Processamento

Para não perder clientes, curtumes passaram a fabricar sintéticos

Materiais feitos de plástico vindo da China ajudam a dar lucro em tempos de crise e de baixa demanda mundial por couro


Publicado em: 27/11/2015 às 17:45hs

Para não perder clientes, curtumes passaram a fabricar sintéticos

"Se não pode derrotar um inimigo, junte-se a ele". O ditado foi levado em consideração pelos acionistas da Courovale que, paralelo à fabricação de peles animais, se rendeu aos sintéticos. Desde 2004, quando houve reformulação da empresa com a entrada de sócios italianos, a marca resolveu escutar os pedidos insistentes e oferecer também produtos alternativos ao seu mercado nacional. "Ou era isso, ou a gente perderia a clientela", conta, com um certo ar de lamento, a diretora e sócia Verônica Meurer.

Desde a popularização do petróleo, lá pela década de 1950, o material sintético que imita o couro ganha destaque entre as fabricantes de calçados, acessórios, montadoras de automóveis, entre outros ramos, devido o baixo custo. Chega a valer apenas um terço do valor pago pela pele. Esse preço ficou ainda mais atrativo com a alta do preço mundial do couro que vem ocorrendo desde 2014.

A crise que atinge tanto a indústria brasileira, que busca reduzir os gastos com produção, como o consumidor, que freia suas compras, e a baixa demanda mundial por couro animal fizeram com que a empresa incluísse a imitação em seu portfólio. "Hoje, 20% do que produzimos é sintético", conta Meurer. Ela conta que a prática é comum em outros curtumes.

A Courovale usa as mesmas técnicas de finalização do couro no plástico, diferindo apenas em alguns produtos químicos. Verônica exemplifica que algumas empresas calçadistas nacionais encomendam o mesmo acabamento em ambos os materiais para usá-los em uma mesma peça, reduzindo custos sem perder a qualidade visual.

A matéria-prima vem da China. A textura e o acabamento dados na Courovale convenceriam qualquer leigo que se trata de “couro de verdade". Por correr esse risco, o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB) tem a Blitz do Couro, ação educativa que visita lojas de varejo conferindo se o termo "couro" (que só pode ser utilizado para pele animal) está sendo utilizado corretamente. As denominações "couro sintético", "couro ecológico", por exemplo, ferem o Direito do Consumidor.

O presidente do CICB, Eduardo Bello, reconhece que os materiais sintéticos têm sua importância. "Não há couro para todo mundo, trabalhamos com matéria-prima global reduzida. Tem que ter materiais alternativos também, o que não pode é vendê-los como couro porque eles são de qualidades bem diferentes", explica.

A própria Courovale é enfática em explicar que esses materiais, apesar de serem parecidos visualmente e fabricados no mesmo lugar, não têm a mesma durabilidade. "O complicado é explicar para o cliente final sobre diferença de qualidade entre as duas matérias-primas se uma é tão mais barata que a outra. Porém, o couro tem um custo-benefício diferenciado: um sapato de sintético em um ano será jogado fora, gerando lixo que leva anos para se decompor. É bonito, mas não tem qualidade".

"Já o couro", continua Verônica Meurer, "dura bem mais. Sem contar que ele é a reciclagem de um material que seria jogado na natureza e causaria impacto", explica a empresária. Anualmente, o beneficiamento do couro tira 8 milhões de toneladas de pele bovina da natureza, segundo dados do CICB.

Em tradição não se mexe

Alguns curtumes gaúchos não se rendem ao mercado, como o mais antigo em atividade no Brasil: o Krumenauer, há 104 anos na ativa. Além de não se aliar ao "inimigo" sintético, é bem rígido quanto à cartela de cores e acabamentos. "Eu fabrico couro, não plástico", alfineta Joel Krummenauer, integrante da quarta geração da empresa da família de origem alemã.

Ele se refere também ao acabamento dado ao couro em alguns curtumes que, para atender à moda, consegue até envernizar a pele, dando-lhe o aspecto plástificado. É o caminho inverso onde o material natural entra na competição com os materiais sintéticos.

O curtume Kromenauer também faz aplicação de texturas e correções, mas preza, entre outras coisas, pela cartela de cores em tons neutros, com poucas cores expostas no showroom da empresa. "Vendemos couro com cara de couro, não tem por que fazer diferente, mesmo que o cliente peça. Até conseguimos fazer, mas escolhemos tentar manter o visual natural", conta Joel. "Nossos compradores esperam isso de nós (a estética próxima ao natural), inclusive os chineses. Eles produzem cópias, mas só compram produtos de materiais originais. Então fazemos questão de manter a tradição", afirma.

A técnica de plastificar o couro atende não só a demanda das indústrias fashion, mas é uma forma de corrigir os defeitos aparentes do couro como marca de bernes e carrapatos, arranhões, marcas de fogo, entre outros. "Quando colocamos uma textura, uma cor diferente, conseguimos camuflar os defeitos. A grande maioria, uns 90% do total das peças que compramos, é defeituosa", estima Verônica Meuer, da Courovale.

Fonte: Globo Rural

◄ Leia outras notícias