Clima

Mudanças climáticas limitam a agricultura do presente e do futuro

Escassez de água, temperaturas mais altas e menor disponibilidade de terras agricultáveis: cientista revela como a agricultura das próximas décadas pode lidar com esses desafios


Publicado em: 26/08/2014 às 00:00hs

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José Luis Araus Ortega: Cientistas, Biólogo, engenheiro agrônomo formado pela Universidade de Barcelona e doutor em fisiologia vegetal
Por: Ketchum Estratégia

Pesquisadores de todo o mundo reconhecem que, com a intensificação das mudanças climáticas, a agricultura terá que lançar mão de todas as ferramentas tecnológicas para garantir produtividade. Além disso, estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam que a população mundial deve chegar a 9 bilhões de pessoas em 2050, o que vai significar aumento pela demanda de alimentos, água e energia.

Biólogo, engenheiro agrônomo formado pela Universidade de Barcelona e doutor em fisiologia vegetal, José Luis Araus Ortega é um dos cientistas que está preocupado com esse cenário. Seus estudos sobre os mecanismos relacionados à produtividade e à capacidade fotossintética dos vegetais já resultaram em trabalhos em parceria com o Centro Internacional para Melhoramento de Milho e Trigo (CIMMYT), no México, e com a Comissão Europeia, especificamente nos projetos focados em economia de água.

Em entrevista ao Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), Dr. José Luis Araus Ortega falou sobre os métodos de detecção de alterações no metabolismo das plantas e sobre o desenvolvimento de plantas que usam o nitrogênio do solo com mais eficiência. “No futuro, as plantas que responderem melhor a situações de escassez de água e excesso de calor serão fundamentais”, afirma.

Neste mês o senhor esteve no Brasil para participar do Congresso Nacional do Milho e Sorgo. Como o senhor vê que essas culturas serão afetadas pelas mudanças climáticas?

Definitivamente, as alterações de temperaturas em todas as regiões da Terra são fatores limitantes para a agricultura do presente e do futuro, inclusive para as culturas do milho e do sorgo. Temos que encontrar soluções inovadoras para produzir alimentos em um ambiente de escassez de água e de recursos energéticos. Estamos lidando com o crescimento demográfico e com as mudanças de hábitos alimentares dessa população que, cada vez mais, demanda quantidade e qualidade (mais proteínas). Uma das alternativas para ajudar a resolver essa equação é aumentar a eficiência do melhoramento genético e investir na agricultura como produtora de biocombustíveis.

O senhor pesquisa a produtividade na região do Mar Mediterrâneo. Como o clima dessa área será afetado nos próximos anos?

O clima mediterrâneo é encontrado em muitas regiões do sul da Europa, na costa norte da África e em parte do Oriente Médio. Pesquisas revelam que essa será uma das áreas mais afetadas pelas mudanças climáticas. Esse clima deve sofrer com a redução na quantidade de chuvas e com o aumento de temperatura. A escassez de água prejudica o desenvolvimento das plantas, fazendo com que produzam menos, tenham dificuldade para executar a fotossíntese e pode até provocar a morte. O calor faz com que os vegetais cresçam por menos tempo e tenham mais gastos respiratórios, além de proporcionar um ambiente mais adequado para o aparecimento de pragas.

O senhor busca plantas que estejam adaptadas a condições adversas por meio de quais técnicas?

Me refiro a métodos de detecção de alterações no metabolismo das plantas em situações de estresse (em inglês, remote sensing). Em agronomia, esse método começou a ser usado para estudar diferenças na fertilidade e na eficiência do transporte de recursos como água e nitrogênio.

O senhor também faz pesquisa com transgênicos para desenvolver plantas com novas características?

Trabalhei em um projeto europeu de transgênicos que expressavam a característica de maior eficiência no uso de nitrogênio. Infelizmente, antes de a pesquisa apresentar resultados, grupos “ecológicos fundamentalistas” destruíram os ensaios com os organismos geneticamente modificados (OGM).

Por que a característica de tolerância à seca é tão difícil de ser desenvolvida, seja por transgenia ou por outro método?

São dois principais desafios. O primeiro se refere ao fato de a tolerância à seca ser uma característica multigênica e o segundo à dificuldade de repetir no campo o desempenho que as plantas transformadas tiveram em um ambiente controlado. A resposta das plantas a esse e a outros estresses abióticos envolve muitos genes. Até agora, os transgênicos já desenvolvidos conseguiram modificar a expressão de um gene ou de um pequeno número deles. A tolerância à seca, entretanto, é uma característica mais complexa.

Há cultivos em que é mais fácil conseguir expressar características?

Depende do ponto de vista. É sabido que o sorgo é uma planta naturalmente mais tolerante à seca que, por exemplo, o milho. O problema é que a genética do sorgo é menos conhecida e a produtividade potencial do sorgo é menor. Dessa maneira, acredito que só é possível comparar os cultivos com eles mesmos. Nós avançamos no desenvolvimento de plantas com tolerância à seca e mais eficientes no uso de nitrogênio para diversas espécies, mas ainda falta comparar essas novas variedades com as plantas das últimas décadas. Minha pesquisa tem como objetivos apresentar aos melhoristas de plantas ferramentas úteis e fáceis de manejar para que possam selecionar mais eficientemente essas plantas.

Em quanto tempo agricultores vão poder ter acesso a variedades melhoradas tolerantes à seca?

Creio que os produtores já fazem isso hoje. Trata-se de um processo dinâmico, que está em constante evolução. Plantas de sorgo, milho e trigo com melhor rendimento em condições não ideais já foram desenvolvidas. Não se trata de passar de zero (não tolerante) ao infinito (tolerante à seca severa), a melhora genética é um processo paulatino. Até o momento não houve registro de aumento drástico no rendimento. Entretanto, há equipes de pesquisadores internacionais que tentam dar esse salto quântico na tolerância à seca por meio da transgenia, introduzindo, por exemplo, genes responsáveis pelo metabolismo do sorgo no arroz, milho ou trigo.

Como o senhor vê o potencial dos transgênicos para a agricultura mundial em um cenário de mudanças climáticas?

Os transgênicos são uma ferramenta essencial para o melhoramento genético das plantas. A pesquisa com organismos geneticamente modificados deveria ser apoiada sempre.

Sobre o CIB

O Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), criado no Brasil em 2001, é uma organização não governamental sem fins lucrativos, cuja missão é atuar na difusão de informações técnico-científicas sobre biotecnologia e suas aplicações na construção de uma sociedade sustentável. Na Internet, você pode nos conhecer melhor por meio do site www.cib.org.br e de nossos perfis no Facebook, no Twitter e no Youtube.

Fonte: Ketchum Estratégia

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