana, que será conhecido nos próximos dias. E poderá resultar em uma ajuda de pelo menos US$ 3 bilhões em dez anos aos cotonicultores do país.

Importante - Em entrevista ao Valor, Joseph Glauber, que durante anos foi negociador americano e entre 2008 e 2014 ocupou o cargo de economista-chefe do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), considerou ser especialmente importante o fato de o Congresso dos EUA reintroduzir subsídios atrelados a preços, com programas do tipo dos que os juízes da OMC concluíram terem contribuído para prejuízos expressivos no mercado mundial de algodão.

Dúvidas - E, entre analistas, há dúvidas sobre a disposição do presidente eleito Jair Bolsonaro de questionar o incremento do apoio do governo americano.

Denúncia - Em setembro de 2002, o Brasil denunciou os EUA na OMC com o argumento de que várias linhas de subsídios para o algodão americano turbinavam ilegalmente produção e exportação, deprimiam os preços internacionais e causavam prejuízos aos produtores brasileiros. Quase três anos depois, o Brasil venceu o contencioso.

Autorização - Em 2009, a OMC autorizou o Brasil a retaliar os EUA em mais de US$ 800 milhões por ano, por entender que Washington tinha revisado apenas parcialmente os programas condenados pelos juízes do órgão.

Acordos - Em vez de retaliação, Brasil e EUA assinaram, em 2010 e em 2014, acordos para pôr fim ao contencioso. Em uma mudança em sua política agrícola, Washington tornou o algodão “upland”, comum nos dois países, inelegível a receber subsídios pelos novos Price Loss Coverage (PLC) e Agricultural Risk Coverage (ARC), mas deixou de continuar alterando outros programas. Em troca, Washington pagou no total mais de US$ 700 milhões de compensação para cotonicultores brasileiros.

“Farm Bill” - A “Farm Bill” aprovada em 2014 previa para os produtores de algodão apenas programas de seguro suplementar de colheita e de empréstimo preferencial pré-colheita, chamados de Stacked Income Protection Plan (STAX) e Marketing Assistance Loan (MAL). Mas, desde 2014, os cotonicultores americanos já se mostravam insatisfeitos com sua situação econômica por causa da queda de preços da commodity, e sempre reclamavam que a ajuda por meio do STAX era insuficiente.

Validade - O acordo entre Brasil e Estados Unidos vigorou até setembro passado. Mas parlamentares americanos, após várias tentativas nos últimos anos, aprovaram já em fevereiro a Lei Orçamentária Bipartidária 2018 com emendas à “Farm Bill” de 2014. E o algodão (“seed cotton”, que abrange tanto a fibra quanto a semente do algodão) foi incluído como uma das commodities que podem se beneficiar dos programas PLC e ARC a partir da colheita deste ano. Em troca, os produtores devem renunciar à participação no STAX.

Consolidação - A consolidação dessa mudança virá agora com a nova “Farm Bill”. Havia diferenças nas propostas do Senado e da Câmara dos Representantes, como um “acelerador” que poderia aumentar o apoio aos cotonicultores, e analistas americanos não têm dúvidas de que o algodão será beneficiado. Tanto o Price Loss Coverage (PLC) quanto o Agricultural Risk Coverage (ARC) podem distorcer o comércio, pois são vinculados a preços.

Pagamento - Nos dois casos, é estabelecido o pagamento da diferença entre os valores de referência e os valores de mercado, caso estes sejam menores. Suas provisões são semelhantes, no geral, às de outras culturas, como milho, trigo e soja. Uma diferença é a construção do preço baseado nas cotações do algodão em pluma e da semente de algodão.

Política agrícola americana - “Na medida em que os Estados Unidos implementaram o programa de algodão em caroço para a safra de 2018, isso poderia potencialmente violar os termos do acordo”, observa Joseph Glauber, que atualmente é pesquisador sênior do Instituto Internacional de Pesquisa em Políticas Alimentares (IFPRI), em Washington. Ele aponta como ainda mais relevante a reviravolta na política agrícola americana de reduzir distorções nesse segmento.

Gastos - “Embora os desembolsos esperados para o novo programa (“seed cotton”) sejam relativamente modestos, há uma probabilidade significativa de grandes gastos em caso de preços baixos do algodão'', afirma. Glauber nota que as previsões para os desembolsos ao algodão nos EUA sob o novo programa sugerem pagamentos bem menores do que os gastos durante o período original de investigação na disputa do algodão (1998-2004), mas há algo a monitorar. “A questão é se esses subsídios distorcem a produção e o comércio e resultam em preços mundiais mais baixos que afetam o Brasil e outros produtores de algodão”, diz ele.

Projeções - O Congressional Research Service (CRS) do Congresso americano fez projeções de custos com a volta do algodão aos subsídios dos programas PLC e ARC. Em fevereiro, os valores foram estimados em US$ 1,27 bilhão em cinco anos (2018-2022) e em US$ 2,961 bilhões em dez anos (2018-2027). Mas o custo líquido poderia diminuir para US$ 61 milhões em dez anos, no caso de cortes em outros tipos de subvenções. No entanto, dois meses depois, em abril, o CRS fez uma nova projeção.

Conclusão - E a conclusão foi de um custo até 59% maior, por volta de US$ 2,015 bilhões em cinco anos (2018-2022). Para Randy Schnepf, especialista do CRS, a mudança de política para o algodão poderá ter implicações nos mercados doméstico e internacional. Mas ele observa que qualquer dano não será determinado antes do fim de 2020, já que os pagamentos pelo “seed cotton” não serão efetuados antes de outubro de 2019 e só reportados ao USDA a partir do fim do ano ou do começo do ano seguinte.

Retaliação - Pedro de Camargo Neto, que quando estava no Ministério da Agricultura brasileiro preparou a denúncia contra os EUA na OMC, considera que o Brasil deveria ter retaliado os americanos em vez de ter feito o acordo pelo qual recebeu mais de US$ 700 milhões. Isso era só uma parte do prejuízo sofrido pelos produtores brasileiros.

Arrependimento - “O pessoal do algodão (no Brasil) vai se arrepender de ter feito aquele acordo, porque os EUA não mudaram a lei inteira e o prejuízo continuou”, afirma. “Os produtores brasileiros receberam uma montanha de dinheiro dos EUA, mas não conseguem usar porque as cláusulas americanas são muito restritivas. E agora vão voltar a enfrentar mais subsídios”, disse.

Questão - Indagado sobre o desenrolar dessa situação, Camargo Neto retrucou: “Você imagina um contencioso com Bolsonaro e Trump?”

Fonte: Portal Paraná Cooperativo

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