Agricultura Familiar

O Negócio do Agronegócio Familiar

Aagricultura familiar representa 85,2% dos estabelecimentos rurais no Brasil


Publicado em: 21/07/2008 às 15:01hs

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No atual debate da questão alimentos x energia muito pouco se têm falado da relevância do agronegócio familiar na mudança para um novo modelo de produção de agro energia na era pós combustíveis fósseis, bem como sobre sua correta caracterização.
 
Em contraste aos enormes avanços conquistados pelo agronegócio empresarial, as intervenções do poder público têm sido insuficientes para reduzir a crescente exclusão de pequenos e médios agricultores que, anualmente, se observa no campo.
 
Estimativas do demógrafo George Martine indicam que, de 1960 a 1980, 28,4 milhões de pessoas deixaram a área rural, num fluxo médio anual de 300 mil pessoas.
 
Segundo Veiga, J. E. R, do Instituto de Economia Agrícola (IEA), nos anos 90, anualmente, mais de 210.000 famílias rurais emigraram; em torno de 100.000 pequenos estabelecimentos rurais desapareceram; 550.000 postos de trabalho deixaram de existir na agropecuária.
 
No período de cinco anos (1995 a 1999), a atuação governamental propiciou a criação de 373.220 novos e precários estabelecimentos rurais (perto de 1/3 dos que desapareceram), gerou 1,2 milhões de ocupações (22% dos empregos que se foram) e teria retido no meio rural o equivalente a 18% do contingente que emigrou.
 
Mesmo considerando eventual redução desse fluxo migratório nas últimas décadas - o que precisará ser comprovado pelo censo do IBGE de 2006 - não há como ignorar parcela significativa desses migrantes que, desqualificados, contribuem para inchar o contingente de excluídos a perambular pela periferia de nossas cidades.
 
Nesse debate tem ocorrido certa confusão quanto à correta caracterização do importante segmento do agronegócio familiar, muitas vezes confundido com agricultura de subsistência.
 
Considerando o total de 5,204 milhões de imóveis rurais existentes no Brasil (IBGE,2006), estamos falando de pouco mais de 4 milhões de propriedades operando em regime de agricultura familiar que, representando 85,2% dos estabelecimentos rurais no Brasil, mobilizam 86,6% do pessoal ocupado no setor (Censo Agropecuário do IBGE 1995/6)
 
Suas principais características podem ser assim resumidas:
1)     trabalho e gestão intimamente relacionados, uma vez que a produção se dá diretamente pelos próprios proprietários;
2)     decisões imediatas, adequadas ao alto grau de imprevisibilidade do processo produtivo;
3)     ênfase na diversificação e agregação de valor, o que lhe confere larga vantagem na produção de produtos diferenciados de nossas commodities;
4)     alto grau de assimilação de práticas de produção sustentável (agroecologia), pela pequena escala de produção e características do processo produtivo acima mencionadas.
 
É importante ressaltar sua diferença não só em relação à produção de subsistência, mas também em relação à pequena propriedade voltada apenas à produção de grãos, totalmente anti-econômica já que voltada à produção de commodities cujas pequenas margens recomendam economias de escala só presentes no agronegócio patronal.
 
Agronegócio familiar, constituído por pequenas e médias propriedades tocadas em regime familiar, se dedica à produção diversificada de produtos diferenciados, de alto valor agregado, em geral atrelada às etapas de pré-processamento e processamento desenvolvidas ou não dentro da própria propriedade.  
 
Representando a possibilidade concreta da adoção dos novos paradigmas da agricultura sustentável – “A capacidade de um agro ecossistema de manter a produção através do tempo, na presença de repetidas restrições ecológicas e pressões sócio-econômicas (Altieri, 1983)“ – o agronegócio familiar tem ampliado seus benefícios tanto no âmbito social quanto na preservação e conservação do nosso patrimônio ambiental e cultural.
 
Isso sem falar na crescente importância do agronegócio familiar na produção descentralizada de matérias primas energéticas, como muito bem preconiza o cientista social Ignacy Sachs quando trata do que chama “civilização da biomassa” que irá suceder a atual baseada nos combustíveis fósseis.
 
Mesmo considerando seu significativo crescimento nos últimos anos, o reconhecimento de sua importância ainda não se traduz em resultados efetivos. Tome-se o exemplo do PRONAF, linha de crédito criada em 1995 e destinada exclusivamente ao atendimento do agronegócio familiar.
 
Saindo de R$ 729 milhões em 1995 quando de sua criação, foram emprestados anualmente R$ 1,5 a R$2,0 bilhões na primeira metade da década de 2000, com forte crescimento a partir de 2004, tendo atingido o montante de R$ 7,611 bilhões no ano agrícola de 2005/2006, seu melhor ano.
 
À revelia desse enorme esforço de alocação de recursos públicos, é preciso observar a dificuldade no aumento do número de contratos firmados que atingiram, em sua melhor marca, 1,9 milhões de operações para um universo a ser atendido da ordem de 4 milhões de agricultores familiares (menos de 50% portanto).
 
Não bastassem as dificuldades no acesso ao crédito, soma-se a precária rede de assistência técnica e de apoio à comercialização de produtos do agronegócio familiar. No dizer de uma das lideranças de trabalhadores rurais no Brasil, trata-se o agrônomo de uma das mercadorias mais baratas no Estado de São Paulo.
 
Só uma efetiva política que se sustente nos pilares da organização da produção, transferência de tecnologia, crédito e agregação de valor será capaz de fortalecer o agronegócio familiar no Brasil, contribuindo para a sustentabilidade sócio-ambiental de nosso atual modelo de agronegócio.

José Carlos Pedreira de Freitas - Engenheiro Agrônomo dedicado ao estudo da sustentabilidade nos agronegócios, Diretor da HECTA - Desenvolvimento Empresarial nos Agronegócios e Diretor Geral da AGRIFAM, Feira da Agricultura Familiar e do Trabalho Rural (hecta.sp @ uol.com.br).

Fonte: HECTA - Desenvolvimento Empresarial nos Agronegócios

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