Clima

As quedas de braço nas negociações sobre mudança climática

Conforme as negociações da COP26 se aproximam da etapa final, negociadores dos quase 200 países presentes à cúpula do clima, em Glasgow, na Escócia, se esforçam para destravar os principais pontos de negociação.


Publicado em: 22/11/2021 às 13:40hs

As quedas de braço nas negociações sobre mudança climática

Mas uma queda de braço entre países ricos, grandes emissores emergentes e países em desenvolvimento arrisca por a perder pontos cruciais, como financiamento a nações pobres, eliminação de combustíveis fósseis e instrumentos para dar transparência a recursos usados para mitigar as mudanças climáticas.

O objetivo da cúpula do clima é firmar compromissos para o cumprimento da meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento da Terra a 1,5°C até 2100.

Um rascunho do acordo final foi divulgado nesta quarta-feira (10/11) e prevê que países apresentem até o final de 2022 metas mais ambiciosas de cortes de emissões, além de suas estratégias de longo prazo para alcançar a chamada neutralidade climática- quando todas as emissões são compensadas por reflorestamento ou tecnologia de captura de carbono da atmosfera.

Outro ponto do texto diz que será que necessário que países ricos contribuam com mais do que os US$ 100 bilhões (R$ 550 bilhões) por ano que eles haviam prometido pagar a países em desenvolvimento entre 2020 e 2025. Mas o rascunho do acordo não estabelece uma nova cifra. E até agora os US$ 100 bilhões prometidos por ano não foram cumpridos pelos países desenvolvidos.

Além disso, a proposta preliminar de acordo estabelece a necessidade de acelerar a eliminação do uso de carvão e combustíveis fósseis. Mas nenhuma data ou prazo para que isso ocorra consta do texto. As negociações continuam até sexta (12/11) e podem entrar pelo fim de semana.

A expectativa é que grandes produtores de petróleo, como Arábia Saudita, pressionem para tirar do texto qualquer referência a cortes de subsídios a combustíveis fósseis.

Mas que trechos desse relatório interessa ao Brasil? E quais os pontos de disputa que devem esquentar as negociações até o final da semana?

Controle de quanto cada país rico está pagando

A principal demanda do Brasil e outros países em desenvolvimento é receber mais compensação e financiamento de nações ricas para ações de combate ao aquecimento global e adaptação às mudanças climáticas.

Algumas regiões do mundo já convivem com secas prolongadas e temperaturas que beiram os 50°C. E os mais atingidos são justamente os países mais pobres. Os países ricos haviam prometido em 2009 um financiamento de US$ 100 bilhões por ano a países em desenvolvimento para projetos ambientais entre 2020 e 2025. Mas esse valor não foi alcançado em 2020 e nem será cumprido em 2021.

O grande problema, segundo negociadores do Brasil e ambientalistas, é que faltam mecanismos sobre onde o dinheiro pode ser depositado e que pagamentos se enquadram em mitigação das mudanças climáticas. Também não há monitoramento de quanto cada país rico está aplicando.

Por causa dessa falta de controle, ambientalistas dizem que países ricos colocaram "na conta" desses US$ 100 bilhões até mesmo empréstimos com juros a nações pobres, e dinheiro que já era transferido historicamente como parte de compromissos anteriores de combate à pobreza.

Durante a COP26, Brasil, Uruguai e Argentina tentam convencer os demais negociadores a criar um comitê permanente para monitorar quanto cada país rico está dando às nações em desenvolvimento para combate às mudanças climáticas. Seria uma forma de avaliar se a meta dos US$ 100 bilhões está ou não sendo cumprida- e quais países estão atrás nas suas promessas.

Mas, segundo a BBC News Brasil apurou junto a negociadores brasileiros, a União Europeia está bloqueando essa proposta. O bloco europeu não quer, por exemplo, apresentar as contribuições de cada país, mas sim o total doado pelos integrantes do grupo.

Segundo negociadores e observadores que participam das negociações, países ricos querem estabelecer mecanismos para controlar se as metas de redução de emissões estão sendo cumpridas. Mas não aceitam o mesmo monitoramento para as promessas financeiras.

Cifra do dinheiro que será pago a partir de 2025

Outro grande ponto de impasse é o valor que os países ricos deverão pagar a nações em desenvolvimento a partir de 2025, quando se encerra o período do pagamento dos US$ 100 bilhões anuais.

O rascunho do texto da COP26 reconhece que mais financiamento é necessário aos países em desenvolvimento além dos US$ 100 bilhões prometidos por ano de 2020 a 2025. Mas o documento não estabelece a cifra que substituirá esses US$ 100 bilhões a partir de 2025.

