Fruticultura e Horticultura

Os vinhos dos canaviais

Empresário foi buscar na Itália clones que deram início ao cultivo de uvas viníferas em Ituverava, no nordeste paulista


Publicado em: 08/01/2018 às 14:00hs

Os vinhos dos canaviais

A cor rosa do casarão construído em 1889 combinando com a imensa paineira-rosa chama a atenção de quem chega à propriedade de 19 hectares que fica a poucos quilômetros do centro da cidade paulista de Ituverava, região cercada por um mar de cana-de-açúcar.

Milhares de parreiras lotadas de frutos e um galpão industrial repleto de tanques de aço inoxidável indicam que o sítio tem mais surpresas: o visitante está na Vinícola Marchese di Ivrea, nome que é uma homenagem à região da Itália que produz vinhos desde os anos 1200.

O dono é o advogado em direito internacional e empresário Luiz Roberto di San-Martino Lorenzato, de 46 anos, descendente dos primeiros italianos que chegaram à região de Ribeirão Preto para plantar algodão. Introdutor da Fórmula Indy no Brasil, Luiz Roberto sempre gostou de desafios. Com esse espírito, foi buscar no berço da família os clones das uvas sangiovese e moscato giallo para dar início à produção pioneira de uvas viníferas na região nordeste do Estado.

Mas vamos voltar ao início da história. Em 2005, interessado em comprar uma propriedade para descansar com a família nos finais de semana, o empresário buscou a ajuda do amigo de Ituverava Jorge Maeda, herdeiro do imigrante japonês Takayuki Maeda (falecido em 2008), mais conhecido como “o rei do algodão”. Luiz Roberto fechou a compra da propriedade no município por telefone, pensando em criar um pequeno haras. A criação de cavalos, no entanto, teve vida curta no local.

Uma festa junina realizada no sítio deu as dicas para o novo empreendimento. Luiz Roberto e seus convidados foram surpreendidos pela queda da temperatura para 4 graus por volta das 20 horas. “O frio era tanto que a festa acabou rapidinho”, diz. No dia seguinte, por volta do meio-dia, a temperatura já era de 30 graus. “Foi essa amplitude térmica que me chamou a atenção: era um bom local para plantar uvas. Só que, como descendente de italiano, divergi dos parentes do sul do país, que plantam uvas francesas, e optei pelas castas italianas. Aproveitei minhas viagens mensais à Itália a trabalho para trazer os clones das uvas e mandei desenvolver as mudas em um laboratório no Rio Grande do Sul.”

Cesta de uvas

Localizado a uma altitude de 700 metros, com terra roxa e muitos meses de tempo seco, o sítio se mostrou propício para a uva. O plantio começou em 2006 e gerou uma brincadeira entre Luiz Roberto e Jorge Maeda, que tem formação em agronomia. “Eu disse a ele que Ituverava não produziria vinho porque para isso seria preciso uma terra ruim, cheia de pedras e com frio. Ele fez questão de me demonstrar o contrário, levando a minha casa uma cesta de uvas colhidas no sítio e depois uma caixa de vinhos produzidos com as uvas sangiovese de lá”, disse Maeda, entre risos.

As primeiras colaborações técnicas para o plantio vieram da Faculdade de Agronomia de Ituverava. O coordenador do curso, Vinicius Maciel Junior, diz que a instituição deu consultoria técnica em relação à adubação, poda e controle de doenças e pragas e mantém visitas técnicas à propriedade.

A primeira safra foi colhida em 2008 e a fábrica foi instalada dois anos depois. Para manter a sustentabilidade do negócio, foram plantadas também uvas de mesa niágara, que são vendidas para varejões e redes de supermercado da região. A colheita das uvas italianas ocorre no inverno (a sangiovese foi colhida no final de agosto), enquanto na região sul do país, a mais desenvolvida na produção de vinhos finos, a vindima é feita no verão. A vinícola produz atualmente cinco rótulos, tendo como carro-chefe o tinto Arduino.

Luiz Roberto afirma ter investido em dez anos cerca de R$ 7 milhões no plantio e na instalação industrial da vinícola. Sua descrição dos vinhos é uma aula de marketing. “Nosso tinto é feito com as uvas sangiovese, as mesmas que produzem o chianti e o brunello italiano e foram adaptadas com sucesso nessas terras do Antigo Caminho do Ouro, por onde passou Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera”, diz. O nome do vinho tinto é uma homenagem ao rei italiano Arduino de Ivrea, cujo retrato decora um cômodo do casarão rosa. O rótulo rosé leva o nome de Saint-Hilaire, naturalista francês que catalogou as paineiras-rosas nas colinas de Ituverava. Há ainda dois brancos que levam o nome da uva, Moscato Giallo, e o licoroso São Bento. Além dos vinhos, sai da Marchese a aguardente Grappa, intitulada Caminho do Ouro, que é produzida com as sobras das cascas de uvas.

O enólogo gaúcho Joel Ferrari, da consultoria para vinícolas Enovit, participa do projeto desde o início. Ele diz que o maior desafio no período foi estabelecer o equilíbrio do vinhedo numa região de terroir novo e sem mão de obra experiente. “Uva é muito versátil e pode ser plantada até no deserto. Nessa região, faltava a cultura do vinho, mas o microclima é perfeito para a maturação de uvas tintas. O Arduíno tem muita qualidade, bom potencial de guarda, aroma de frutas negras e ervas finas e boa complexidade.”

A vinícola é pequena, do tipo butique, com capacidade para produzir 50 mil garrafas por ano. No ano passado, foram vendidas 20 mil garrafas e o empresário iniciou a degustação com harmonização aos sábados na propriedade, convidando amigos e experts em vinhos. Segundo ele, é uma forma de apresentar os rótulos e de lucrar com outra atividade que vem ganhando espaço no país: o enoturismo. Cerca de 4 mil pessoas de cidades paulistas e mineiras e também do exterior já passaram por lá, degustando os diversos vinhos, harmonizados com pratos italianos, finalizando com o café com Grappa e levando para casa garrafas que custam cerca de R$ 80.

Jorge Maeda conta que a qualidade do vinho da Marchese e o entusiasmo do amigo produtor o conquistaram. Ele participou de várias degustações na vinícola e sempre leva os vinhos para presentear amigos e clientes no Brasil e no exterior. Luiz Eduardo Junqueira, dono da Usina Alta Mogiana, que tem uma de suas cinco unidades na vizinha São Joaquim da Barra, também participa das degustações. “Já vim várias vezes e trouxe amigos também para conhecer o empreendimento. Acho que o plantio de uvas pode desempenhar um papel importante na diversificação das pequenas propriedades da região, mantendo os vínculos dos proprietários com a terra.”

Luiz Roberto é a prova disso: depois de transformar o haras em vinícola, mudou-se para o casarão do sítio com a mulher, Michele, e as três filhas Marias. “Achei que seria chique ter uma vinícola, mas logo descobri que dá muito trabalho, falta mão de obra e é preciso estar bem perto para cuidar de tudo.”

Parte da produção da vinícola é exportada para restaurantes da Suíça, Estados Unidos e Itália e outra está sendo negociada com restaurantes de São Paulo e Ribeirão Preto. No ano passado, a Marchese apresentou seus produtos na Expo Mundial de Milão.

Fonte: Globo Rural

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