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A febre das plantações florestais sob a letargia do ferro-gusa


Publicado em: 03/03/2011 às 23:54hs

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Independentemente da crise, sempre defendi o investimento na eucaliptocultura em regiões de elevado potencial de demanda de madeira. Da mesma forma, sempre manifestei certa preocupação quando se trata de regiões onde a destinação mais viável para ela seria o carvão vegetal, transportável a maiores distâncias.

Tanto é assim que, em 2008, antes da crise se emplacar no País, escrevi a matéria “Efeito Carvão Vegetal no Comportamento do Mercado da Madeira de Eucalipto no Brasil” expondo a importância do carvão para a viabilidade das plantações florestais que se lastravam em quase todos os estados. Preocupava-me o fato de muitos deles não apresentarem condições de sustentar este tipo de investimento, justamente por não haver indústria florestal que consumisse madeira em grande escala. Como se sabe, a característica deste produto é de não se viabilizar a longas distâncias. Sempre deixei claro esta limitação das commodities florestais em relação ao transporte mais que qualquer commodity agrícola dado o coeficiente preço - peso (madeira é pesada e barata).

Dizia que o carvão vegetal, a não ser que fosse substituído pelo mineral, exerceria o papel de sustentar este mercado pela maior flexibilidade no transporte. Infelizmente, a realidade atual mostra que aquela preocupação está mais forte do que nunca, não pelo efeito substituição, mas pela perda de competitividade do ferro-gusa brasileiro frente ao internacional devida as questões cambiais, de custos e organizacionais.

Para uma atividade complexa e de longo prazo o investimento em reflorestamento requer, no presente e no futuro, garantias de bons preços e mercados. Sendo assim, preocupa-me o oportunismo de alguns em estimular o reflorestamento à revelia usando de artifícios irreais como preços exagerados da madeira e gêneros florestais sem lastro comercial. Não que ele seja um mau negócio, mas quando se trata de regiões sem demanda aparente o risco de insucesso é muito alto, o que é diferente de quem tem um grande consumidor por perto, por exemplo indústria de celulose, apesar do poder de player dela que lhe confere vantagem na formação do preço da madeira. Mesmo os produtores próximos de indústrias de celulose serão afetados pela crise de demanda do carvão por parte do ferro-gusa em razão do aumento da oferta de madeira que forçará queda generalizada no seu preço.

Desta forma, sabendo que o consumo de madeira por parte das serrarias, usinas de tratamento, construção civil e lenha é insignificante à oferta de madeira de grandes plantios, minha maior preocupação com a expansão das plantações florestais é com a crise do ferro-gusa a carvão vegetal. Apesar do consumo interno de produtos siderúrgicos em alta em virtude das obras do PAC, da Copa e do crescimento econômico do País, as guseiras independentes estão em estágio terminal apesar de algumas reações súbitas.

A dificuldade de recuperação econômica dos países do G8 reflete diretamente no gusa brasileiro. O espaço da lenta recuperação vem sendo ocupado pelo gusa dos países concorrentes. Perdemos nossos tradicionais consumidores para a Ucrânia e outros países do leste europeu. Pior que as perspectivas são desalentadoras.

O mercado de carvão não pode ficar refém da instabilidade do ferro-gusa. Na competitividade desse mercado o que importa é o menor custo independentemente do processo produtivo. Nossos concorrentes não têm a menor preocupação com as questões ambientais, usam carvão mineral e não possuem uma política ambiental tão rigorosa quanto a nossa. Nem mesmo com as questões sociais, pois pagam salários de escravo sem compromissos trabalhistas. Infelizmente, problemas culturais históricos levaram o segmento de gusa independente a uma certa desorganização. Hoje ele é refém dos fornecedores – as grandes mineradoras -, e de seus compradores – as grandes siderúrgicas – devido ao seu insignificante poder de barganha.

É claro que não vamos defender o mesmo comportamento irresponsável adotado nos países concorrentes, mas temos gorduras burocráticas que podem ser queimadas. Apenas como exemplo podemos citar: os onerosos processos de licenciamento ambiental para as plantações florestais em áreas antropizadas, as exigências de Reserva Legal, os absurdos das APP em topos de morro e as altas cargas tributárias.

Infelizmente o mundo não valoriza o fato de que o nosso gusa é o único feito com carvão vegetal ao contrario do restante com coque mineral mais impactante e mais injusto. O marketing sobre o nosso gusa verde é apenas uma retórica. O ambientalismo internacional - de via única e financiado pelas indústrias dos países ricos - não se interessa pelo gusa verde produzido num país pobre. Ao contrário da recíproca.

Dado a falência do nosso ferro-gusa a carvão vegetal, o Brasil e Minas Gerais precisam adotar uma política urgente que contorne esta possibilidade de falta de demanda de madeira destes produtores que plantaram florestas incentivados pelo Poder Público. Uma das soluções passa pela organização da cadeia produtiva do gusa e pelo fortalecimento dos outros segmentos consumidores de carvão vegetal em grande escala. Entre estes estão as siderúrgicas que produzem as ferroligas, o silício-metálico e as ligas especiais (manganês, silício, cromo, nióbio, níquel, entre outros). Além disso, o Poder Público deve também estimular investimentos em novos projetos de biomassa (Termo-elétricas) e de produção de painéis de madeira.

Falo nisto acreditando que o diferencial das nossas ligas seja o uso do carvão vegetal que confere qualidades a elas em relação ao carvão mineral proporcionando, assim, vantagens num mercado onde o Brasil tem o maior potencial do mundo. Lógico que essas alternativas muito dificilmente alcançariam o volume consumido pelas guseiras, mas amenizaria o vácuo causado por esse segmento.

Cabe ao Poder Publico sair da retórica e incentivar estes empresários que agregam valor ao minério e ao carvão vegetal. Minas não pode se omitir do papel de liderar uma cruzada a favor do carvão, pois do contrario, muitos dos produtores vão se frustrar com este investimento. Apesar do menor consumo de carvão em relação ao gusa, porém há muito onde crescer. Um estudo mostra que, sem a adoção de uma política especial, o consumo destas ligas tende a triplicar até 2030 quando simulado um aumento de 70% no mercado consumidor interno e 30% no externo. Com uma política especial, espera-se um aumento que garanta uma demanda de carvão próxima do que se consome atualmente.

O carvão vegetal, ao contrário do estigma que sofre, é uma das principais commodities florestais do Brasil e a principal de Minas Gerais. O papel que ele desenvolve no meio rural é de extrema importância social, econômica e ambiental. Lamentavelmente a sua imagem foi prejudicada pela atitude desonesta de alguns. Embora tenha superado tantas adversidades, este principal vetor da viabilidade econômica das plantações florestais das regiões sudeste, nordeste e centro-oeste está na UTI.

Desta forma, vemos hoje que produzir carvão não é pecado, mas sim solução, principalmente para a conservação das florestas nativas. Talvez este papel de salvador da lavoura incomode alguns céticos que tem declarado Guerra permanente contra ele. Eis que agora terão que se redimir, pois ao contrário de vilão, o carvão é, isto sim, um herói. Se ligas Brasil.

Sebastião Renato Valverde - Engenheiro Florestal (1987), mestre (1994) e doutor (1999) em Ciências Florestais pela UFV. Professor Associado II do Departamento de Engenharia Florestal da UFV nas áreas de Política, Legislacao, Gestão e Planejamento Florestal na graduacao e pós-graduação

Fonte: Painel Florestal

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