Brasil e demais países emergentes queriam que a cúpula do clima terminasse com um valor definido de financiamento para daqui a quatro anos. Uma alternativa seria ao menos estabelecer uma data para negociações sobre essa cifra, mas o texto preliminar do acordo também não prevê isso.

"Se não houver mais clareza sobre os mecanismos de financiamento, a responsabilidade pelo controle climático vai ter pendido mais para países em desenvolvimento que já assinaram o acordo de florestas", disse à BBC News Brasil um negociador brasileiro.

Brasil, Indonésia e Congo, países com as maiores florestas tropicais, assinaram durante a cOP26, juntamente com mais de 100 países, um acordo paralelo que prevê zerar o desmatamento no mundo até 2030.

Eliminação de carvão e combustíveis fósseis

Enquanto os países possuidores das maiores florestas se comprometeram com ações para deixar suas matas em pé, os maiores emissores de gases poluentes não se comprometeram com uma data para reduzir ou eliminar o uso de carvão e combustíveis fósseis.

Um negociador brasileiro criticou o fato de não constar do texto um prazo para "transição energética". Ou seja, para que países que hoje usam combustíveis fósseis como fonte de energia transformem sua matriz energética adotando alternativas sustentáveis, como energia solar.

Vários países ricos, como a Alemanha, ainda têm em combustíveis fósseis sua principal fonte de energia. Grandes países emergentes como China e Índia também dependem fortemente de uma matriz energética poluente.

O texto preliminar do acordo fala em "acelerar a eliminação do carvão e de subsídios a combustíveis fósseis", mas não estabelece datas nem metas. Para um dos negociadores brasileiros, foi um avanço incluir essa frase no documento, diante da forte pressão contrária da Arábia Saudita, que é grande produtora de petróleo.

Mas outro negociador do Brasil diz que poderia ter havido mais ambição, ao menos estabelecendo a necessidade de haver uma rápida transição de matrizes energéticas sujas para renováveis.

Negociações continuam

As negociações para um acordo final vão continuar até sexta-feira e ainda podem se estender pelo fim de semana. Até agora o Brasil aderiu a dois acordos paralelos: o de florestas, já mencionado acima, e a outro que prevê redução em 30% nas emissões de metano, um dos principais gases do efeito estufa.

Esse compromisso sobre metano atinge a produção de carne brasileira, já que o boi emite esse gás durante a fermentação gástrica e 17% das emissões de gases do efeito estufa do Brasil vêm da pecuária.

Mas lideranças do setor dizem que é possível alcançar a meta com manejo sustentável dos pastos, suplementação alimentar aos bois e redução do tempo de vida dos animais até o abate. Grandes produtores como JBS, Marfrig e Minerva Foods já comunicaram que é possível cumprir e até ampliar a meta.

"Na parte da pecuária a forma mais eficiente é uma melhoria no ciclo de vida. Com a redução do ciclo de vida dos animais, há menos emissão de metano. E no controle do desmatamento, fazemos monitoramento dos bois que vêm dos fornecedores", disse à BBC News Brasil o presidente da Minerva Foods, Fernando Queiroz.

O governo brasileiro tem adotado o discurso de que, de agora em diante, cabe aos países ricos ampliar seus compromissos.

"O Brasil como ator chave nas negociações fez movimentos importantes durante os primeiros dias e anunciamos metas climáticas ainda mais ambiciosas", declarou o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, em discurso no plenário da COP26 nesta quarta-feira (10).

"É importante que os países desenvolvidos reconheçam a emergência financeira e mobilizem os recursos necessários para atingir os objetivos desejados nesta conferência. A meta dos 100 bilhões de dólares não foi cumprida! E este valor já não é mais suficiente para que o mundo construa uma nova economia verde com uma transição responsável", completou o ministro.

Por sua vez, a equipe técnica de negociadores brasileiros diz que vai continuar a pressionar por mais clareza no formato de financiamento de países ricos a nações pobres. O ponto principal nesse quesito é a criação do comitê de monitoramento para controlar se as promessas financeiras vão ser cumpridas.

A grande dificuldade do Brasil está em recuperar o peso histórico que sempre teve em negociações climáticas, após a deterioraçào da imagem do país nos últimos dois anos. Em entrevista à BBC News Brasil, o embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, que chefia as negociações, reconheceu os graves aumentos de desmatamentos e emissões, e afirmou que há uma tentativa de "corrigir" o problema.

"Reconhecemos que temos que enfrentar o desafio do desmatamento ilegal. O que nós queremos fazer agora é corrigir isso. Olhar com muita seriedade, envolver recursos no combate ao desmatamento, aumentar os recursos, sejam nacionais ou internacionais."

Fonte: BBC Brasil

◄ Leia outras notícias